quinta-feira, 4 de março de 2010

NECROFOBIA GRAVE

morava sozinha a moça. uma casinha que dava gosto de ver, caso fosse vista por alguém. tudo arrumadinho, tudo no seu devido lugar. todos os dias elas saia pra trabalhar e voltava no mesmo horário. nunca nada de novo. cumprimentava cordialmente os vizinhos. era muito educada. não se via muito movimento por ali. sempre ela e ela mesma. mas era preferível assim do que uma bandalheira a cada noite. aos sábados lavava roupa, as calçadas e os vidros da casinha. a casa era de material, com calçada em todo o quintal. nas floreiras da janela e da varanda, flores sempre bem vermelhas e matos sempre verdejantes. mas ela não regava. nunca regou nada naquela casa. seria um mistério as plantas não morrerem, se nunca havia sido regadas. mas era domínio público, eram de plástico. mas aos domingos ela sempre dava um trato nas coitadas. levava para o tanque e dava uma boa lavada pra tirar a poeira. e depois colocava de novo nas floreiras, limpinhas, verdinhas e vermelhas. na janela da sala tinha um gato gorducho, com duas buricas azuis no lugar de olhos. quem não tivesse habituado com a visão, poderia estranhar o bichano ali, parado, todo santo dia. mas os vizinhos já sabiam, era de pelúcia o miau. e depois tinha os latidos. volta e meia ouviam uns latidos, sempre iguais, sempre no mesmo tom. descobriu um dia uma vizinha das mais "interessadas", que era um cachorrinho que parecia de verdade, mas que era eletrônico. latia, andava, parecia verdadeiro, mas era fake. as janelas tinham tela, evitavam a entrada de mosquito, pernilongo, abelha, borboleta, qualquer coisa viva. ela não se esforçava em fazer amizades, sabe as grandes amizades, não, elas não eram com ela. o pessoal do trabalho não sabia nem a idade, endereço, telefone ou coisa alguma sobre a moça. ela lia livros, via filmes, assistia televisão, comi, via fotos e bordava. eram os seus passatempos. não tinha necessidade de outras coisas, a vida se completava assim. um dia por muita insistência do chefe, passou no médico do trabalho, fazer um periódico, ele disse. e lá ficou, pensando o que iria acontecer ali. não tinha medo, mas tinha que conversar, e ela não estava muito acostumada, ainda mais se o assunto fosse ela. o médico chamou, ela entrou e eles começaram. conversas indo e vindo. e no fim das contas o médico era bem esperto, exprimiu dela o que jamais alguém tinha conseguido. saiu de lá com um afastamento e uma indicação expressa de um psiquiatra. os colegas não entendiam o que ela tinha de tão grave, para ser afastada do trabalho por tempo indeterminado. e ela leu no atestado: " necrofobia grave". nem sabia o que era. ficou sem entender nada. foi pra casa, continuou sua rotina, não foi ao psiquiatra.

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