quarta-feira, 28 de novembro de 2012

JUSTO MEDO DE AVIÃO!




COMO eu, justo eu, tinha que ter medo justo de avião? Com tantos medos soltos por ai. De cair da escada, de ser assaltada, de ter verruga na ponta do nariz, de rasgar a calça, de escrever errado, de não ser amada e tantos outros. O meu maior medo tinha que ser o de andar de avião, de voar pelo espaço, de sair de um lugar e rapidinho estar em outro, de ver as nuvens de perto. 
E quando eu estou lá dentro sempre fico pensando: Vai cair! E parece que não tem solução. É grande demais, pesado demais, perigoso demais. E todos os demais ruins que possam existir. 
E agora eu moro em Salvador e de tanto em tanto tenho que ir pra São Paulo, Curitiba, voltar pra Salvador. E agora que eu quero conhecer o mundo? Como faz? E depois, tantas vezes, eu voo sozinha, sem ter uma mão pra segurar. Pois uma mão pra segurar é o que me segura no ar. Se tenho uma mão pra chamar de minha, se seguro nela com força, ela me sustenta, ela me faz flutuar. Mas agora a maioria das vezes viajo sozinha. E segurar na minha própria mão só me traz a agonia de sentir o suor passando de lá para cá. 
E então tenho inventado peripécias. Como a de fazer amizade com o coleguinha que viaja ao lado. Claro que eu nunca vou conseguir segurar na mão de um desconhecido, mas conversar ajuda tanto... Mas as vezes eles não querem ser meus amigos, querem ler, ignorar, dormir. Dai inventei a de ouvir música, mas é desgastante ter que esperar decolar pra poder ligar o celular no modo avião e ouvir as mesmas músicas de sempre... 
Só que desta vez estou planejando uma melhor! Vou preencher uma luva com areia e levar dentro da bolsa, e assim que o avião deixar de tocar o chão, vou colocar a mão dentro da bolsa, fechar os olhos e flutuar, imaginando que aquela mão é a mão que me acalma, que me acolhe, que me dá segurança pra fazer o que mais tenho medo, voar!!

Ai de mim se tivesse nascido passarinha!
Ai de mim se morasse num ninho!
Ai de mim se só soubesse voar!
Ai de ti, passarinho!

segunda-feira, 26 de novembro de 2012

NomePRÓPRIO


Espero todos!

http://www.gazetadopovo.com.br/cadernog/conteudo.phtml?tl=1&id=1321771&tit=Nova-dramaturgia-do-transumano-mostra-as-caras

A gente NÃO AMA Curitiba, só que SIM!

A gente sai de lá e não quer nem levar o pó cinza nos sapatos. Arrogantes. Arrogados. Cheios de verdades nos lábios. Sou eu quem sei, a cidade não sabe de nada. Sou eu que vou e você vai ficar, no mesmo lugar onde te deixei. Só que não! 
Pois quando a gente chega nos outros lugares e sabe que não pode voltar depois da peça, depois do show, depois de terminar o trabalho... Depois de dois dias, dois meses, dois anos... A gente come até a poeira de Curitiba pra matar a saudade que come cada cantinho limpo do coração de gente!
E a cidade que achávamos que ia ficar lá, no mesmo lugar. Ela fica cada vez mais longe. Se antes eu estava na Rua XV em um segundo, agora tenho que me esforçar pra lembrar como era mesmo o desenho da calçada. Se antes eu pegava um avião que chegava rapidinho, agora tem escala, escaleta, escalinha...
E então fica tudo pesado de carregar. Aquela mochilinha que eu tinha na saída, agora é mala sem zíper, nem rodinha, cheia de porcarias que eu tenho que carregar. Isso sem falar na saudade, que pesa, que pesa, que pesa. 
E a todo momento a vontade de largar tudo e voltar. Voltar pra falar mal do frio. Pra reclamar da chuva. Pra falar que está desorganizado. Bradar que o trânsito anda mal. Se questionar porque não te cumprimentam no elevador, no ponto de ônibus, na rua. Porque os ônibus são da mesma cor. Que tá frio, que tá frio, que tá frio!

É assim. 

A saudade que nos cobre dos pés a cabeça. E que nos derrama em lágrimas quentes de saudade do frio. Que nos faz chorar na cama quente, ensolarada de saudade das araucárias. Das ruas. Das pessoas. Que te faz querer uma xícara de chá quentinha. Um pinhão na chapa. Um lugar pra poder voltar.
E você se pega olhando as ruas de outro lugar como se fossem as suas ruas. Mas é só botar o pé nelas que as semelhanças desaparecem. Aquele não é o seu lugar. E como é que você pode pensar isso? Seu lugar é lindo! Tem flores pelo caminho. Tem árvores aos montes. Tem pessoas, boas pessoas. Tem sorrisos. O seu lugar é uma espécie de paraíso. 

Mas então você percebe... 

É SÓ DE LONGE QUE DÁ PRA SABER DISSO. 
É SÓ DE LONGE QUE DÁ PRA VER COMO AQUELE LUGAR É LINDO! 
É SÓ DEPOIS QUE SE SABE DO QUE ERA PARAÍSO...

terça-feira, 20 de novembro de 2012

E as dores de onde vem?

Hoje eu já acordei assim. Meio do lado avesso. Com dor de cabeça, de barriga, de corpo, de alma. E as vezes isso acontece. Eu tenho umas certas certezas premonitórias. Elas vão e vem, elas vem e vão. E desde criança é assim. Eu meio que sei uma coisa que na verdade eu não sei que sei. Sabe como? Daquelas que depois que acontece você já sabia que sabia, mas não sabia que era aquilo que você sabia. E então, sempre depois de ver tantas coisas acontecerem, não sem que eu pudesse sentir que estavam vindo a passos rápidos ou passos lentos, comecei a ter medo de sentir. Comecei a ser mais pessimista e deixar de ouvir as vozes que teimam em gritar no meu ouvido. 
É porque eu tenho medo de saber. Sou medrosa de natureza. "Se eu não sei, não existe" é a minha máxima dos últimos tempos, esses em que deixei de ter medo do escuro para ter medo de assalto. Que deixei de ter medo de bronca pra ter medo do trânsito. E assim por diante. E então faço de tudo para não me sentir assim, como eu acordei hoje. 
Outro motivo para o meu esquecimento proposital, é a vergonha que me bate. As pessoas não estão mais acostumada nem a sentir, nem a acreditar. E quando eu acho que posso comentar com esse ou aquele sobre o que sinto, lá vem uma enxurrada de deixa pra lá, que cafona e tantos outros comentários para me fazer desacreditar. E então comecei a ignorar essas falações de que sou acometida e me meti numa de não vejo, não ouço, não falo.
Mas acontece que faz dias eu tenho pensado num amigo. Faz dias que ele me vem ao pensamento, que vejo coisas que me lembram ele. Faz dias que quero ir no Bonfim de novo acender mais umas velas e amarrar mais umas fitinhas. Faz dias que sinto saudade e vontade de falar com ele. Mesmo antes de ver nas redes sociais que ele estava internado de novo. Mesmo antes de saber.
E acontece que hoje acordei virada do lado avesso. E não como costuma ser quando estou de mal humor. Não. Acordei chateada pra valer. Com o coração apertado. Com vontade de chorar. Com vontade de fazer as malas e ir. E acontece que agora mesmo fiquei sabendo que ele morreu. Morreu seu eu poder dizer que ele era um cara muito legal. Morreu sem vir passar o carnaval comigo. Morreu sem viver mais. 
E ai como é que eu faço? Como é que eu deixo pra lá que hoje eu já sabia que não estava tudo bem e que o mundo não era mais o mesmo? Acendo uma vela e rezo? Ando de um lado para o outro? Choro como faz tempo não chorava mais?
E ai? Como é que a gente faz? É verdade ou não é? Deixa pra lá? Ou deixa estar?
Fico sempre pensando. E não sei se algum dia vou conseguir chegar a alguma conclusão. Não sei se daqui um tempo vou acreditar de vez ou desacreditar e continuar andando.

Por hora fica um gosto amargo na boca. 

Por hora fica sentada no sofá vendo a vida passar.

COMPRA-SE MEMÓRIAS

Andei remexendo os baús de dentro. Aqueles que guardamos por tanto tempo, que depois de um tempo já nem sabemos mais que estão ali. E muito menos o que guardam. E por vezes os encontramos vazios e então passamos a nos perguntar onde é que foram parar as coisas que estavam ali. Por que raios não cuidamos delas com o cuidado que mereciam. E aquele canto do seu desânimo te diz que eram só memórias, e que memórias não tem nada, não são nada, são só coisas guardadas. E então você começa a duvidar das coisas boas. Começa a achar que tudo acabou. Que é o fim. Que não há com o que se preocupar. São só coisas velhas, guardadas num canto. E aplica aquela máxima dos modernistas em dizer que "se está guardado a mais de um ano e você não usa, não precisa!" e acha que numa dessas o melhor a fazer é passar as memórias adiante. E passa. E coloca numa caixa de papelão e manda embora. E deixa numa esquina movimentada. E vai embora como se não precisasse de nada do que está ali. 
E depois noutro dia. Bem longe daquele em que você se desfez. Você acorda se sentindo estranha. E pensa que a única coisa que deve fazer pra se sentir bem é rever aquelas caixas. Aquelas coisas que estão guardadas. Mas aquelas coisas dizem quem você vai ser daqui uns anos. O que você vai ser agora, naquela hora em que você acorda sem saber de muita coisa. E ao remexer as caixas, nota que não há nada ali. Não há nem as lembranças boas, nem as ruins. Esquece de lembrar inclusive, que foi você que as deixou em uma esquina qualquer. Você simplesmente vê o nada dentro de ti. 
E então olha umas fotografias, sem saber quem era aquela ali, pequena, miúda, com os olhos abertos demais para uma fotografia comum. E aquela bicicletinha não mais sua, nem a botinha vermelha lhe diz alguma coisa, nem o balão, nem nada do que está ali. Você não tem mais as suas memórias. Elas agora estão espalhadas por ai, com um ou outro, que não se sabe o que poderão fazer com elas. Se serão tratadas com o carinho que merecem ou se serão vendidas em feiras livres de antiguidades, por algumas moedas. 
E então você se desespera. E então você veste a primeira roupa que aparece na sua frente, seja ela sua ou não. E sai pela rua, com uma placa no pescoço. Você sai de casa com muitas moedas nos bolsos. Disposta a sentar em bancos de praça e comprar, seja qual seja, com o preço que for, memórias alheias. E encher de coisas não suas, aquelas caixas vazias. E quem sabe poder seguir, como quem compra um par de tênis novo, porque decidiu começar a correr. Sem saber que preferia dançar.

segunda-feira, 19 de novembro de 2012

Nenhum lugar. Algum lugar. Um lugar.

Quando você sabe que esteve num lugar. 
Você se lembra do lugar. 
Como uma fotografia de tinta ainda fresca, existe aquele lugar.
E ao tentar voltar ao mesmo lugar, você não sabe mais.
E busca em todos os lugares possíveis a possibilidade de encontrar o lugar daquele lugar.
Mas ele escapa. Ele não está.
E então você pensa se realmente pisou naquele chão. 
Se eram realmente nuvens naquele céu.
Se não era mentira aquele mar.
E então você se pergunta se não teria, por um acaso, sonhado com aquele lugar.
Se não seria uma falsa lembrança.
Se você não desejou estar onde nunca esteve.
E então o lugar que você lembra na realidade não existirá.
E então você comenta o que te atormenta, com alguém que come a mesma comida que você.
Aquele que escova os dentes na mesma pia e se banha numa água que vem depois da sua.
E você escuta ela te dizer que lembra de um lugar assim-assim. 
Das calçadas de petit-pavê.
Dos bancos concretos de concretos em que se sentaram para sorrir.
Ele pisou naquele chão. 
Ele viu desenhos naquelas nuvens.
Ele banhou seu corpo naquele mar.
E então você volta para os seus pensamentos.
Que agora se tornam redondos.
E torna a buscar aquele lugar em páginas da internet.
Mas você não sabe procurar.
Como diferenciar aquele mar desse.
Uma nuvem doutra.
Como este e não aquele chão.
E pensa se um sonho pode estar noutro sonho.
Se dormir na mesma cama fez com que estivessem no mesmo lugar.
Sem nunca ter estado lá.

sábado, 17 de novembro de 2012

coração é pra quem tem.

e então ele morreu do coração. só pra provar pra todo mundo que sofria do coração sim. e que não era só uma dor de amor, como todos diziam ser. que ali tinha uma coisa lhe comendo. e o nome dessa coisa não era o de uma ou duas mulheres. 
e no velório ninguém acreditou. tão bonito. diziam. tão novo. diziam. com tanto amor pra dar e receber. e ainda mais do coração, né? como é que iriam saber? 
e ele deitado e satisfeito dizia sem mexer sequer um músculo. eu não disse que não era só de amor que doía?

quinta-feira, 15 de novembro de 2012

ELE NÃO VOLTARÁ TÃO CEDO

TINHA viajado. Tinha que viajar. Não era seu gosto, nem seu desgosto. A única hesitação antes de sair eram os olhos rasos da pequena. Era tão adepta do amor, dos chamegos e carinhos, que lhe cortava o coração vê-la com aquela saudade antecipada. Ficava em seus braços e ele ia arrastando-a pela casa, até a porta, onde uma trabalhosa dissecação os separava.
E não importava que fossem algumas horas ou meses. Ela sempre fazia isso. Por certo era só o que sabia fazer. E ele no fundo gostava. Saia de lá sabendo que poderia demorar o quanto fosse, que ela esperaria. E mais uma mala feita e mais uma cena daquelas. Foi. E ela como sempre, ficou, na porta, até que não se pudesse nem sentir o rastro dele por perto.
Andou pela casa, pegou nos bordados, nas revistas, ligou a televisão e o rádio. Mas era ele que ela queria. Braços, pernas e torso. Deitou na cama e chorou de manha, aquela dos bebês que teimam em não dormir. E depois de horas se fazendo de rolo compressor sobre o lençol, saiu. Dar uma volta, espairecer. Deixar o vento cobrir a cara e quem sabe esboçar um sorriso.
Parecia não dar certo. Queria mesmo era saber onde era aquele lugar que ele explicou e ela não entendeu. Queria seguir seu faro e ficar com ele. Ser sua pequena de todos os dias. Onde quer que fosse. Mas isso não passava de uma vontade inútil. Só conseguiu rodar a esmo por horas, para, por fim, sentar as pernas e ancas cansadas em um café.
Tomou um chá. Comeu uma fatia de torta. Torta. Por não saber ser sozinha. E por fim levou a papeleta para pagar. No caixa, uma caixa repleta de livro chamou a sua atenção. Deveria ler mais, ouviu seu pequeno repetir. Sim. Vou ler mais e o tempo não será capaz de me atraiçoar. Pagou a conta juntamente com o grosso livro. 
Foi para casa mais feliz. Era uma pequena com boas ideias e boas lembranças. Deitou na cama com a roupa de rua mesmo e começou a sua incursão para dentro daquele que iria salvá-la. Garcia Marques, se chamava. E como escrevia bonito e complicado ao mesmo tempo. Não conseguiu tirar os olhos de dentro do papel. Sorte ter comido alguma coisa antes. Dormiu abraçada com o tal "400 folhas". Sonhou conversar com os personagens e andar pelas ruas de Macondo.
Passou todos os outros dias carregando o escritor debaixo do braço. Na sala. No quarto. Na janela. No banheiro. Na varanda. Nem sabia que dia era, e pela primeira vez rogava que ele não chegasse tão cedo. Que desse ao menos tempo de terminar. Sabia que se ele chegasse, o outro não teria vez. Era uma grande pequena. 
E lá pelas tantas, quando nenhum dos dois mais lembrava quanto tempo não via o outro, ele voltou. Numa tarde de calor e sol de meio dia o dia inteiro. Chegou manso. Com os braços açucarados de quem volta. A saudade do corpo, da mesa e da cama. A vontade de sua pequena manhã-tarde-noite. Entrou pé por pé. Escutou ela no banho, parece que adivinhando que ele estava por vir. Foi desabotoando a camisa engomada pelo suor.
Parou na cama para desamarrar os sapatos. E ao lado, na mesinha de cabeceira, sua desilusão. Teve certeza do que já intuía. Ele não era mais. Tinha esperado tanto, que esperar já não era mais por alguém. Era só costume. Entendeu pela primeira vez meias palavras. Voltou a amarrar o sapato e saiu no mesmo pé que entrou. Não poderia ver novamente os olhos de sua pequena, sem estar contido neles. 
Vagou sem rumo. Fez-se rastro de pólvora. O amor também queima feio, ele pensou. E saiu mundo afora, desaforado pelo que o tempo havia feito deles dois. Ganharia chão, imaginou sozinho. Até o dia em que pudesse regressar. Se era o que a pequena queria, era o que a pequena teria. Voltaria dali 99 anos. E quem sabe o que poderia acontecer. Numa dessas nem era tanto tempo assim...
E ela terminou o livro, e Deus sabe quantos outros. Nunca entendeu, nem depois de tão letrada que ficou, como é que um pequeno daqueles sai e não volta mais. Não entendeu, assim como não entendeu porque mesmo assim, ela continuava a esperar passarem os seus anos de solidão, como havia dito Gabriel.

Complementação (des)necessária ao post anterior...

Vai lá Roberto!

Agora é a sua vez de dizer...

Esse cara sou eu

PAUSA para rir de mim mesma

Eu fui ao mercado. Coisa comum. Queria pão, queijo, presunto e alguma besteira. Tenho verdadeira adoração por besteiras. Tinha...
Na verdade não é um mercado. É um delicatessen. Aqui eles gostam de chamar as coisas por outros nomes. Uns bem delicados e outros bem "diferentes". Como aquela carne que se chama "CHUPA MOLHO" e que aqui em casa nos ameaçamos dizendo: Se não fizer tal coisa, vai comer chupa molho...
Então vamos voltar. Não era um mercado, mas sim um mini-mercado com nome mimoso. Entrei com a cestinha em mãos e sangue nos olhos. Estava com fome. Toca música no merca-delicatessen. As coisas custam caro no delicado delicatessen. Deve ser pq vem da França. Também, com esse nome, o status é outro.

Comprei tudo, e na hora de pegar o pão começou a tocar uma música que tem comigo uma certa história. Ignorei. Mas o delicado, uma mistura de delicatessen com mercado, insistiu em tocar. Disfarcei bem e fui para o caixa. Temendo que depois daquela música tocasse axé e fossemos obrigados a dançar para pagar a conta. Afinal estávamos na França.
Coloquei as coisas no balcão. Não, não há esteiras rolantes no delicado, elas ainda não foram inventadas na França. E o caixa estava de cabeça baixa. Um homem grande, eu diria até que era um supermercado dentro do mini-mercado chamado... Enfim. Quando terminei e coloquei a cesta no chão, ele pegou o primeiro produto, digitou o preço (sim, na França eles não usam código de barras) e me olhou profunda e profanamente dizendo: ESSE CARA SOU EU!
Quase gritei de susto e mania de perseguição. Que cara? Onde? Como? E dentro do delicatessen? Passou os outros produtos, mexendo sempre a boca como se cantasse sem som. Esse cara sou eu, essecarasoueu, essecara... Não se sabia se quem estava mais constrangida era eu, se eram as minhas compras ou a França. E quando terminou ele deu o dito final: ESSE CARA SOU EU (agora com ênfase), SÃO 10,64.
Dei 11. Coloquei eu mesma as coisas na sacola e engoli dizer para ele que NÃO! ESSE CARA NÃO É VOCÊ! AO MENOS NÃO PARA MIM!

Voltei para casa atarantada. Quantos caras serão eu?

Essa semana, meu vizinho passou uma manhã inteira gritando que esse cara era ele. Noutro dia os caras da obra disseram que os caras eram eles. E dizem que na televisão estão dizendo que o cara é ele. Mas para mim, eles continuam não sendo os caras. 
E por fim, sem mais para onde ir. E depois de descarregar minhas compras delicadas e minha fome nem tanto. Escrevi uma carta-documento. Ela trata primeiramente de explicar ao tal Senhor Roberto Carlos, o cara sou eu primordial, que ele é infinitamente amado e idolatrado aqui no nordeste. Elogiar profundamente o lugar que ele conquistou no coração das pessoas. E solicitar gentilmente para que da próxima vez que for compor ou quem sabe escolher composições alheias para sua discografia, que o faça com mais cautela. E que por obséquio, escolha aquelas que não repitam que alguém é ou deixa de ser, e que não sejam somente refrão! Caso contrário, declararei publicamente, QUE ESSE CARA SOU EU!! E não eles, como querem nos fazer crer!

quarta-feira, 14 de novembro de 2012

sobre a solidão nossa de cada dia

Não me sinto sozinha. Os meus pensamentos me acompanham em voz alta. Me dizem o que quero e não quero ouvir. E sou obrigada a ouvi-los, já que estão por todos os meus lugares. Dentro e fora deles. A solidão já faz parte, já está instalada e roda bem em mim. Fico horas e mais horas entretida com as minhas coisinhas, com botões ou letras. Fico horas olhando pela janela. Sou uma pessoa de horas. Gosto de fazer as coisas sem pressa, com gosto, com o desejo de realmente estar ali. 
E desde então ficar sozinha só me amedronta na hora de dormir. E se hoje mesmo, fosse necessário procurar um outro alguém, colocaria no anúncio assim: PROCURA-SE ALGUÉM PARA DORMIR. E nada mais. Alguém para aplacar a tristeza que a escuridão me dá. Alguém que ficasse transparente com a luz do sol. Alguém que não se importasse com isso de ser só de noite. 
Quando eu era menina, sentia muita solidão. Tenho três irmãos, mas na minha casa, mesmo sendo muito unidos, sempre fomos muito separados. Cada um tinha e ainda tem a sua visão distinta do mundo e das coisas. E mesmo dormindo no mesmo quarto durante anos, cultivei o meu medo do escuro. Em mim o escuro só ameniza quando tenho braço onde me segurar. O escuro me faz cair.
E pra fugir da constante solidão sem palavras que vivia, escrevia. Escrevia muito e tanto. Em papéis pequenos, em cadernos, no ar. Escrevi histórias que eu mesma lia. Escrevia poemas e cartas de amor que algum dia seriam para alguém. Escrevia sobre os outros, sobre mim mesma. Escrevia. E com o tempo fui descrevendo a solidão em palavras doces e amargas, grandes e pequenas. E tantas vezes que ela passou a ser um conhecida de longa data. Que chega em casa a hora que quer, sem avisar e depois vai embora sem dizer adeus. Estamos acostumadas, nos conhecemos. 
E então é assim. Só a escuridão me incomoda. De resto escrevo, descrevo, disseco e logo passo a conhecer melhor o que há e não há nada com que se incomodar.

segunda-feira, 12 de novembro de 2012

águas passadas

a patroa era exigente. fez questão de ficar mais de ano observando a moça, para só então levá-la para capital. a moça saiu saltitante. tamanha era a sua vontade de sair de lá. não importava se a dona morava na capital ou numa cidade um pouco menor, o importante era sair dali. uma terra desgraçada, onde todo dia era matar um leão, engolir dois ou três sapos e viver rodeado de cobras. isso sem contar a falta d'água, sempre ameaçando os moradores de morte.
cansou de andar dias atrás de uma gota barrenta. cansou de ter o corpo sujo e a alma seca. queria sair dali para qualquer outro lugar, em que tomar um copo d'água fosse normal. e seu dia chegou, na casa da dona que fazia tempos estava de olho nela. arrumou as poucas coisinhas, sempre sob a supervisão dos olhos que a levariam. despediu-se seca dos pais e irmãos. e saiu na contra-mão, corpo em frente, cabeça para trás. 
já no caminho começou a ver esverdear. teve impressão de que seus olhos é que eram verdes, já que tudo o que viam era daquela cor. sua favorita, por sinal. mas não, era a água, se espalhando e trazendo uma vida impossível de barrar. estava feliz. tinha sede guardada por muitos anos, iria matá-la com paciência e alegria. dia após dia. 
chegaram. desembarcaram. e ela não sabia se a vergonha seria maior de pisar naquela casa com seus sapatos surrados ou com os pés rachados. mas se fez de desfeita e entrou. olhando ao redor. olhando com medo de gastar. seguiram para a ala dos "como ela". como a outra fez questão de frisar.  recebeu uniforme e uma liberdade em forma de mandado. tomar um banho, tirar as cracas, ficar um bom tempo debaixo do chuveiro. 
chu-vei-ro. água caindo sobre a sua cabeça. um chuva que ela podia controlar com um simples girar de torneira. o corpo molhado, não do suor escasso de sempre. o cheiro do sabonete se dissolvendo. cada pequena boquinha do seu corpo saciando a sede acumulada nas dobras dos dias de secura. ficou o tempo que lhe pareceu uma eternidade. sim. agora ela sabia o que significava a eternidade. gastou um sabonete inteiro. usou somente a toalha de rosto para se secar. tudo aquilo era um novidade boa. daquelas que a gente demora a se acostumar por querer durar mais. 
e depois se apresentou. parecia outra. mais clara. mais alta. parecia até que a voz era melhor do que quando chegou. e então a lista dos afazeres. muitos afazeres. afazeres que durariam a vida toda. estava radiante. sua sina havia acabado. nunca mais. nunca mais, repetia por dentro. e partiu para as tarefas com a alegria de quem sobe aos céus num dia de sol. fazia que fazia. e quando terminava o que os outros achavam que não seria capaz de fazer num só dia, pedia mais serviço. e a única pouca e pequena exigência que fazia era que fossem tarefas da mesma ordem das que já havia feito. e lá ia ela. feliz da vida. 
e quando chegou ao final do primeiro mês  todos estavam minguados, sabendo o que ia acontecer. a lei da dona. as coisas que ela achava. o desconto do dormitório e da comida. o menos de meio salario minimo, a escravidão disfarçada. e ela recebeu o envelope murcho com a mesma alegria com que fazia as milhares de coisas do nascer até o pôr. não precisava de muito. estava onde queria e era feliz. sabia o valor de cada uma daquelas gotas. sabia o que os outros nem desconfiavam. sabia até que o tempo passasse. 
iria esquecer de tudo. iria se acostumar, como todos ali estavam acostumados. e então a felicidade de lavar duas ou três pias cheias de louça e abundantes de água. de se refrescar molhando o jardim ou lavando os inúmeros carros que apareciam por ali, seria pequena. aquela felicidade de outrora escorreria pelo ralo. para depois de alguns anos, deixá-la seca. como todos os outros já estavam. nada dura tanto, irá pensar. nem seca, nem molhada. nada dura.

domingo, 11 de novembro de 2012

sobre a capacidade de não saber

sobre não saber ao dormir
sobre acordar sem saber
sobre não saber mesmo perguntando

quando o fio da meada é perdido. e nem sempre é por nossos dedos que ele escapa. quanto você está? quanto dentro você realmente está? é preciso ter noção. é preciso ter noção de quanto se está em cada pessoa. em cada lugar. em cada gota de passo da vida. pra se perder é só um respiro. pra se perder é só. e então as perguntas não satisfazem mais. as respostas são muitas, você nunca saberá. e por não saber de nada se perderá entre tantas coisas boas, entre tantas coisas ruins. e não será melhor ou pior. somente não será. 
e então você está embricada no outro. e então você acha isso bonito. você nomeia isso de paixão e cultiva. você nomeia isso de amor, logo depois que cresce um pouco. e você traz pra casa. Você deita ao seu lado. e você come da sua comida. você se torna a sua bebida. e logo você não é mais. e quem sabe se voltará a ser. se será. esquecer é fácil. esquecer é o que há em termos de amor. esquece um coisinha aqui. outra coisinha ali. como se andava. como se falava. como se comia. como se fazia. como se vazia. já não sabe mais.
e preenche cada canto de um falso pertencimento. pois pertencer ao outro sem se pertencer. pois estar no outro sem se estar. pois no outro e não em você. se preocupa quando já é tarde para acordar. quem sabe dormir mais um dia, mais um. são tantos os dias, não é? são tantos... não há com que se preocupar. vai passar. passar de lá pra cá, de cá pra lá, como num jogo de ping-pong tedioso. 
e então os nossos problemas são tantos. e quando já não se sabe mais se os problemas nossos são seus ou se são meus, quem poderá resolvê-los. quem poderá? esperá-se voltar a uma normalidade que não existe mais. voltar a um lugar que se desfez por falta de uso. abraçar o vento e nele voar, sem poesia, sem nada pra sustentar. 
e a cada dia levanta mais cansada. com o corpo pobre e arqueado. e a cada dia inventa uma desculpa para não lembrar. para não lutar. pois há tempos que vem lutando contra um fantasma que se disfarça de sonho. e a tanto tempo já não sabe mais. e passa a não querer saber. por medo, preguiça ou sono. simplesmente por não saber onde começam seus ossos, sua pele, seu amor.

sobre não saber nem dormir
sobre não saber acordar
sobre não mais perguntar

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um achado.

Um blog achado ao acaso.

Como se o acaso realmente existisse.

Um blog simples.

Pra falar e pra ouvir.



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Nana Rodrigues