sábado, 27 de março de 2010

SOBRE O QUE HÁ

ela estava na rua, parada. ele se aproximou em passos medidos por outro compasso. eles se olharam nos olhos como se pudessem existir olhares assim. sem palavra se abraçaram. demoraram. ficaram ali, sentindo o calor do outro, nem tão outro assim. sentindo o ar que um expirava para o outro respirar. depois da vida toda contida num pequeno espaço, a palavra que sai, quase sussurrada. só para que um possa ouvir. - é como se você fosse o meu mundo agora. e ele repete. - é como se meu mundo fosse você. reaproximam as carnes, as peles, sentem os ossos querendo sair do corpo de cada um. permanecem. é preciso parar, ele diz. e ela, o start já foi dado, não há mais como parar. um suspiro. dois em um. a mão desce suavemente pelo ombro, passa braço, chega ao longo do próprio corpo. os passos seguem, lado à lado, num caminhar de quem sabe onde vai e chega. a chave gira na porta, os pés entram levando todo o corpo que quer ir. ele abre a garrafa, pega copo, pedras de gelo deslizam, liquido escorre. segura com a esquerda, senta no sofá, acende o cigarro, fuma. ela parada perto da porta, agora fechada. ela parada começa lentamente a tirar as peças de roupa, desnecessárias ali. ele como frente à uma obra de arte, fuma, traga e sorri. bebe mais um gole, sacode os gelos com os dedos. toma outro gole e deixa o copo sobre a mesinha. caminha até ela. passa o dedo recém gelado pela nuca. sobem os pelos como se pudessem sair dali. oferece o cigarro. ela fuma. ele vai até as costas e conta todos os nós da coluna. sussurra. - W, R, X, O, V, B, E, F, R, T, O. ela mexe o pescoço vez em quando. ele mexe em seus cabelos soltos. vigorosamente. ela se vira e lhe beija a boca com a fome de quem passou dias sem comer. come a boca num beijo que poderia durar para sempre. desabotoa os botões da blusa dele. desabotoa e sussurra. - N, M, A, L, N, E, A. ele sorri. ela lhe devolve com beijos em seu peito nu. eles descem lentamente ao chão que os acolhe como semente. ele semeia nela o que há dentro dele. eles respiram aos pares. paredes e teto se tornam números e cores, letras e palavras começam a surgir. ele escreve no corpo dela o que poderia dizer, ela sente as palavras sendo gravadas e as repete ao vento. os dias se passam. passam-se os meses. ele pergunta: - o que você espera? e ela: - não mais do que há. e ele: - e o que haverá? - não mais do que há agora. ele lhe come as palavras assim que saem da boca. as escreve por dentro. acham que o tempo não voltará a correr nunca mais. mal sabem que o tempo não mais está.

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