terça-feira, 18 de março de 2014

NA-TU-RAL

ERA viciada. 




Por mais que todos dissessem que deveria se controlar, ela não conseguia.
Começou bem devagar. Começou como todo mundo começa. Numa tarde de chuva, num dia de festa, numa manhã de estresse. Usava escondido, mandava os outros comprarem, era envergonhada.
Colocou na cabeça que a natureza tem o poder de curar, e tendo em vista que aquilo era natural, mal não faria. E então passou a usar todos os dias. De manhã, de tarde, de noite, no meio dia. Se escondia no banheiro. Se escondia na cozinha. Se escondia. 
Quando perceberam que estava andando meio zonza pela cidade, resolveram que era hora de tomar uma atitude. Deveriam exclui-la da sociedade por uns tempos, para o seu próprio bem. Estava então em uma pequena REHAB!
No, no e no! Foi só o que disse no caminho de duas horas até a chácara retirada de tudo e de todos para onde a levaram. Vistoriaram as malas, as malinhas e as maletas. Vistoriaram os dentes obturados, as lentes de contato. Estava limpa. 
E depois de três semanas resolveu que era hora de colaborar. Ao contrário das duas primeiras semanas, nas quais xingou todos os que falavam com ela, todos os que pensavam nela, tudo o que havia nela, xingou! Mas o surto passou. Se conectou de tal maneira com aquela natureza toda, que encontrou ali a sua cura.
E quando achavam que ela já. Ela achou que também. E deram uma mega festa bucólica, regada a muita limonada e laranjada para comemorar. E quanto mais a abraçavam, quanto mais a apertavam, mais crescia nela uma coisinha esquisita. Daquelas que parecem aparecer do nada, mas que na verdade já estavam lá.
E lá pelas tantas, já cansada de ser uma moça tão boa que chegava a enjoar, resolveu dar uma volta, uma respirada, uma coisada para fora daquele lugar. E no caminho sentiu o cheiro. Ela conhecia aquele cheiro, mas não menos do que aquele cheiro a conhecia. Respirou fundo e sentiu crescer dentro dela aquele desejo todo que havia acabado de matar. Três semanas.
Somos bem tolos. Criamos nossas manias em anos, muitos anos. E três semanas depois...Vualá! Achamos sempre que somos tão capazes quanto não somos. Andou na direção. Andou flutuando. Sonhando como uma criança que segue um brigadeiro voador. Sentou no chão. Estava ali, defronte para a plantação. Sim! A plantação!
Sentou no chão e arrancou com gana uma porção de folhas. Esfregou na cara, no corpo todo. E quando já estava para lá de Bagdá, comeu todas. Comeu folha por folha. E caiu, estasiada. Satisfeita. Se não tem tu, vai folha mesmo, lembra de ter dito bem alto antes de cair.
Foi achada só na manhã seguinte. Verde na roupa, verde na cara, verde por tudo. Dormia como uma cria que acabou de nascer. Tentaram remove-la sem que acordasse. Mas não foi possível. Assim que encostaram nela gritou. Eu quero meu remédio! Quero agora! Vocês querem me matar? É isto que vocês querem?
E foi jogada no carro. Com a cabeça rodando e um gosto verde na boca. Era mais um daqueles casos perdidos. 
E depois de ficar na porta do apartamento, sozinha, resolveu. Rumou até o lugar onde sabia de tudo e pediu, meio de revesgueio... Um vidro de Maracujina, por favor... Não é pra mim não, é pra minha mãe... Já idosa... Todos já sabiam que era para ela mesma... Estavam acostumados com seu vício, somente ela que não. E sorriu. Como sorri um Fruit de la Passion...



*Fonte  da imagem: http://fashion.me/shop/1824-weheartit-com/854253-sarinha-diana-mulher-deitada-grama

segunda-feira, 10 de março de 2014

Não é tudo?

Você já se vingou hoje?


Todos os dias as pessoas se vingam. 
De uma pedra que estava no caminho. 
De uma pessoa que estava no lugar errado, na hora errada, fazendo a coisa errada.
Mas e você?
Já se vingou hoje? 
Ontem? 
Num dia há muito tempo atrás?

Hoje me deparei com uma situação que me fez pensar sobre o SER HUMANO  e a sua necessidade quase nata de se vingar. Não daquela vingança "prato que se come frio", elaborada a muitos e muitos pensamentos, que leva meses e até anos para acontecer. Não! Falo daquelas vingancinhas diárias, aquelas que fazemos sem nem mesmo planejar.
Estava eu entrando na piscina, primeira aula de hidroginástica. Desci a escadazinha que levava até a água. As pessoas queriam cumprimentar, alguma delas. Outras olhavam só por curiosidade. Curiosidade a minha em perceber, depois de ter dado dois passos para fora da escada, que havia um degrau, não imenso, não um abismo, mas um degrau considerável que fez com que eu tropeçasse e quase caísse. Não cai pois estava na água!
Pensam que alguém, dos que queriam cumprimentar, conhecer, fazer amizade ou só olhar disse: Ei mocinha, cuidado, tem um degrau ai...
Não. Ninguém disse...
Eles esperaram eu descobrir aquela pedra no caminho sozinha. E depois uma meia duzia de velinhas e velinhos, (sim!) daquelas bonitinhas que ajudamos a atravessar a rua, riu pra dentro com ar de "olha lá... quase caiu, como aconteceu comigo no primeiro dia de aula!".
E então olhei para elas. Olhei bem séria para elas e ri! Ri de não ter caído, de saber que elas poderiam ter me avisado, mas preferirem deixar que eu descobrisse sozinha. Ri delas terem se vingado de alguém que eu nem sei quem é, e que lá em mil novecentos e bolinha não as avisou sobre o degrau.
As nossas pequenas vinganças diárias... Aquelas que não escolhem vítima, hora ou local... Aquelas que simplesmente acontecem no afã de dar aos outros uma pequena lição de como a vida é e de como pode ser.

P.S. Se amanhã eu estiver na aula e perceber alguém que nunca vi, acredito que vá mencionar o degrau... Não sei... Mas me parece mais coerente com a maneira que acho que a vida deve ser. Já daquela "inimiga-invejosa" que falou mal de mim... Bem... Ai já não posso garantir que não haja nenhum chiclete no cabelo.

domingo, 9 de março de 2014

Sobre se acostumar... Ou não!

Lutar ou se acostumar?


Qual o tamanho da sua resiliência?

Até quando devemos lutar contra o que se mostra cada vez mais presente?

Quando éramos crianças, lá pelos anos 80, todo mundo se visitava, se escrevia, mandava cartas, cartões e afins. Todo mundo ia tomar um café na casa do Fulano, um almoço na casa do Ciclano e recebia Beltrano para um churrasquinho em sua casa. As pessoas costumavam "passar o dia" na casa de amigos e parentes, no melhor estilo "all inclusive". Dava tempo de comer, conversar, jogar cartas, das crianças brincarem e por fim, assistir alguma coisinha na televisão ou ver uma porção de fotos recém reveladas.
Eram dias diferentes. As pessoas falavam por horas ao telefone. E a tal mania de "teclar" ainda não era prevista pela maioria. Tempo não era um artigo de luxo, e sim de necessidade básica, disponível e na maioria das vezes pouco notado. As pessoas não andavam para cima e para baixo com seus relógios-bomba grudados no pescoço.

E então se passaram uns 30 anos.


Quando foi a última vez que você passou um dia inteiro na casa de alguém? E este alguém, quem era?

Temos conversado muito sobre isso. Sobre convidar e ser convidado. Sobre este tempo que nos acorrentou uma bomba no pescoço e agora nos assola. Temos conversado sobre os amigos, sobre os parentes e sobre os conhecidos. Temos conversado sozinhos. 
Aquele costume parece que tem se tornado cada vez mais démodé. Temos tido cada vez menos tempo e por conseguinte mais preguiça em convidar e sermos convidados. E quando acontece, lá de vez em quando, tudo tem hora certa. A hora certa de chegar. A hora certa de comer. A hora certa de conversar. A hora certa de postar e fazer check-in, sim, temos que fazer check-in! E mostrar que somos antenados, conectados e com internet de alta velocidade, fulltime!!

E agora?

Devemos nos acostumar com isso ou lutar?

Como é que devemos agir nesses tempos? Aceitar que tudo mudou, que as pessoas não são mais as mesmas, que nós não somos mais os mesmos... Ou lutar com unhas e dentes para passar dias inteiros na casa dos amigos? Cavar tempo para estar presencialmente com as pessoas que presamos? Ou ficaremos mandando posts de onde estamos (sozinhos!), contando ao mundo que estivemos ali, aqui e acolá, sem saber sequer com que roupa ou sentimento estavam os que nos acompanhavam?

O que devemos fazer?


"Olá! Tudo bem? Como é que você está? E qual é a senha do seu wi-fi?"


OBRIGADA POR TER SIDO CONVIDADA PARA ES-TA FES-TA!