quinta-feira, 29 de agosto de 2013

A GREVE





Nada se podia fazer. Tudo parado. Desde ontem eles resolveram paralisar os trabalhos, não mexiam uma palha. O dia inteiro lá, estáticos, nem gritaria, nem manifestação, nem nada. Só estavam lá.
No começo só os realmente afetados pela paralisação é que sentiram falta. Mas depois de duas semanas, toda a população começou a ficar incomodada, preocupada e até angustiada. Tentaram de tudo, protestos, contramanifestações e propostas. Mas nada adiantava. Eles sequer levantavam os olhos para o que os cercava.
Mas sem que eles dissessem o que queriam, a situação só se complicava. Quem não ouve, não sabe nada. E pouco a pouco a gravidade tomou conta não só de uma ou outra cidade, mas de um país inteiro. As rotinas alteradas, as pessoas desmotivadas. Apenas uma meia dúzia falava bem, achava bom, usava o tempo que agora sobrava para fazer outra coisa. Mas a maioria da população, a grande massa, estava deprimida. Acuados, sem grandes pretensões para o futuro, sentavam por horas sobre seus sofás, sem fazer nada. Nem assuntos tinham e se tivessem só seria para reclamar a falta.
E quando não havia mais saída, resolveram tomar uma atitude drástica, pressionar a classe com palavrório desclassificado, pedradas despropositadas, cusparadas e gritaria. E por fim, depois de muitos frangalhos dos dois lados, elegeram um que mais ou menos falava. E ele, tomando a frente, ainda que receoso, subiu nuns caixotes, como se só ali soubesse falar. Procurou algo como uma luz especial e se posicionou como se tivesse uma revelação que faria tudo mudar.
Mas demorou um tempo, tanto tempo que não deu pra esperar e começou o bate-boca, o trololó, o quebra-quebra. E quando se achou que mais nada conseguiria ser resolvido e que para sempre estaríamos fadados ao nada, viram um de cada lado, num cantinho, quase que escondido, conversando. Quer dizer, conversar com palavras, com toda aquela normalidade, não conversavam, ele gesticulava e fazia caras e bocas e o outro anotava, anotava e anotava.
 E depois de uma pausa dramática na bandalheira, se separaram e aquele de agora pouco, voltou a subir no caixote. Alguns vaiaram com uma força vocal descomunal, mas os mais expertos se cutucavam, apontavam para as mãos da figura e cochichavam. E em poucos segundos o tal se arrumou, estufou o peito e falou, em alto e bom tom.
 E depois de exatos oito minutos falando, todos ficaram boquiabertos e até espantados. Baixaram os olhos, foram dispersando e saindo sem briga, calados. E no dia seguinte não mudou muita coisa. A greve continuou, e todos sabiam que seria uma greve eterna, nunca mais veriam nada.
Uma reivindicação impossível de ser realizada. Nunca mais alguém poderia ver teatro, novela, propaganda ou qualquer outra coisa que necessitasse de uma personagem. Elas não voltariam a trabalhar, já que o pedido delas, ter uma vida, pensamentos, verdade própria, jamais poderia ser realizado.
E até que tentaram, numa junta de grandes mestres escritores, poetas, dramaturgos, escrever umas coisinhas pra gente de verdade fazer, mas não era a mesma coisa. Pra ver o que se via todo dia, era melhor abrir a janela e olhar para a rua, de graça.