segunda-feira, 30 de setembro de 2013

o outro em mim


sempre há muito mais do que achamos ter. sempre tem alguma coisa que não fecha. e não fecha porque realmente não tem que fechar. estar aberto é como muitas vezes as coisas devem estar.

hoje fazem quatro dias que meu celular foi furtado. retirado de dentro da minha bolsa com mãos leves e fáceis de carregar. e depois de me culpar por ter facilitado o furto. depois de ter chorado pelas tantas fotos que estavam armazenadas. depois de ter cancelado a linha e o aparelho. depois de tudo fica o mais ainda.

é claro que não era só um aparelho eletrônico de alto valor. não. eram lembranças, recados, fotos, memórias (internas e externas), eram contatos. mas é dai?

e dai se há uns 10 anos atrás nós nem pensávamos em estar tão conectados assim. não andávamos para cima e para baixo presos por nós mesmos. não nos mantínhamos reféns de ser para os outros e não ser para nós.

de uns tempos para cá. na nossa era do exibicionismo. na nossa loucura de fazer checkin até no banheiro. na doentia mania de postar foto de tudo para todos. na mania vazia de estar tão preocupado em mostrar que nem nos deixa tempo de ver, sentir, estar.

de uns tempos para cá a exposição de nossas gastas figuras publicamente é o que há de mais moderno. de mais descolado e significativo entre todos para todos. não importa se foi bom ou ruim, importa que todos saibam que você esteve lá, que esteve acolá e depois logo ali.

de uns tempos para cá nos prendemos ao nosso ego de um modo tão doentio, que conversar, se não for através de uma máquina, ficou monótono. ficou chato não postar a todo momento. são as máquinas que mantem os habitantes deste lugar, chamando mundo, ligados. 

diga para alguém se ela conseguiria se imaginar refém. diga se ela conseguiria se imaginar vivendo ligada à máquinas o tempo todo. diga para ela se ela conseguiria viver, mesmo sendo dependente, profundamente dependente.

ela. eu. você. nós certamente responderemos que não.

mas é assim  que vivemos. numa falsa conexão. num falso todo. num falso mundo onde todo mundo se conhece. mas que na realidade nos faz não saber nem o nome do porteiro. do vizinho. do colega ali do lado. dos três mil e quinhentos amigos da  rede na qual estamos doentiamente conectados.

não. não me excluo da rede.

não. não me excluo do ego.

não. ainda não tenho um novo celular.

quarta-feira, 18 de setembro de 2013

SOB UMA AVALANCHE...

UMA AVALANCHE de erros.



E crescendo. Como uma bola de neve que só sabe descer e crescer. Acumular os erros que já se foram com os que ainda virão.

Digamos que você esteja num lugar. Digamos que você não saiba dizer ao certo se gosta do lugar ou não. Vamos dizer que você esteja num momento "saco cheio" e prefira dizer que não gosta tanto do lugar que vive. Vamos pensar que você tem coisas para resolver. Muitas coisas. Digamos que elas não sejam qualquer coisa, sejam coisas grandes, daquelas pequenas coisas que se acumulam e num dado momento formam um monte maior do que você pode escalar. Digamos que você culpe a cidade e seus habitantes pelos erros que você mesmo comete(u). Você culpa as pessoas, as coisas, os lugares, você culpa o clima. Você não consegue compreender nada. Você já não consegue mais ver nada. Você só consegue culpar. Culpar os outros.
Digamos que depois de algum tempo vivendo nessa espiral de culpa e ilusão, você recebe uma proposta. Uma nova cidade, uma nova casa, uma vida nova. Vamos dizer que você acredite que isso seja a saída, que seja a cura para todos os seus males. Você faz planos, você sente a esperança deitar ao seu lado. Você sorri para ela. Você deita, você dorme e sonha. Sonha com dias melhores, com pessoas melhores, com lugares mais quentes. Você cria novas ilusões.
Digamos que você ainda não consiga compreender a lógica da vida. E num desespero em  fugir do que tanto te incomoda você corre. Corre com tudo e com todos. Você coloca todas as coisas numa grande mala de viagem. Você  fecha porta, janelas e tudo que possa ser fechado. E sai. Sai como se sair fizesse de você uma pessoa mais feliz. Digamos que você esta sentindo um misto de felicidade e frio na barriga. Digamos que você interprete isso como normal, devido as circunstâncias. 
E então por dois ou três minutos você voa. Você fecha os olhos e voa alto. Sem nada e nem ninguém para te incomodar. Por dois ou três minutos você se sente livre como há tempos não se sentia. por dois ou três minutos você acredita. Com os olhos fechados você acredita. E então você abre os olhos. E talvez neste momento alguma coisa se perca ou se quebre. Talvez neste momento, sem você perceber, você acabe perdendo alguma coisa. 
E então você abre os olhos e está num outro lugar. Um lugar que você não conhece, não se reconhece, mas isso ainda não é um problema. Neste momento você julga que deixou todos os problemas para trás...
Digamos agora que o tempo passe, que passe de uma maneira estranhamente rápida. Digamos que vendo o tempo passar assim, de longe, de perto, de todos os lugares, você perceba que alguma coisa esta fora do lugar. Digamos que você comece a prestar mais atenção. Vamos dizer que você tenha tanto tempo livre que comece a olhar para você mesmo. Comece a olhar para você mesmo com tanto apresso que perceba coisas que julgava não existirem. Nunca existirem em você.
E comece a tirar as coisas da mala que você encheu antes de sair. E de lá tire, entre uma muda de roupas ou outra, um probleminha ou outro. Uma Rua XV ou uma nuvem cinza. E coloque nos mesmos lugares que já estavam antes de você partir. E começa a perceber que gostava tanto. Um tanto deste tamanho assim. E começa a sentir uma saudade assim, deste tamanho. E começa a não se reconhecer. 
E depois de tanto tempo passado, você começa a perceber o que fez. Começa a perceber a mala que levou. Começa a ver que aqueles problemas tem pernas longas. Que eles andam por dentro de ti. E não importa quão alto você voe. Não importa quanto longe você vá. Eles vão estar lá, te esperando no saguão do aeroporto ou da rodoviária. Eles e somente eles te abrirão os braços e colocarão óculos escuros em seus olhos, para que você não veja nada além deles. Eles são insistentes. Eles são espertos. Eles são o que você é. E você precisa matá-los. Exterminá-los. Sem dó. Sem piedade. Ou então eles farão isso por você.
Digamos que essas coisinhas pequenas que você não consegue resolver. Essas que vão onde você está. Essas coisinhas estão ai, a te corroer, a te cegar. E não importa onde você vá. Eles vão te seguir. E chegará o dia em que não haverá lugar para se esconder. E você vai ter que decidir. E você terá que resolver. Ou terá que viver sem ter um lugar para chamar de seu.