domingo, 9 de dezembro de 2012

DEIXAR MORRER. DEIXAR VIVER.

SOBRE não deixar que certas coisas morram e para isso matar tantas outras. falo de cultura, de agente cultural, de produto cultural. não podemos deixar a cultura morrer, eles dizem. e no nordeste não se pode deixar a sanfona silenciar. e no rio "não deixe o samba morrer, não deixe o samba acabar". e em tanto outros lugares isso e cada vez mais. mas ai de ti se ao pegar numa sanfona e se apresentar, deixar de tocar uma asa branca ou coisa que valha. eles não vão gostar de você. eles não vão nem ao menos conseguir dizer, ao final de tudo, o que é que você estava fazendo ali. 
SOBRE acumular coisas em caixas, separadas por cor, formato e tamanho. e não se dar ao trabalho de sequer separar uma caixa para as coisas que não se pode classificar. é necessário inovar, tirar o ranço, arriscar, mas tudo dentro do aceitável, dentro do conhecido. e o desconhecido que fique do lado de lá da porta. do lado de fora. 
ENTÃO você passa a se irritar em ter que fazer o que os outros querem que você faça. e não fazer o que tem vontade de fazer. e ficamos tão contaminados e dominados, que acabamos fazendo para o velho apenas uma roupa nova e nos contentamos tanto com isso. só por tornar assim o mundo mais seguro, mais acolhedor. mais do mesmo!
QUANDO você olha uma fotografia de uma fila de mulheres dos anos 30 e as compara com as dos anos 40, 50, 60, 70, 80, 90 e todas as outras que possam vir, percebe que são só releituras de releituras dos que já nem lêem mais. e passa a ouvir uma música e ter ouvido todas. a ver uma peça e ter visto tudo. e não querer mais nem ver, nem ouvir.
É preciso não deixar morrer, mas é preciso também não querer matar. há necessariamente número suficiente de pessoas no mundo para gostar do que quer que seja. e não precisamos, de maneira alguma, cercear o direito de nascer com a mente aberta e com ela aberta morrer. 

quarta-feira, 28 de novembro de 2012

JUSTO MEDO DE AVIÃO!




COMO eu, justo eu, tinha que ter medo justo de avião? Com tantos medos soltos por ai. De cair da escada, de ser assaltada, de ter verruga na ponta do nariz, de rasgar a calça, de escrever errado, de não ser amada e tantos outros. O meu maior medo tinha que ser o de andar de avião, de voar pelo espaço, de sair de um lugar e rapidinho estar em outro, de ver as nuvens de perto. 
E quando eu estou lá dentro sempre fico pensando: Vai cair! E parece que não tem solução. É grande demais, pesado demais, perigoso demais. E todos os demais ruins que possam existir. 
E agora eu moro em Salvador e de tanto em tanto tenho que ir pra São Paulo, Curitiba, voltar pra Salvador. E agora que eu quero conhecer o mundo? Como faz? E depois, tantas vezes, eu voo sozinha, sem ter uma mão pra segurar. Pois uma mão pra segurar é o que me segura no ar. Se tenho uma mão pra chamar de minha, se seguro nela com força, ela me sustenta, ela me faz flutuar. Mas agora a maioria das vezes viajo sozinha. E segurar na minha própria mão só me traz a agonia de sentir o suor passando de lá para cá. 
E então tenho inventado peripécias. Como a de fazer amizade com o coleguinha que viaja ao lado. Claro que eu nunca vou conseguir segurar na mão de um desconhecido, mas conversar ajuda tanto... Mas as vezes eles não querem ser meus amigos, querem ler, ignorar, dormir. Dai inventei a de ouvir música, mas é desgastante ter que esperar decolar pra poder ligar o celular no modo avião e ouvir as mesmas músicas de sempre... 
Só que desta vez estou planejando uma melhor! Vou preencher uma luva com areia e levar dentro da bolsa, e assim que o avião deixar de tocar o chão, vou colocar a mão dentro da bolsa, fechar os olhos e flutuar, imaginando que aquela mão é a mão que me acalma, que me acolhe, que me dá segurança pra fazer o que mais tenho medo, voar!!

Ai de mim se tivesse nascido passarinha!
Ai de mim se morasse num ninho!
Ai de mim se só soubesse voar!
Ai de ti, passarinho!

segunda-feira, 26 de novembro de 2012

NomePRÓPRIO


Espero todos!

http://www.gazetadopovo.com.br/cadernog/conteudo.phtml?tl=1&id=1321771&tit=Nova-dramaturgia-do-transumano-mostra-as-caras

A gente NÃO AMA Curitiba, só que SIM!

A gente sai de lá e não quer nem levar o pó cinza nos sapatos. Arrogantes. Arrogados. Cheios de verdades nos lábios. Sou eu quem sei, a cidade não sabe de nada. Sou eu que vou e você vai ficar, no mesmo lugar onde te deixei. Só que não! 
Pois quando a gente chega nos outros lugares e sabe que não pode voltar depois da peça, depois do show, depois de terminar o trabalho... Depois de dois dias, dois meses, dois anos... A gente come até a poeira de Curitiba pra matar a saudade que come cada cantinho limpo do coração de gente!
E a cidade que achávamos que ia ficar lá, no mesmo lugar. Ela fica cada vez mais longe. Se antes eu estava na Rua XV em um segundo, agora tenho que me esforçar pra lembrar como era mesmo o desenho da calçada. Se antes eu pegava um avião que chegava rapidinho, agora tem escala, escaleta, escalinha...
E então fica tudo pesado de carregar. Aquela mochilinha que eu tinha na saída, agora é mala sem zíper, nem rodinha, cheia de porcarias que eu tenho que carregar. Isso sem falar na saudade, que pesa, que pesa, que pesa. 
E a todo momento a vontade de largar tudo e voltar. Voltar pra falar mal do frio. Pra reclamar da chuva. Pra falar que está desorganizado. Bradar que o trânsito anda mal. Se questionar porque não te cumprimentam no elevador, no ponto de ônibus, na rua. Porque os ônibus são da mesma cor. Que tá frio, que tá frio, que tá frio!

É assim. 

A saudade que nos cobre dos pés a cabeça. E que nos derrama em lágrimas quentes de saudade do frio. Que nos faz chorar na cama quente, ensolarada de saudade das araucárias. Das ruas. Das pessoas. Que te faz querer uma xícara de chá quentinha. Um pinhão na chapa. Um lugar pra poder voltar.
E você se pega olhando as ruas de outro lugar como se fossem as suas ruas. Mas é só botar o pé nelas que as semelhanças desaparecem. Aquele não é o seu lugar. E como é que você pode pensar isso? Seu lugar é lindo! Tem flores pelo caminho. Tem árvores aos montes. Tem pessoas, boas pessoas. Tem sorrisos. O seu lugar é uma espécie de paraíso. 

Mas então você percebe... 

É SÓ DE LONGE QUE DÁ PRA SABER DISSO. 
É SÓ DE LONGE QUE DÁ PRA VER COMO AQUELE LUGAR É LINDO! 
É SÓ DEPOIS QUE SE SABE DO QUE ERA PARAÍSO...

terça-feira, 20 de novembro de 2012

E as dores de onde vem?

Hoje eu já acordei assim. Meio do lado avesso. Com dor de cabeça, de barriga, de corpo, de alma. E as vezes isso acontece. Eu tenho umas certas certezas premonitórias. Elas vão e vem, elas vem e vão. E desde criança é assim. Eu meio que sei uma coisa que na verdade eu não sei que sei. Sabe como? Daquelas que depois que acontece você já sabia que sabia, mas não sabia que era aquilo que você sabia. E então, sempre depois de ver tantas coisas acontecerem, não sem que eu pudesse sentir que estavam vindo a passos rápidos ou passos lentos, comecei a ter medo de sentir. Comecei a ser mais pessimista e deixar de ouvir as vozes que teimam em gritar no meu ouvido. 
É porque eu tenho medo de saber. Sou medrosa de natureza. "Se eu não sei, não existe" é a minha máxima dos últimos tempos, esses em que deixei de ter medo do escuro para ter medo de assalto. Que deixei de ter medo de bronca pra ter medo do trânsito. E assim por diante. E então faço de tudo para não me sentir assim, como eu acordei hoje. 
Outro motivo para o meu esquecimento proposital, é a vergonha que me bate. As pessoas não estão mais acostumada nem a sentir, nem a acreditar. E quando eu acho que posso comentar com esse ou aquele sobre o que sinto, lá vem uma enxurrada de deixa pra lá, que cafona e tantos outros comentários para me fazer desacreditar. E então comecei a ignorar essas falações de que sou acometida e me meti numa de não vejo, não ouço, não falo.
Mas acontece que faz dias eu tenho pensado num amigo. Faz dias que ele me vem ao pensamento, que vejo coisas que me lembram ele. Faz dias que quero ir no Bonfim de novo acender mais umas velas e amarrar mais umas fitinhas. Faz dias que sinto saudade e vontade de falar com ele. Mesmo antes de ver nas redes sociais que ele estava internado de novo. Mesmo antes de saber.
E acontece que hoje acordei virada do lado avesso. E não como costuma ser quando estou de mal humor. Não. Acordei chateada pra valer. Com o coração apertado. Com vontade de chorar. Com vontade de fazer as malas e ir. E acontece que agora mesmo fiquei sabendo que ele morreu. Morreu seu eu poder dizer que ele era um cara muito legal. Morreu sem vir passar o carnaval comigo. Morreu sem viver mais. 
E ai como é que eu faço? Como é que eu deixo pra lá que hoje eu já sabia que não estava tudo bem e que o mundo não era mais o mesmo? Acendo uma vela e rezo? Ando de um lado para o outro? Choro como faz tempo não chorava mais?
E ai? Como é que a gente faz? É verdade ou não é? Deixa pra lá? Ou deixa estar?
Fico sempre pensando. E não sei se algum dia vou conseguir chegar a alguma conclusão. Não sei se daqui um tempo vou acreditar de vez ou desacreditar e continuar andando.

Por hora fica um gosto amargo na boca. 

Por hora fica sentada no sofá vendo a vida passar.

COMPRA-SE MEMÓRIAS

Andei remexendo os baús de dentro. Aqueles que guardamos por tanto tempo, que depois de um tempo já nem sabemos mais que estão ali. E muito menos o que guardam. E por vezes os encontramos vazios e então passamos a nos perguntar onde é que foram parar as coisas que estavam ali. Por que raios não cuidamos delas com o cuidado que mereciam. E aquele canto do seu desânimo te diz que eram só memórias, e que memórias não tem nada, não são nada, são só coisas guardadas. E então você começa a duvidar das coisas boas. Começa a achar que tudo acabou. Que é o fim. Que não há com o que se preocupar. São só coisas velhas, guardadas num canto. E aplica aquela máxima dos modernistas em dizer que "se está guardado a mais de um ano e você não usa, não precisa!" e acha que numa dessas o melhor a fazer é passar as memórias adiante. E passa. E coloca numa caixa de papelão e manda embora. E deixa numa esquina movimentada. E vai embora como se não precisasse de nada do que está ali. 
E depois noutro dia. Bem longe daquele em que você se desfez. Você acorda se sentindo estranha. E pensa que a única coisa que deve fazer pra se sentir bem é rever aquelas caixas. Aquelas coisas que estão guardadas. Mas aquelas coisas dizem quem você vai ser daqui uns anos. O que você vai ser agora, naquela hora em que você acorda sem saber de muita coisa. E ao remexer as caixas, nota que não há nada ali. Não há nem as lembranças boas, nem as ruins. Esquece de lembrar inclusive, que foi você que as deixou em uma esquina qualquer. Você simplesmente vê o nada dentro de ti. 
E então olha umas fotografias, sem saber quem era aquela ali, pequena, miúda, com os olhos abertos demais para uma fotografia comum. E aquela bicicletinha não mais sua, nem a botinha vermelha lhe diz alguma coisa, nem o balão, nem nada do que está ali. Você não tem mais as suas memórias. Elas agora estão espalhadas por ai, com um ou outro, que não se sabe o que poderão fazer com elas. Se serão tratadas com o carinho que merecem ou se serão vendidas em feiras livres de antiguidades, por algumas moedas. 
E então você se desespera. E então você veste a primeira roupa que aparece na sua frente, seja ela sua ou não. E sai pela rua, com uma placa no pescoço. Você sai de casa com muitas moedas nos bolsos. Disposta a sentar em bancos de praça e comprar, seja qual seja, com o preço que for, memórias alheias. E encher de coisas não suas, aquelas caixas vazias. E quem sabe poder seguir, como quem compra um par de tênis novo, porque decidiu começar a correr. Sem saber que preferia dançar.

segunda-feira, 19 de novembro de 2012

Nenhum lugar. Algum lugar. Um lugar.

Quando você sabe que esteve num lugar. 
Você se lembra do lugar. 
Como uma fotografia de tinta ainda fresca, existe aquele lugar.
E ao tentar voltar ao mesmo lugar, você não sabe mais.
E busca em todos os lugares possíveis a possibilidade de encontrar o lugar daquele lugar.
Mas ele escapa. Ele não está.
E então você pensa se realmente pisou naquele chão. 
Se eram realmente nuvens naquele céu.
Se não era mentira aquele mar.
E então você se pergunta se não teria, por um acaso, sonhado com aquele lugar.
Se não seria uma falsa lembrança.
Se você não desejou estar onde nunca esteve.
E então o lugar que você lembra na realidade não existirá.
E então você comenta o que te atormenta, com alguém que come a mesma comida que você.
Aquele que escova os dentes na mesma pia e se banha numa água que vem depois da sua.
E você escuta ela te dizer que lembra de um lugar assim-assim. 
Das calçadas de petit-pavê.
Dos bancos concretos de concretos em que se sentaram para sorrir.
Ele pisou naquele chão. 
Ele viu desenhos naquelas nuvens.
Ele banhou seu corpo naquele mar.
E então você volta para os seus pensamentos.
Que agora se tornam redondos.
E torna a buscar aquele lugar em páginas da internet.
Mas você não sabe procurar.
Como diferenciar aquele mar desse.
Uma nuvem doutra.
Como este e não aquele chão.
E pensa se um sonho pode estar noutro sonho.
Se dormir na mesma cama fez com que estivessem no mesmo lugar.
Sem nunca ter estado lá.

sábado, 17 de novembro de 2012

coração é pra quem tem.

e então ele morreu do coração. só pra provar pra todo mundo que sofria do coração sim. e que não era só uma dor de amor, como todos diziam ser. que ali tinha uma coisa lhe comendo. e o nome dessa coisa não era o de uma ou duas mulheres. 
e no velório ninguém acreditou. tão bonito. diziam. tão novo. diziam. com tanto amor pra dar e receber. e ainda mais do coração, né? como é que iriam saber? 
e ele deitado e satisfeito dizia sem mexer sequer um músculo. eu não disse que não era só de amor que doía?

quinta-feira, 15 de novembro de 2012

ELE NÃO VOLTARÁ TÃO CEDO

TINHA viajado. Tinha que viajar. Não era seu gosto, nem seu desgosto. A única hesitação antes de sair eram os olhos rasos da pequena. Era tão adepta do amor, dos chamegos e carinhos, que lhe cortava o coração vê-la com aquela saudade antecipada. Ficava em seus braços e ele ia arrastando-a pela casa, até a porta, onde uma trabalhosa dissecação os separava.
E não importava que fossem algumas horas ou meses. Ela sempre fazia isso. Por certo era só o que sabia fazer. E ele no fundo gostava. Saia de lá sabendo que poderia demorar o quanto fosse, que ela esperaria. E mais uma mala feita e mais uma cena daquelas. Foi. E ela como sempre, ficou, na porta, até que não se pudesse nem sentir o rastro dele por perto.
Andou pela casa, pegou nos bordados, nas revistas, ligou a televisão e o rádio. Mas era ele que ela queria. Braços, pernas e torso. Deitou na cama e chorou de manha, aquela dos bebês que teimam em não dormir. E depois de horas se fazendo de rolo compressor sobre o lençol, saiu. Dar uma volta, espairecer. Deixar o vento cobrir a cara e quem sabe esboçar um sorriso.
Parecia não dar certo. Queria mesmo era saber onde era aquele lugar que ele explicou e ela não entendeu. Queria seguir seu faro e ficar com ele. Ser sua pequena de todos os dias. Onde quer que fosse. Mas isso não passava de uma vontade inútil. Só conseguiu rodar a esmo por horas, para, por fim, sentar as pernas e ancas cansadas em um café.
Tomou um chá. Comeu uma fatia de torta. Torta. Por não saber ser sozinha. E por fim levou a papeleta para pagar. No caixa, uma caixa repleta de livro chamou a sua atenção. Deveria ler mais, ouviu seu pequeno repetir. Sim. Vou ler mais e o tempo não será capaz de me atraiçoar. Pagou a conta juntamente com o grosso livro. 
Foi para casa mais feliz. Era uma pequena com boas ideias e boas lembranças. Deitou na cama com a roupa de rua mesmo e começou a sua incursão para dentro daquele que iria salvá-la. Garcia Marques, se chamava. E como escrevia bonito e complicado ao mesmo tempo. Não conseguiu tirar os olhos de dentro do papel. Sorte ter comido alguma coisa antes. Dormiu abraçada com o tal "400 folhas". Sonhou conversar com os personagens e andar pelas ruas de Macondo.
Passou todos os outros dias carregando o escritor debaixo do braço. Na sala. No quarto. Na janela. No banheiro. Na varanda. Nem sabia que dia era, e pela primeira vez rogava que ele não chegasse tão cedo. Que desse ao menos tempo de terminar. Sabia que se ele chegasse, o outro não teria vez. Era uma grande pequena. 
E lá pelas tantas, quando nenhum dos dois mais lembrava quanto tempo não via o outro, ele voltou. Numa tarde de calor e sol de meio dia o dia inteiro. Chegou manso. Com os braços açucarados de quem volta. A saudade do corpo, da mesa e da cama. A vontade de sua pequena manhã-tarde-noite. Entrou pé por pé. Escutou ela no banho, parece que adivinhando que ele estava por vir. Foi desabotoando a camisa engomada pelo suor.
Parou na cama para desamarrar os sapatos. E ao lado, na mesinha de cabeceira, sua desilusão. Teve certeza do que já intuía. Ele não era mais. Tinha esperado tanto, que esperar já não era mais por alguém. Era só costume. Entendeu pela primeira vez meias palavras. Voltou a amarrar o sapato e saiu no mesmo pé que entrou. Não poderia ver novamente os olhos de sua pequena, sem estar contido neles. 
Vagou sem rumo. Fez-se rastro de pólvora. O amor também queima feio, ele pensou. E saiu mundo afora, desaforado pelo que o tempo havia feito deles dois. Ganharia chão, imaginou sozinho. Até o dia em que pudesse regressar. Se era o que a pequena queria, era o que a pequena teria. Voltaria dali 99 anos. E quem sabe o que poderia acontecer. Numa dessas nem era tanto tempo assim...
E ela terminou o livro, e Deus sabe quantos outros. Nunca entendeu, nem depois de tão letrada que ficou, como é que um pequeno daqueles sai e não volta mais. Não entendeu, assim como não entendeu porque mesmo assim, ela continuava a esperar passarem os seus anos de solidão, como havia dito Gabriel.

Complementação (des)necessária ao post anterior...

Vai lá Roberto!

Agora é a sua vez de dizer...

Esse cara sou eu

PAUSA para rir de mim mesma

Eu fui ao mercado. Coisa comum. Queria pão, queijo, presunto e alguma besteira. Tenho verdadeira adoração por besteiras. Tinha...
Na verdade não é um mercado. É um delicatessen. Aqui eles gostam de chamar as coisas por outros nomes. Uns bem delicados e outros bem "diferentes". Como aquela carne que se chama "CHUPA MOLHO" e que aqui em casa nos ameaçamos dizendo: Se não fizer tal coisa, vai comer chupa molho...
Então vamos voltar. Não era um mercado, mas sim um mini-mercado com nome mimoso. Entrei com a cestinha em mãos e sangue nos olhos. Estava com fome. Toca música no merca-delicatessen. As coisas custam caro no delicado delicatessen. Deve ser pq vem da França. Também, com esse nome, o status é outro.

Comprei tudo, e na hora de pegar o pão começou a tocar uma música que tem comigo uma certa história. Ignorei. Mas o delicado, uma mistura de delicatessen com mercado, insistiu em tocar. Disfarcei bem e fui para o caixa. Temendo que depois daquela música tocasse axé e fossemos obrigados a dançar para pagar a conta. Afinal estávamos na França.
Coloquei as coisas no balcão. Não, não há esteiras rolantes no delicado, elas ainda não foram inventadas na França. E o caixa estava de cabeça baixa. Um homem grande, eu diria até que era um supermercado dentro do mini-mercado chamado... Enfim. Quando terminei e coloquei a cesta no chão, ele pegou o primeiro produto, digitou o preço (sim, na França eles não usam código de barras) e me olhou profunda e profanamente dizendo: ESSE CARA SOU EU!
Quase gritei de susto e mania de perseguição. Que cara? Onde? Como? E dentro do delicatessen? Passou os outros produtos, mexendo sempre a boca como se cantasse sem som. Esse cara sou eu, essecarasoueu, essecara... Não se sabia se quem estava mais constrangida era eu, se eram as minhas compras ou a França. E quando terminou ele deu o dito final: ESSE CARA SOU EU (agora com ênfase), SÃO 10,64.
Dei 11. Coloquei eu mesma as coisas na sacola e engoli dizer para ele que NÃO! ESSE CARA NÃO É VOCÊ! AO MENOS NÃO PARA MIM!

Voltei para casa atarantada. Quantos caras serão eu?

Essa semana, meu vizinho passou uma manhã inteira gritando que esse cara era ele. Noutro dia os caras da obra disseram que os caras eram eles. E dizem que na televisão estão dizendo que o cara é ele. Mas para mim, eles continuam não sendo os caras. 
E por fim, sem mais para onde ir. E depois de descarregar minhas compras delicadas e minha fome nem tanto. Escrevi uma carta-documento. Ela trata primeiramente de explicar ao tal Senhor Roberto Carlos, o cara sou eu primordial, que ele é infinitamente amado e idolatrado aqui no nordeste. Elogiar profundamente o lugar que ele conquistou no coração das pessoas. E solicitar gentilmente para que da próxima vez que for compor ou quem sabe escolher composições alheias para sua discografia, que o faça com mais cautela. E que por obséquio, escolha aquelas que não repitam que alguém é ou deixa de ser, e que não sejam somente refrão! Caso contrário, declararei publicamente, QUE ESSE CARA SOU EU!! E não eles, como querem nos fazer crer!

quarta-feira, 14 de novembro de 2012

sobre a solidão nossa de cada dia

Não me sinto sozinha. Os meus pensamentos me acompanham em voz alta. Me dizem o que quero e não quero ouvir. E sou obrigada a ouvi-los, já que estão por todos os meus lugares. Dentro e fora deles. A solidão já faz parte, já está instalada e roda bem em mim. Fico horas e mais horas entretida com as minhas coisinhas, com botões ou letras. Fico horas olhando pela janela. Sou uma pessoa de horas. Gosto de fazer as coisas sem pressa, com gosto, com o desejo de realmente estar ali. 
E desde então ficar sozinha só me amedronta na hora de dormir. E se hoje mesmo, fosse necessário procurar um outro alguém, colocaria no anúncio assim: PROCURA-SE ALGUÉM PARA DORMIR. E nada mais. Alguém para aplacar a tristeza que a escuridão me dá. Alguém que ficasse transparente com a luz do sol. Alguém que não se importasse com isso de ser só de noite. 
Quando eu era menina, sentia muita solidão. Tenho três irmãos, mas na minha casa, mesmo sendo muito unidos, sempre fomos muito separados. Cada um tinha e ainda tem a sua visão distinta do mundo e das coisas. E mesmo dormindo no mesmo quarto durante anos, cultivei o meu medo do escuro. Em mim o escuro só ameniza quando tenho braço onde me segurar. O escuro me faz cair.
E pra fugir da constante solidão sem palavras que vivia, escrevia. Escrevia muito e tanto. Em papéis pequenos, em cadernos, no ar. Escrevi histórias que eu mesma lia. Escrevia poemas e cartas de amor que algum dia seriam para alguém. Escrevia sobre os outros, sobre mim mesma. Escrevia. E com o tempo fui descrevendo a solidão em palavras doces e amargas, grandes e pequenas. E tantas vezes que ela passou a ser um conhecida de longa data. Que chega em casa a hora que quer, sem avisar e depois vai embora sem dizer adeus. Estamos acostumadas, nos conhecemos. 
E então é assim. Só a escuridão me incomoda. De resto escrevo, descrevo, disseco e logo passo a conhecer melhor o que há e não há nada com que se incomodar.

segunda-feira, 12 de novembro de 2012

águas passadas

a patroa era exigente. fez questão de ficar mais de ano observando a moça, para só então levá-la para capital. a moça saiu saltitante. tamanha era a sua vontade de sair de lá. não importava se a dona morava na capital ou numa cidade um pouco menor, o importante era sair dali. uma terra desgraçada, onde todo dia era matar um leão, engolir dois ou três sapos e viver rodeado de cobras. isso sem contar a falta d'água, sempre ameaçando os moradores de morte.
cansou de andar dias atrás de uma gota barrenta. cansou de ter o corpo sujo e a alma seca. queria sair dali para qualquer outro lugar, em que tomar um copo d'água fosse normal. e seu dia chegou, na casa da dona que fazia tempos estava de olho nela. arrumou as poucas coisinhas, sempre sob a supervisão dos olhos que a levariam. despediu-se seca dos pais e irmãos. e saiu na contra-mão, corpo em frente, cabeça para trás. 
já no caminho começou a ver esverdear. teve impressão de que seus olhos é que eram verdes, já que tudo o que viam era daquela cor. sua favorita, por sinal. mas não, era a água, se espalhando e trazendo uma vida impossível de barrar. estava feliz. tinha sede guardada por muitos anos, iria matá-la com paciência e alegria. dia após dia. 
chegaram. desembarcaram. e ela não sabia se a vergonha seria maior de pisar naquela casa com seus sapatos surrados ou com os pés rachados. mas se fez de desfeita e entrou. olhando ao redor. olhando com medo de gastar. seguiram para a ala dos "como ela". como a outra fez questão de frisar.  recebeu uniforme e uma liberdade em forma de mandado. tomar um banho, tirar as cracas, ficar um bom tempo debaixo do chuveiro. 
chu-vei-ro. água caindo sobre a sua cabeça. um chuva que ela podia controlar com um simples girar de torneira. o corpo molhado, não do suor escasso de sempre. o cheiro do sabonete se dissolvendo. cada pequena boquinha do seu corpo saciando a sede acumulada nas dobras dos dias de secura. ficou o tempo que lhe pareceu uma eternidade. sim. agora ela sabia o que significava a eternidade. gastou um sabonete inteiro. usou somente a toalha de rosto para se secar. tudo aquilo era um novidade boa. daquelas que a gente demora a se acostumar por querer durar mais. 
e depois se apresentou. parecia outra. mais clara. mais alta. parecia até que a voz era melhor do que quando chegou. e então a lista dos afazeres. muitos afazeres. afazeres que durariam a vida toda. estava radiante. sua sina havia acabado. nunca mais. nunca mais, repetia por dentro. e partiu para as tarefas com a alegria de quem sobe aos céus num dia de sol. fazia que fazia. e quando terminava o que os outros achavam que não seria capaz de fazer num só dia, pedia mais serviço. e a única pouca e pequena exigência que fazia era que fossem tarefas da mesma ordem das que já havia feito. e lá ia ela. feliz da vida. 
e quando chegou ao final do primeiro mês  todos estavam minguados, sabendo o que ia acontecer. a lei da dona. as coisas que ela achava. o desconto do dormitório e da comida. o menos de meio salario minimo, a escravidão disfarçada. e ela recebeu o envelope murcho com a mesma alegria com que fazia as milhares de coisas do nascer até o pôr. não precisava de muito. estava onde queria e era feliz. sabia o valor de cada uma daquelas gotas. sabia o que os outros nem desconfiavam. sabia até que o tempo passasse. 
iria esquecer de tudo. iria se acostumar, como todos ali estavam acostumados. e então a felicidade de lavar duas ou três pias cheias de louça e abundantes de água. de se refrescar molhando o jardim ou lavando os inúmeros carros que apareciam por ali, seria pequena. aquela felicidade de outrora escorreria pelo ralo. para depois de alguns anos, deixá-la seca. como todos os outros já estavam. nada dura tanto, irá pensar. nem seca, nem molhada. nada dura.

domingo, 11 de novembro de 2012

sobre a capacidade de não saber

sobre não saber ao dormir
sobre acordar sem saber
sobre não saber mesmo perguntando

quando o fio da meada é perdido. e nem sempre é por nossos dedos que ele escapa. quanto você está? quanto dentro você realmente está? é preciso ter noção. é preciso ter noção de quanto se está em cada pessoa. em cada lugar. em cada gota de passo da vida. pra se perder é só um respiro. pra se perder é só. e então as perguntas não satisfazem mais. as respostas são muitas, você nunca saberá. e por não saber de nada se perderá entre tantas coisas boas, entre tantas coisas ruins. e não será melhor ou pior. somente não será. 
e então você está embricada no outro. e então você acha isso bonito. você nomeia isso de paixão e cultiva. você nomeia isso de amor, logo depois que cresce um pouco. e você traz pra casa. Você deita ao seu lado. e você come da sua comida. você se torna a sua bebida. e logo você não é mais. e quem sabe se voltará a ser. se será. esquecer é fácil. esquecer é o que há em termos de amor. esquece um coisinha aqui. outra coisinha ali. como se andava. como se falava. como se comia. como se fazia. como se vazia. já não sabe mais.
e preenche cada canto de um falso pertencimento. pois pertencer ao outro sem se pertencer. pois estar no outro sem se estar. pois no outro e não em você. se preocupa quando já é tarde para acordar. quem sabe dormir mais um dia, mais um. são tantos os dias, não é? são tantos... não há com que se preocupar. vai passar. passar de lá pra cá, de cá pra lá, como num jogo de ping-pong tedioso. 
e então os nossos problemas são tantos. e quando já não se sabe mais se os problemas nossos são seus ou se são meus, quem poderá resolvê-los. quem poderá? esperá-se voltar a uma normalidade que não existe mais. voltar a um lugar que se desfez por falta de uso. abraçar o vento e nele voar, sem poesia, sem nada pra sustentar. 
e a cada dia levanta mais cansada. com o corpo pobre e arqueado. e a cada dia inventa uma desculpa para não lembrar. para não lutar. pois há tempos que vem lutando contra um fantasma que se disfarça de sonho. e a tanto tempo já não sabe mais. e passa a não querer saber. por medo, preguiça ou sono. simplesmente por não saber onde começam seus ossos, sua pele, seu amor.

sobre não saber nem dormir
sobre não saber acordar
sobre não mais perguntar

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DAQUI PRA LÁ

DALI PRA CÁ

O MUNDO PRECISA GIRAR

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um achado.

Um blog achado ao acaso.

Como se o acaso realmente existisse.

Um blog simples.

Pra falar e pra ouvir.



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Nana Rodrigues

quarta-feira, 31 de outubro de 2012

ex-bigo.

E o problema do homem é ter umbigo.


Desde que começaram a fazer pessoas com umbigo, eis que elas se basearam nisso para viver, e nada mais interessa.
Até sabem que o outro está ali, por perto, mas os seus umbigos dominadores prevalecem, impedindo que consigam ter a real noção de que o mundo não lhes pertence.
E então o caos se torna palavra de ordem. Se pisa. Se passa por cima. Se magoa. Se enlouquece. Se esquece.
E o esquecimento é o que há de pior em termos de relação humana. Pois quando se esquece, para o bem e para o mal, não há mais nada que possa ser feito a respeito. 
Hoje eu te faço algo de bom. Amanhã você esquece. Amanhã eu te faço algo de ruim. Depois de amanhã você esquece. Uma vida de esquecimentos. 
Não há como construir uma relação com base no esquecimento. É algo que só se fixa na ficção. Na vida real, essa que estamos acostumados a viver, não há como ser assim.
E então se fala do outro como se só ele fosse culpado. Então se julga o outro como se quem julga fosse um papel em branco, como se nada, nem de bom, nem de ruim, tivesse sido feito antes.
Pois esquecer é mais fácil do que se colocar no lugar do outro. Pois esquecer é mais fácil do que tentar resolver. Já que se você esquece lhe parece que não aconteceu. E então o outro vira alvo fácil. Vira o sempre judas para malhar.
O problema é ter umbigo e nele se basear para viver. O problema é não ver o outro. O problema é a nossa cegueira egocêntrica, sempre colocando no outro a culpa, a raiva, a inverdade de nossos fracassos.
Nunca estará no outro, se não em nós. Nem o dano. Nem o bônus. Nem a dor. Nem a alegria. Nem nós. Nunca estará no outro. Por mais paradigmático que pareça. Sempre estará em nós. Mas não em nossos umbigos.
E portanto, voto para que arranquemos nossos umbigos e que seja feita uma fogueira em praça pública. E não voltemos a falar sobre o outro não existir. Sobre magoar e fazer doer, por conta de um breve e pequena cicatriz. Ex-bigos para viver em paz.

quarta-feira, 24 de outubro de 2012

Não o amor. O amor.

Se for amor você não saberá.
Ele é da ordem do inominável.
E o preenchimento será, então, desesperador.
A agonia de ser completamente tomado pelo que você desconhece, ainda que lhe reconheça a face. Será sugado pelo escuro acolhedor, sem bordas, sem contornos. 
E verá a luz contida na escuridão. 
Você não saberá e sentir vai torna-lo ainda menos. 
Os tremores nascerão e morrerão no centro. 
E a solidão se tornara uma espera ensurdecedora. 
Quando se tratar deste amor que vos falo, e que todos desconhecem, a loucura suave de algum amanhã será a única salvação. 
Não saberão onde estão, mas saberão o que significa pertencer a um nada agora desejado.
Sim.
Vocês poderão se reconhecer.
De tempos em tempos.

quinta-feira, 4 de outubro de 2012

O amor que samba. (Para João Pedro)

Eu chego e ele já me espera na porta. Como quem espera faz tempo. Como quem sempre te esperou. Ele tem um sorriso que torna as bochechas bem erguidas, ele tem todos os dentes expostos. Ele destoa de tudo o que há no mundo. Tudo que não é ele passa a ser demais.
Eu abro os braços já sabendo que o abraço estava guardado fazia tempo. Ele não sabe o que faz. E eu não sei o que fazer com ele que não sabe o que faz para me agradar. Para dizer que é feliz pelo simples fato de eu estar ali, tão perto dele.
Coloca uma música nova que descobriu e dança.Percebe que eu não acompanho os seus passos tanto quanto ele gostaria. Desliga. Quer mostrar tudo.Recuperar o tempo perdido. E vai além. Reconstrói nosso mundo do momento em que eu sai e ele ficou. Inicia nosso jogo de onde paramos, com as mesmas peças, com a mesma alegria de jogar.
Estamos felizes. E felicidade aqui é outra coisa. É pequena. É pouca. Mas nos satisfaz. Nos torna tão humanos quanto se pode ser, naquele exato momento em que estamos. No presente. Em que não há passado possível e nem futuro provável.
E então tudo está certo. A lição foi feita. Ele me ensina alguma coisa que eu ainda não sei. E extrai de mim algum ensinamento maior do que suponho poder dar. Me coloca a par de tudo. De quem ele se tornou desde que o deixei. Voltamos a ser quem sempre fomos um para o outro, vento na cara, amor pequeno, olho no olho sem piscar, quem ri primeiro.
E por fim ele coloca samba. Ele já sabe do samba. Mesmo que eu tenha estado longe. Mesmo que eu não tenha dito nada. Mesmo que ele não saiba sambar bem bamba. Ele sabe escolher o Cd, sabe ligar o som. Sabe tocar dentro do coração. 
E passa as mãos pequenas no meu cabelo, que faz meus pensamentos e problemas tão pequenos diante daquelas mãozinhas. E implica com o tempo que demora pra ver um email. Ele implica. O tempo agora quer ser só seu.
Ele tem um amor que samba. Miúdo, bonito, feliz, mimoso. Ele sabe bem mais do que imaginamos. Não nos fala nada disso. Não quer nos assustar. Não quer que nos sintamos menores diante da nossa impotência. Estamos vivos. Temos o que precisamos, que nem é tanto quanto imaginamos. Somos felizes.

sexta-feira, 28 de setembro de 2012

E se não der mais?

Como é que a gente faz? 
Levanta, sacode a poeira e dá a volta por cima?
Por cima de quem? 
De mim ou de você?
Quando já não há mais saída.
O melhor é ficar onde está ou escavar as paredes?
Quando não se sabe o que quer.
É preciso querer o querer.

As vidas se encostam.
As vidas se separam.
As vidas seguem.
As vidas voltam.
Nós somos a vida.
Sua vida pertence a você?
Ou é apenas um joguete de vontades alheias?

Como é que a gente faz?
Quando não somos mais capazes de perceber.
A diferença de ser ou não ser.
Levanta e segue em frente?
Segue em frente que atrás vem gente?
E o medo de ser pisoteado é a perdição.
É preciso querer, ou então...

quinta-feira, 27 de setembro de 2012

FILHO DE DEUS

Estava na sala do médico. Meio com medo. Meio com curiosidade. Nunca tinha ido. E a mãe orientava de todo jeito. O que fazer, de que jeito fazer, o que falar, de que jeito falar. O tom da voz, a postura do corpo. Tudo baseado numa máxima. Somos filhos de Deus e temos que nos comportar como tais.
E então que o médico era renomado. E então que o consultório, desde de cedo, era lotado de gente a espera de uma consulta, de um encaixe, de um favor, de uma palavra com o Doutor. E eles ali, misturados naquela maçaroca.
E chamavam um. E chamava outro. E nada de chamarem pelo nome dele. Já estava ficando impaciente. E achava engraçado, em sua cabecinha pequena, um paciente impaciente. Mas era educado, incapaz de contrariar a ordem das coisas.
Mas o tempo foi passando. E com ela aumentando as coisas pequenas. O que era impaciência virou implicância. O que era fominha, virou fome voraz, o que era medo virou pânico e assim por diante. Começou a deixar de lado a boa educação para dar lugar a verdadeira sinceridade.
A mãe não sabia mais o que fazer. Não podia abandonar a chance de ser bem atendida no renomado consultório, mas já não suportava mais olhar para a cara do menino, que a essa altura fazia e desfazia, mandava e desmandava pela sala de espera-longa-espera.
O pandemônio estava instaurado. As secretárias destratadas, os pacientes se digladiando, as revistas desorganizadas, um verdadeiro caos. E o Doutor lá dentro, alheio a tudo isso, realizando calmamente as suas consultas.
No auge da balburdia, chega um homem que parecia impecável, porém arrogante. Aquela impecabilidade que deixa o ar pesado de tanto que é. Conversa diretamente com a secretária, sem fazer muito alarde. Segue para um canto e mesmo tendo um espaço vago em uma das cadeiras, não se senta.
Em seguida a porta do Doutor se abre, sai o paciente que lá estava, com uma cara de nem mais nem menos amigos.Neutro. E o Doutor quase não é visto. Ele não passa de uma mão que sai de trás da porta e volta com o fechamento dela.
Não tarda nem dois segundos e a secretária entra, com papéis na mão. E ao sair da sala de consultas deixa a porta entreaberta. Uma voz sai feroz lá de dentro. Mas não um feroz que mata e fere. Um feroz que domina e faz querer cumprir a ordem dada. É o Doutor. Ele diz João Jesus de Deus Filho. E para a surpresa de todos que ali esperavam pacientemente, entra o homem impecável que havia chegado não fazia nem minuto.
Se indignaram por dois ou três segundos com o Doutor, mas logo voltaram-se uns contra os outros. Não contra o Doutor, ele não. Estavam ávidos por suas boas consultas. Indignaram-se contra a secretária, coitada, encolhida num canto. E quando já não havia mais para onde ir, e menos ainda o que fazer. Eis que surge uma voz quase retumbante, mas ainda imatura para tanto. 
- Somos todos filhos de Deus! Gritou o menino sobre a sua cadeira.
E o que se viu depois, foi guerra, nem quente, nem fria. Uma guerra morna entre todos contra todos.

quarta-feira, 19 de setembro de 2012

A mentira é verdade.

Mente que não está calor demais. Que vai suportar.

Mente que não sente o mundo desabar. Consegue Aguentar.

Mente por horas. Por prazer. Por loucura. Por nada mais.

Mente para que a vida seja algo menos impossível.

Que a dor é pouca. Que não está meio louca. Que sabe o que está fazendo. Aonde está indo. O que está acontecendo. Que já comeu. Que esqueceu. Que vai ficar bem. Que quer também. Que não é tudo igual. Que se sente especial. Que escovou os dentes. Que ainda tem dinheiro. Que tem sossego. Que não tem medo. Que guarda segredo. Que vai melhorar. Que vai acabar. Que chegou a hora. Que nunca vai embora. Que sabe que sim. Que sabe que não. Que ama. Que sonha. Que realiza. Que pensa. Que sente. Que sente muito. Que conhece o discurso. Que entende o percurso. Que não gosta do outro. Que já quer dormir. Que já quer acordar. Que está satisfeita. Que se respeita. Que sabe da cerca. Que a vida é perfeita. Que é como dá para ser.

Mente que está acordada.

Mente não ver a estrada.

Mente. Pois na verdade. Nem sabe mentir.

sábado, 15 de setembro de 2012

quinta-feira, 16 de agosto de 2012

PARA PINTAR FORA DO QUADRADO.

AINDA é preciso que exista um quadrado. Ao menos para mim. Admiro que consegue pintar fora de figura qualquer, sem que a figura seja necessária. Mas para mim e meu lado cartesiano, o desenho ainda é presença importante. Eu sempre vou e volto. Eu sempre estou aqui e lá. E cada vez que eu vou eu penso. E cada vez que eu volto eu repenso. E desta vez tive uma visão espetacular. 
RECLAMAMOS muito de tudo. Nós brasileiros. Aqui em Curitiba não é diferente. Somos retos. Duros. Queremos o preto no branco e o branco no preto. E as coisas tem que ser assim. Talvez em poucos outros lugares as coisas sejam tão "senda reta" como aqui. Lixo que não é lixo, não vai para o lixo. SE-PA-RE! Esquerdo é esquerdo e direito do outro lado. 
ENTÃO é ai que surge a vontade de transgredir. De fazer diferente, de colorir o cinza, de pintar fora do quadrado. Entende? Na minha mente ficou claro de onde vem essa vontade de fazer diferente e fazer a diferença. De tanto ver tudo certo demais. De tanto ver as aparas muito aparadas. E então isso me instiga em ter um movimento contrário.
LOGO me vejo em Salvador. Uma cidade colorida. Em que é preto no branco, azul, amarelo. Em que lixo é lixo e depois a gente vê o que faz. E lá fico eu. No meio do caminho contrário. Tentando ordenar logicamente as coisas. Querendo colocar tudo no mesmo quadrado. 
FAÇO então de mim a mais curitibana de todas. Sou lá, muito mais curitibana do que sou aqui. Quero dar ordens que não são ouvidas. Quero reproduzir lá o que os outros fazem aqui e que sempre reclamei. Quero ficar o tempo todo puxando a vina para o meu lado.
PERCEBO  então que numa cidade que já tem todas as transgressões possíveis e imagináveis, minha vontade primeira é a de ficar dentro das linhas. É ordenas, ordenar, ordenar...
CADA coisa tem a sua hora. Cada coisa tem o seu lugar. E perceber os quadrados que aqui pinto do lado de fora e os quadrados que eu quero desenhar por lá, me fez ver o que é o que. E já diria meu pai: Uma coisa é uma coisa, outra coisa é outra coisa. 
FICA a lição e a dica. Cada um sabe o que precisa na vida, ou em um determinado momento da sua vida. As vezes é preciso extravasar os limites do desenho e pintar fora da linha para poder sobreviver. E perceber que o desenho é seu e não há motivo para impor os seus desenhos para quem já sabe pintar, alivia a alma e faz voltar a respirar... 

domingo, 12 de agosto de 2012

DIREITO de sentir DIREITO

PELO direito que eu tenho de sentir o que sinto e isso ser suficiente. já que ninguém está dentro do meu coração e do meu pensamento para saber o que sinto e mensurar se é isto mesmo ou se é de outro jeito. tenho a capacidade de sentir as coisas que me rodeiam e por fim tirar minhas próprias conclusões a respeito do que sinto. e não há nada no mundo mais sagrado do que ser dona dos próprios sentimentos e sentidos.
SE eu digo que gosto, acreditem em mim. se amanhã não gostar mais, posso voltar ao ponto inicial a qualquer tempo. mas no momento em que sinto isso ou aquilo, devem todos, ter respeito pelo meu sentimento. tendo em vista que cada um tem suas vivências e sente as coisas do seu jeito.
AS massificações não prestam e disso todos, de um jeito ou de outro, já falaram um pouco. mas pior do que isso é o defeito de achar que sabe o que o outro tem por dentro. se eu digo que meu dente dói, não me desacreditem, o dente está em mim e eu é que sei o que suporto e em que momento. não importa se alguém realmente está com uma coisa ou outra, o que importa é o que está sentindo. e isso não tem como negar, mas também não tem como provar. então está feito.
EU não quero que você seja como eu, ou que goste de tudo o que eu gosto. só quero que seja complacente, descente e transigente em relação aos meus sentimentos. quero ter o direito de sentir direito as coisas de dentro. sem que você, ou qualquer um que seja, desconfie da minha fome, dor ou pensamento.
POIS enlouquece e entristece qualquer cidadão sentir de um jeito e ser levado a pensar que está errado. que tem que gostar, que tem que achar, que tem que ser o que acham os outros. pois assim se perde a individualidade tão imprescindível para o bom funcionamento da humanidade.
SE eu digo que não, me deem um tempo para ver se meu não é eterno ou somente passageiro. tenho meu tempo interno que não pode ser baseado no tempo do tempo. Na maioria das vezes, eu me respeito, e também te respeito, então não exijo menos que o mesmo.
E tenho o dito. cada ser humano sente as coisas do seu jeito e por mais impossível que seja, devemos tentar, ainda que a contra gosto, não querer sentir o que ele sente, pois isso é viagem das mais inóspitas, mas respeitar o seu sentimento. e se amanhã ele voltar atrás no que disse, que seja louvado por ter tido tempo de voltar e rever o que foi dito. e não desmerecido e achincalhado por aqueles que não erram e por isso mesmo, nada sentem!

quinta-feira, 26 de julho de 2012

NÃO É NECESSÁRIO MAIS DO QUE PALAVRAS.

"Eu era um jovem, passando fome, bebendo e tentando ser escritor. Fazia a maior parte das minhas leituras na Biblioteca Pública de Los Angeles, no centro da cidade, e nada do que eu lia tinha a ver comigo ou com as ruas ou com as pessoas que me cercavam. Parecia que todo mundo estava fazendo jogos de palavras, que aqueles que não diziam quase nada eram considerados excelentes escritores. O que escreviam era uma mistura de sutileza, técnica e forma, e era lido, ensinado, ingerido e passado adiante.
Era uma tramóia confortável, uma Cultura-de-Palavra muito elegante e cuidadosa. Era preciso voltar aos escritores russos pré-Revolução para se encontrar alguma aventura, alguma paixão. Havia exceções, mas estas exceções eram tão poucas que a leitura delas era feita rapidamente, e
você ficava a olhar para fileiras e fileiras de livros extremamente chatos com séculos para se recorrer, com todas as suas vantagens, os modernos não chegavam a ser muito bons.
Eu tirava livro após livro das estantes. Por que ninguém dizia algo? Por que ninguém gritava?
Tentei outras salas na biblioteca. A seção de religião era apenas um vasto pantanal... para mim. Entrei na de filosofia. Encontrei alguns alemães amargos que me animaram por algum tempo, depois passou. Tentei matemática, mas a alta matemática era exatamente como a religião: me escapava. O que eu precisava parecia estar ausente por toda a parte.
Tentei geologia e a achei curiosa mas, no fim, não sustentável.
Encontrei alguns livros sobre cirurgia e gostei deles: as palavras eram novas e as ilustrações maravilhosas. Apreciei e memorizei particularmente a operação do cólon.
Então larguei a cirurgia e voltei à grande sala dos escritores de romances e de contos (quando havia suficiente vinho barato para beber eu nunca ia à biblioteca).
Uma biblioteca era um bom lugar para se estar quando você não tinha nada para comer ou beber e a senhoria estava à procura de você e do aluguel atrasado. Na biblioteca, pelo menos, você podia usar os toaletes.
Eu via um bom número de outros vagabundos ali, a maioria dormindo sobre os livros.
Eu continuava dando voltas na grande sala, tirando livros das estantes, lendo algumas linhas, algumas páginas, e depois os colocando de volta.
Então, um dia, puxei um livro e o abri, e lá estava. Fiquei parado de pé por um momento, lendo. Como um homem que encontrara ouro no lixão da cidade, levei o livro para uma mesa. As linhas rolavam facilmente através da página, havia um fluxo. Cada linha tinha sua própria energia e era seguida por outra como ela. A própria substância de cada linha dava uma forma à página, uma sensação de algo entalhado ali. E aqui, finalmente, estava um homem que não tinha medo da emoção. O humor e a dor entrelaçados a uma soberba simplicidade. O começo daquele livro foi um milagre arrebatador e enorme para mim.
Eu tinha um cartão da biblioteca. Tomei o livro emprestado, levei-o ao meu quarto, subi à minha cama e o li, e sabia, muito antes de terminar, que aqui estava um homem que havia desenvolvido uma maneira peculiar de escrever. O livro era Pergunte ao pó e o autor era John Fante. Ele se tornaria uma influência no meu modo de escrever para a vida toda.
Terminei Pergunte ao pó e procurei outros livros de Fante na biblioteca. Encontrei dois: Dago Red e Espere a primavera, Bandini. Eram da mesma ordem, escritos das entranhas e do coração.
Sim, Fante causou um importante efeito sobre mim. Não muito depois de ler esses livros, comecei a viver com uma mulher.
Era uma bêbada pior do que eu e tínhamos discussões violentas, e freqüentemente eu berrava para ela: "Não me chame de filho da puta! Eu sou Bandini, Arturo Bandini!" Fante foi meu deus e eu sabia que os deuses deviam ser deixados em paz, a gente não batia nas suas portas. No entanto, eu gostava de adivinhar onde ele teria morado em Angel's Flight e achava possível que ainda morasse lá. Quase todo dia eu passava por lá e pensava: é esta a janela pela qual Camilla se arrastou? E é aquela a porta do hotel? É aquele o saguão? Nunca fiquei sabendo.
Trinta e nove anos depois, reli Pergunte ao pó. Vale dizer, eu o reli neste ano e ele ainda está de pé, como as outras obras de Fante, mas esta é a minha favorita, porque foi minha primeira descoberta da mágica. Existem outros livros além de Dago Red e Espere a primavera, Bandini. São Full of Life e The Brotherhood of the Grape.
E, neste momento, Fante tem um romance em andamento, Sonhos de Bunker Hill.
Por meio de outras circunstâncias, finalmente conheci o autor este ano. Existe muito mais na história de John Fante. É uma história de uma terrível sorte e de um terrível destino e de uma rara coragem natural. Algum dia será contada, mas acho que ele não quer que eu a conte aqui. Mas deixem-me dizer que o jeito de suas palavras e o jeito do seu jeito são o mesmo: forte, bom e caloroso.
E basta. Agora este livro é seu."

Charles Bukowski - PREFÁCIO DE "PERGUNTE AO PÓ" - JOHN FANTE
5-6-1979

segunda-feira, 16 de julho de 2012

Solidão do amor

Só apaixonada eu sei viver.
Quando eu ando.
Quando eu como.
Quando estou vendo TV.
Nada sou.
Nada faço.
Não estou.
Mas apaixonada flutuo por entre mundos que fazem tanto sentido.
Sentindo que viva estou.
É só apaixonada que sei quem eu sou.
Mesmo que depois venha a solidão do amor.
Mesmo que não venha nada depois.

segunda-feira, 25 de junho de 2012

ANTI-matéria

anti.
Com o peso que deram a esta palavra. Já que quando se pensa em antibiótico, todos sorriem aliviados, mas quando se é anti-natural por exemplo, o que se recebe em troca é a dificuldade dos outros em aceitar que anti é antes de mais nada o lado contrário e nada mais. 
anti.
Com o mundo todo ao revés. Querendo uniformizar as coisas como acham que elas devem ser uniformizadas. Camisas listradas. Calças lisas. Corpos cheios e cabeças vazias. Um lugar para chamar de seu, que só reflete o que todo mundo quer. Mas esse "todo mundo quer" não passa de uma falsidade, de mais uma uniformização, uma não-necessidade, um processo em que todos somos um da maneira mais cruel, mais banal.
anti.
E nos colocam debaixo da língua, um sonho americanobrasileiroeuropeu pra sonhar. E esquecem que sonho é feito de vento. Não dá pra ser igual. Não dá pra ser de todo mundo, mesmo sendo do mundo todo. Pois se der já não é mais.
anti.
Não basta não aceitar. É necessário, preciso, urgente persuadir o contrário. Se você quer assim eles tentam te dizer que deve querer assado, querer porque todo mundo quer. Fazer porque todo mundo faz. Ser porque todo mundo é.
anti.
E ser mulher e não querer se casar. Não querer um homem. Não querer procriar. Tudo isso é anti-natural. Anti-humano. Anti-real. E então não basta não concordar. Tem que descordar agredindo, e só agredir ainda não é o bastante, tem que convencer a não querer mais, a ser igual.
anti.
Abraçar projetos burros de igualdade. De ser como todos são. Uma massa uniforme, que não se descola nunca, que não destoa, que não deforma, que não se desfaz. E então comeremos uns aos outros para ter dentro de nós o que os outros tem e perpetuar o grande ridículo de querer sempre ser igual.
anti.
Ser homem e não querer trabalhar fora. Querer criar seus filhos, limpar a casa, ou qualquer um desses esteriótipos ao contrário. Não! Não dá pra fazer outra coisa, que numa dessas nem é tão diferente assim. Eles não querem. Eles não acham bom. Eles difundem conceitos de como as coisas devem ser. E cada vez que somos o que achamos que os outros acham que devemos ser, somos esse "eles" também.
anti.
É necessário individualizar. Sem achar que individualização é o bobo "cada um por si", que eles acham que é. Ser a cada momento o que percebe ser necessário. Sem defesas. Sem mentiras. Sem precisar se encaixar debaixo das asas da maioria besta que quer apagar, dissolver, diluir, corroer. Ser, sem medo de em seguida não ser mais. Sem medo de ir ou voltar. Simplesmente por instinto, vontade ou experimentação.
anti.
Nem toda massa é profícua. Existem aquelas, fruto da massificação, que são agentes de desgraça, agentes de divórcio do ser individual, sem o qual não há necessidade de sociedade, humanidade. Sem o qual não se faz necessário mais nada. E quem sabe então um mundo melhor.

Antidoto.
Antidoto.
Antidoto.
Antidoto.
Antídoto.





segunda-feira, 21 de maio de 2012

ENSAIO SOBRE O INCRÍVEL



Os seus olhos não vão conseguir tocar. Não conseguirão conjugar a força desta sensação. Vão querer sorrir e chorar. Vão querer fazer coisas que não sabem ao certo o que são. Vão querer e poder. Vão poder e querer. Vão e voltarão cheios de águas deslumbrantes e brilhosas. Não serão falsos, não serão obscuros. Serão como deveriam ser desde o dia em que nasceram. Você estará num lugar que toca o incrível. Um lugar que faz parte, que cria, que faz nascer o incrível. Um incrível possível. Totalmente palpável. Visível.

O seu corpo vai querer falar palavras que ainda desconhece. Ira se pronunciar o tempo todo, com movimentos pulsantes que vem de um lugar que você julgava não existir. Seus pés andarão por caminhos gentilmente desconhecidos, sem precisar olhar. Sem precisar tropeçar em pedras. Sem precisar ser precisos ou compassados. O compasso se transformará em algo contínuo.

E sua mente se derreterá em delícias e desejos de forte ampliação. E escorrerá pelo lado de fora do seu corpo sem a vergonha de ser vista. Fará vista a uma humanidade que deveria existir faz tempo. Sua mente ficará se remoldando, se reacostumando, se customizando com visões de uma grande simplicidade.

Será e é como um começo antes do próprio começo. Antes de tudo existir, mas quando já existe. E se sentirá em casa em terra estrangeira. E as palavras flutuarão por entre seus dedos, fazendo cócegas e provocando arrepios de louvor. Será como estar em casa pela primeira vez depois de tempos ocultos. Como abrir a porta de um sonho e entrar. Como esticar o braço para alcançar a si próprio e poder sentir sua pele macia pelas pontas dos poros bem abertos.

E na boca sentirá o gosto de todos os gostos. Se plantando no céu que há em ti. Sentirá que há gosto em tudo o que há. O ar que entrar pelos seus pulmões fará com que seus órgãos internos flutuem. O ar que entrar pela sua garganta fará com que seus pés fiquem plantados, desde a planta até os dedos. E sua cabeça será como o mundo, grande, enorme, gigante, não terá peso, somente uma memória repleta de fotografia digitais tiradas por olhos ávidos por coisas comuns.

As encontrará. Coisas comuns espalhadas pelas quadras. Pelos imóveis de número ímpar, pelos pares que andam pelas ruas. Será bom. Como dormir e sonhar e acordar sonhando e decidir a hora de terminar de sonhar e preferir não terminar. E tocar tudo com as pontas dos dedos dos olhos nus. Tocar tudo com a ponta da língua em riste na frente do corpo reto que caminha sem precisar saber.

Será um presente incrível, permeado por passados futurísticos, se misturando ao que é vivido naquele momento. Serão dias reais em pensamentos oníricos. Será assim quando habitar o lugar da tua pele.


Será assim em Montevideo. 

segunda-feira, 30 de abril de 2012

dança.

Alguém para dançar. 
                        Dançar uma música. 
Música qualquer. 
                        Que faz os corpos se embriagarem. 
Dançarem sozinhos.
                        Ainda que acompanhados. 
Que faz corpos se amarem. 
                        Sem depois. 
Que faz dois corpos aparecerem.
                        Um para o outro. 
Como se estivessem nús.

VOU ME ARREPENDER POR TE MATAR OU POR NÃO TE MATAR?

E SE TE dissesse que sou frágil como uma pedra? Teria a tua vida capacidade para entender a dureza que sinto? Conseguiria seguir além das escarpas dos aborrecimentos diários criados por pensamentos que repetem o que se repetiu há algum tempo e ultrapassar a linha fria do que você é para compreender o que sem palavras te digo? Palavras outras baseadas em sangue, afetos, dores, saliva boca a dentro. Palavras ainda desconhecidas pelas paredes do teu corpo. E seus pés? Seriam eles capazes de perceber a dor de quando me pisam? Seriam capazes de ir além de sua pequena completude e me virar do avesso com a carícia de quem deseja saber o que há por dentro? Ou continuamos desejando sentar em cadeiras de vento e pisar pedras que nada sentem? A sensibilidade está tanto na superfície quanto no tegumento, tanto na carne quanto no oco e não há nada mais impressionante do que ver um dor latejar ao seu lado e ser imune ao latido do cão sempre alerta. Já que não somos feitos apenas de vento, mas de humores que se completam e se comprimem e se dissolvem. Mas como matriz disso tudo palavras desconhecidas que se conjugam como se não mais pudessem suportar o fato de serem feitas de pedra. O que há tempos já não são.
Até quando.