terça-feira, 29 de setembro de 2009

...

eu bem sabia o quanto ia me custar, sabia, já tinha feito mentalmente os cálculos...
não sabia se podia abrir mão das minhas coisas, dos meus medos, não sabia se poderia fazê-lo naquele momento...
tive que pensar, repensar, meditar, calcular...
tive que abrir mão...
tive que ter coragem...
bem sei dos meus medos, das minhas entranhas, das minhas coisas guardadinhas aqui dentro...

sabia que os passos da chegada seriam lentos, que o abraço seria certeiro, que o carinho iria transbordar, transmutar dor em amor...
sabia que não tinha palavras, nem faladas, nem escritas, nem planejadas, nem improvisadas, sabia que não seria necessário usá-las, não naquele momento, não ali...
sabia que as cores eram compatíveis, sabia que os materiais eram os mesmo, que combinariam, que se misturariam, que deixaria tudo o que de bom pudesse deixar ali, sabia que tinha força para levar tudo de ruim que pudesse estar guardado dentro daquele peito...
sabia que o ruim era uma palavra ruim pra explicar aquilo que sentiu, não era raiva, nem uma dor do mau, nem ira, nada de negativo, mas uma dor, um vazio, um nada que se arrasta quase por uma eternidade...um tempo parado...
sabia que faria trocas, deixaria o seu ali e levaria o dele, sempre soube disso...
tinha a certeza de que não poderia olhar, chegar tão perto, sabia, sempre soube, sempre saberei...
quis...
fui...
fiquei ali, senti o cheiro, senti as cores, as descores, senti a dor passar pela ponta do conta-gotas para dentro do meu peito aberto, senti as minhas cores saindo, colorindo o outro, tão próximo, tão perto, senti e sabia que nada mais poderia fazer se não aquilo...
não sabia que caminhei lentamente para dar conforto e fui confortada, no abraço, no colo, na generosidade de quem nada tem e tanto dá...
senti uma ponta de vergonha, uma ponta de "o que os outros vão pensar", sempre sinto isso, sempre...
lembrei de que material sou feita, lembrei dos meus, trouxe mais uns pra dentro... trouxe e cimentei, deixei ficar...
experimentei o desafio de aceitar o que me foi dado como caminho, como ofício...
soube o que fazer, mesmo quando o ar me faltava, quando me faltaram as palavras, quando me tiraram o chão, a visão, os sentidos...
percebi coisas que há tempos estavam aqui dentro, só faltava atinar...
guardei na minha caixa vermelha as lágrimas secas que ele derramava... não quis entender, somente deixar marcado em brasa aqui dentro...
levei o quanto de dores pude levar...
abarrotei o peito delas, entupi até o último espaço, esbocei um sorriso, "está tudo bem"
desabei noutros braços, desabei como num colo de mãe, contei com lágrimas e soluços como doía carregar para longe a dor alheia, que por fim não é tão alheia assim...
percebi o quanto é bom ter pares...

sabia que os passos da volta seriam rápidos, mais rápidos do que as minhas pernas em dias normais poderiam suportar... corri o mais rápido que pude, arrastei quem me levava pela mão, arrastei para fora daquele lugar, para longe dali, queria correr para casa o mais rápido que desse...
corri até o ar sair por completo do peito, corri sem olhar para trás, simplesmente corri... e quando pouco longe, recostada no carro, o desabamento inevitável, a ânsia, as golfadas de ácido, as lágrimas que quase me afogavam, a dor querendo arrebentar tudo por dentro, a dor que sabia, só sairia por meio das minhas águas, derramei todas as dores, derramei, aguei...
corri para o meu lugar, tomei banho, joguei sal, tirei o cheiro do corpo, do nariz...
descobri que o cheiro não vinha dele, mas sim de mim...dos meus medos escondidos, velados...
descobri tantas coisas, fui atingida por um raio...
derramei mais algumas...
aquietei...
sequei o corpo, sequei os olhos...
fiquei sem carnes, sem ossos, sem pensamentos, palavras, ações, sentidos, nada...
fiquei vazia...
sabia que neste momento de vácuo Deus me dizia... está pronta para encher novamente, escolha o que quer colocar ai dentro...
dormi...
sinto hoje, num novo dia, com essa garoa fina, frio, gris... sinto algo inexplicável, muitas coisas se assentaram aqui, depois de baixada a poeira posso olhar pra frente e ver... as coisas sempre voltam para os devidos lugares...

Um comentário:

Bel disse...

Querida ...

Soube de sua coragem. Vi seu ato de amor. É difícil! Mas tua entrega foi tão bonita. Deixastes um saldo de carinho entregue como buquê de flor. Fiquei até agora de manhã .... não consegui voltar antes dele, antes deles todos. Vi tudo do começo ao fim. Ainda nem sei se consegui digerir ... mas o amor sempre nos regenera.
Que a vida nos abrace ...
Muito obrigada pela tua ida e pela tua volta renovada de esperança.... precisamos tanto dela!
Um beijo,
Bel.