Nada se podia fazer. Tudo parado. Desde ontem eles
resolveram paralisar os trabalhos, não mexiam uma palha. O dia inteiro lá, estáticos,
nem gritaria, nem manifestação, nem nada. Só estavam lá.
No começo só os realmente afetados pela paralisação é
que sentiram falta. Mas depois de duas semanas, toda a população começou a
ficar incomodada, preocupada e até angustiada. Tentaram de tudo, protestos, contramanifestações
e propostas. Mas nada adiantava. Eles sequer levantavam os olhos para o que os
cercava.
Mas sem que eles dissessem o que queriam, a situação
só se complicava. Quem não ouve, não sabe nada. E pouco a pouco a gravidade
tomou conta não só de uma ou outra cidade, mas de um país inteiro. As rotinas
alteradas, as pessoas desmotivadas. Apenas uma meia dúzia falava bem, achava
bom, usava o tempo que agora sobrava para fazer outra coisa. Mas a maioria da
população, a grande massa, estava deprimida. Acuados, sem grandes pretensões
para o futuro, sentavam por horas sobre seus sofás, sem fazer nada. Nem assuntos
tinham e se tivessem só seria para reclamar a falta.
E quando não havia mais saída, resolveram tomar uma
atitude drástica, pressionar a classe com palavrório desclassificado, pedradas
despropositadas, cusparadas e gritaria. E por fim, depois de muitos frangalhos
dos dois lados, elegeram um que mais ou menos falava. E ele, tomando a frente,
ainda que receoso, subiu nuns caixotes, como se só ali soubesse falar. Procurou
algo como uma luz especial e se posicionou como se tivesse uma revelação que
faria tudo mudar.
Mas demorou um tempo, tanto tempo que não deu pra
esperar e começou o bate-boca, o trololó, o quebra-quebra. E quando se achou
que mais nada conseguiria ser resolvido e que para sempre estaríamos fadados ao
nada, viram um de cada lado, num cantinho, quase que escondido, conversando.
Quer dizer, conversar com palavras, com toda aquela normalidade, não
conversavam, ele gesticulava e fazia caras e bocas e o outro anotava, anotava e
anotava.
E depois de
uma pausa dramática na bandalheira, se separaram e aquele de agora pouco,
voltou a subir no caixote. Alguns vaiaram com uma força vocal descomunal, mas
os mais expertos se cutucavam, apontavam para as mãos da figura e cochichavam.
E em poucos segundos o tal se arrumou, estufou o peito e falou, em alto e bom
tom.
E depois de
exatos oito minutos falando, todos ficaram boquiabertos e até espantados.
Baixaram os olhos, foram dispersando e saindo sem briga, calados. E no dia
seguinte não mudou muita coisa. A greve continuou, e todos sabiam que seria uma
greve eterna, nunca mais veriam nada.
Uma reivindicação impossível de ser realizada. Nunca
mais alguém poderia ver teatro, novela, propaganda ou qualquer outra coisa que
necessitasse de uma personagem. Elas não voltariam a trabalhar, já que o pedido
delas, ter uma vida, pensamentos, verdade própria, jamais poderia ser realizado.
E até que tentaram, numa junta de grandes mestres
escritores, poetas, dramaturgos, escrever umas coisinhas pra gente de verdade
fazer, mas não era a mesma coisa. Pra ver o que se via todo dia, era melhor
abrir a janela e olhar para a rua, de graça.