segunda-feira, 26 de setembro de 2011

sob o amor

com os olhos dentro do seu eixo e um vento que perpassa por dentro e arrepia a pele na presença de uma imagem que se tornou a sua face em meu bolso que dói de saber coisas que nunca pude suportar e as palavras se tornam acessórios em nosso repertório de ilusões que criamos sob encomenda um para o outro e deixamos de nos falar por dias e nunca mais conseguimos retomar o percurso que nos levaram a fazer aqueles sentimentos expostos na sala como quadros imóveis de dor e pudor e as faces já vermelhas de tapas e vergonha de ser pulsante o amor que vive ali e uma recriminação pairando sobre o desejo de ser mais forte do que o desejo de ser com as mãos e pés dentro do corpo do outro que se mexe sem desmanchar os castelos de sangue que conseguimos fazer com pás e colherinhas de afeto e a água que pinga de nossos lábios selados em beijos de dor como se pudessemos voltar e fazer novamente as escolhas que fizeram por nós como as cores de um céu mudando o mundo que nos circunda e passamos a arranhar os corpos mortos que nos jogam sobre os ombros e cochichamos em nossos ouvidos gemidos de alegria e solidão eu vou olhar nos seus olhos e vou sentir meus poros pularem num precipício de palavras macias onde sonho morar

sexta-feira, 19 de agosto de 2011

de quando a esperança passou a ser lâmpada

pois decidiu que assim seria, seria assim que a esperança seria. como uma lâmpada fria que nem sequer ilumina uma pequena sala escura, onde deveria residir tudo o que há. tudo o que pode haver caberia naquela pequena sala escura. que sempre foi escura, mas que de uns tempos pra cá passou a ser seca e fria. e tomou muitas outras diversas decisões, tão frias quanto, tão escuras como e das quais pouco se arrependeria, já que aprendeu a se arrepender bem pouco, desde de que se tornou pequena, seca e fria. decidiu não fechar mais os olhos, não dar passos uns na frente dos outros, decidiu seguir em frente como podia. já que como podia era o conseguia. decidiu ser só pele e osso. não ter mais sono, medo, frio na barriga ou dúvida. decidiu pautar a vida por pautas que não seriam as de música e sim as de reuniões de negócios. percebeu que sofrer por amor havia saído pela porta daquela sala e não havia mais voltado. que não voltaria. perdeu naquela escuridão a fé, piedade, dor, saudade, toque e preferiu não perder a esperança só para poder vê-la transformada em uma lâmpada fria, instalada numa gambiarra no canto da sala, um cantinho pequeno de uma sala pequena e que tornou tudo frio, seco e desgastado, num tom sephia feio, de um ar estagnado que sequer consegue entrar e sair dos pulmões. e já sabia que não conseguiria mais deitar de costas e chorar. tinha aberto mão disto também. e o coração já não passava de um pedaço de carne mal passada, num eco de pele e ossos a se deslocar por um espaço apertado e em um tempo inexistente. escolheu a sem-gracisse. o desfocar. uma reta que terminava no infinito, sem curvas, sem paradas, sem. e tudo não passava de um borrão do que desejou um dia ter. um borrão não de um bom desenho, mas de um rabisco provisório sem cores que pudessem terminar num borrão vermelho ou magenta. apenas uma mancha tão escura quando o recinto que vivia de uns tempos pra cá. apenas um borrado de tons sem propósito esperando  o dia da lâmpada queimar. 

quarta-feira, 10 de agosto de 2011

minha pequenina marchinha interna

vamos falar de amor? de tratar o outro como queremos ser tratados e que nunca será como sentimos que queremos, pois o que é que é pra mim que não é o que é pra você. mas sempre dá pra aproximar as pontas sem derrubar o que há no meio, sempre há como fazer uma dobradura bem bonita, com o papel do afeto, com o papel do respeito. e de vez em quando paramos de pensar só em nós mesmo e passamos a dar uma olhadela no outro e perceber que numa dessas esse outro também é nosso e esse nosso não é no sentido de nosso, mas no sentido de nosso. entende? e quando percebemos por uns instantes bem pequenos, podemos tornar certas coisas bem grandes, certas coisas do tipo coração, do tipo amor, do tipo respeito. podemos fazer o que nos vem a cabeça, nem que seja só por uma noite, só por uma noite. e depois no dia seguinte seguimos com a nossa vida, mas ela não segue mais sozinha, segue pelos passos da contaminação que se dá quando algo muito bom ou algo muito ruim acontece. e talvez certas vezes dependa de nós o "muito ruim" ou o "muito bom". talvez muitas coisas dependam de nós. o "nosso" talvez dependa do nós. mas mesmo que não sejamos capazes de amar assim todas as horas, os minutos, os segundos, ainda que na maioria do tempo sejamos nós manipulando o nosso para que vire um outro tipo de nosso. mesmo assim, naquele segundinho ali, em que percebemos a presença do outro. neste momento somos capazes de fazer o que fomos feitos para fazer. somos capazes de respingar em nossos corpos uma espécie de tinta fluorescente, que não dá pra ver sempre, mas hora ou outra vai brilhar. e quem sabe, com tanta gente pelo mundo, num segundinho aqui, num outro ali, o tempo passe melhor do que tem passado neste passado que vivemos agora!

segunda-feira, 8 de agosto de 2011

de como cresce o amor

era carente. de toque, de atenção, de afeto, de carinho, de amor. amor próprio, amor privado e amor público. sentia na pele a falta de tudo o que se relacionava aos sentimentos.  carente como se carência fosse uma moléstia que se pega ainda na infância e para qual o governo não disponibiliza vacina. sentia que não podia mais. e de tanto que observava e pensava, de tanto que via e lia, um dia sem querer achou o querer onde menos pensava. estava ali, por módicos seis reais. seis reais que separavam o ser do sentir. estava ali. entrou meio envergonhado. nunca havia imaginado pagar para ter os carinhos de outro alguém. nunca havia imaginado uma porção de coisas. seis reais. uma nota de cinco e uma moeda de um, três notas de dois, uma de dez que volta quatro. um mais um que gera dois. dois que gera afeto. afeto que se compra por apenas seis reais. entrou. a moça da recepção perguntou se tinha preferência. avermelhou. baixou os olhos num menear de cabeça. ela lhe disse para esperar no banco. lhe deu um papelzinho que tinha um número. o número do amor. alheio. foi chamado minutos depois. sentiu o bambear das pernas tropeçantes. sentiu os pés com vontade própria. mas foi. afeto. sentou meio de lado. desconfortável como todos os que amam. ela lhe perguntou como queria. ele respondeu "o de sempre" de um sempre que nunca havia existido. sentiu o toque deslizar pela nuca. sentiu o eriçar dos cabelos, barba e bigode. ela tinha as mãos leves e sabia bem o seu oficio. afeto. por seis reais. ele não viu a hora passar. o amor não tem hora. não passa. se despediu. leve. foi até o balcão da recepção e pagou. 
e voltou. como voltou. a cada dois dias entrava no recinto. um dia pedia uma coisa, no outro outra e assim seguia sem que ninguém lhe incomodasse. é claro que desconfiavam daquele homem ali, de dois em dois dias. é claro que não entendiam como nunca se satisfazia, como poderia querer sempre mais do mesmo. mas não era o mesmo. eram seis reais. era afeto. a maioria desconfiava de uma solidão latente que o fazia bater ponto por ali. mas ele sabia que era muito mais. sabia que por dentro era carcomido de amor. e que pouco a pouco, a cada seis reais empregados, era preenchido de afeto.
e passou muito tempo achando um detalhe pra melhorar aqui, outro pra arrumar ali. e sempre tinha o dinheirinho separado, trocado. trocava seis reais por amor. e como lhe remoçava. saia de lá com um aspecto limpo, novo, jovial. não lhe importava quantas pessoas passavam por ali, todos os dias. não se importava com quantos outros ela fazia. gostava de quando era com ele. de quando pedia que ela fizesse o que poderia ser feito e ela lhe respondia que o que poderia ser feito era o que ele lhe mandasse fazer. e então ele pedia "o de sempre", que agora já era o de sempre, e ela fazia. bem fazia. 
mas depois de um tempo começou a querer mais. e por mais que pagasse por duas ou três vezes numa só, o corpo já não dava para tanto. sentia falta de um algo a mais. de um lugar menos público. sentia pontadas de ciúmes dos que estavam com ela antes e dos que esperavam ela terminar para ocupar o seu lugar. sentia nojo dos instrumentos que por vezes ela usava. sentia-se usado. e começou a dar dicas do que sentia. do algo além do que podia. e ela, não se sabe se por costume, se por falta de costume ou pelos dois juntos, nada dizia, nada manifestava, só "o de sempre". e num dia em que enroscou-se com um rabo-de-galo no caminho, num dia em que acordou do lado avesso e todos podiam ver os espaço que o afeto preencheu e os outros tantos que ainda poderia  sem preenchidos... chegou sem parar na moça da recepção, já sabia onde encontrá-la. arrancou o que estava com ela aos tapas. pegou aquelas mãos tão conhecidas e pediu que largasse tudo e fosse com ele. não para um lugar especial, não para sair daquela vida, mas para dar o afeto de que ele tanto precisava. afeto que ele até merecia. ela soltou os braços apertados contra as mãos dele, olhou nos olhos fundos e disse que não fazia mais nada para ele. não fazia mais!
e ele não sabe se saiu de lá ou se foi jogado para fora. mas se viu do lado de fora da "loja de afetos", sentiu os seus seis reais queimando no bolso, sentiu doer a raiz dos cabelos, penicar a barba, mal cheirar o bigode, as sobrancelhas entrando e furando seus olhos. andou pelas ruas com a pressa de quem saiu e não voltou. entrou em casa demolindo todo e qualquer afeto que pudesse ter respingado por ali num tempo que era outro. fechou a porta do banheiro com a fúria de quem guerreia. retirou de dentro do armarinho do espelho o kit completo de barba. olhou uma última vez para aquele rosto e sentiu que os ácidos de dentro voltavam a carcome-lo. deu início ao fim tão temido. 
raspou cabelo, barba, bigode, sobrancelhas, raspou toda e qualquer lembrança de afeto que pudesse ter restado. não fazia mais! lembrou-se no meio de uma passada de lâmina e um soluço. das mãos que o afetavam com tanto cuidado e luxo. não fazia mais! ecoando por fora e por dentro. 
e ao passar na frente do salão unissex não sentia mais nada. nem barba, nem cabelo, nem bigode, nem afeto. havia morrido. nú em pelo.

PRA NÃO DIZER QUE SAUDADES NÃO SENTI

SERÁ FINDA assim que novamente nos encontrarmos, daremos aqueles abraços que sempre demos e será restituída nossa vida, nossas coisas, tudo o que sempre tivemos, tudo o que sempre sentimos e que sempre fomos um para o outro e uns para os outros. será o começo sem fim de uma nova fase, onde saberemos que temos um ao outro sempre que quisermos ter um ao outro. será morta entre beijos e abraços apertados a saudade que teima em se acumular em peitos cheios de dissabor, lembranças e saudade. será o começo do fim de uma saudade que parte e dói, todos os dias passados longe do corriqueirismo de nossa convivência. saudades das manhãs de sábado, das tarde de domingo e das noites de segunda. 

E AO CHEGAR não morre toda ela. não matamos e sim somos mortos e arrebatados por uma saudade que não passa, a não ser de um para o outro em círculos. uma saudade mais forte do que nossos sentimentos verdadeiros. mais verdadeira do que nossas verdades. uma saudade que não mora no peito, mas sim em cada vértebra das nossas lembranças, em cada célula do passado que vivemos. uma saudade forjada em ferro e ouro, que não se desgasta, como se desgastam nossas peles e ossos com o tempo. uma saudade que nominarmos assim por não querer assumir que não é tão simples e por querer simplificar é que chamamos saudade.


NÃO MORRE e só aumenta e sufoca na garganta, mas mesmo que apertemos nossas gargantas com mãos cheias de amor, ainda assim não será possível sufocar esta saudade, que saudade não é. e passamos horas falando e discutindo e lembrando e pensamos ser saudade o que nos faz ter lembranças. mas percebemos que só enfiamos adagas em peitos já sangrados de tantos golpes e não morre a saudade que achamos ali estar. e temos a sensação de que cada vez que tivermos um flash de um lugar onde fomos muito felizes estaremos sufocando a saudade e a obrigaremos a sair de nós para poder respirar e uma vez estando aqui fora será morta pela luz do sol ou da lua. mas não sai, cresce por dentro, enraizada nestas mesmas memórias.



E O FIM chega para nós e não para ela, que será passada do passado para o presente. presente sempre que outro dos mesmos que somos nós se manifestar tendo uma suposta saudade de uma manhã, tarde ou noite em companhia de outrem. e saberemos depois de mortos que a saudade que sentíamos de coisas que se foram é a mesma que sentem de nós agora e que nos parece claro que não é saudade, já que não voltaremos a nos abraçar em carnes, já que é claro que não voltaremos a pisar juntos as mesmas pedras e a apertar nossas gargantas em nós de amor. saberemos que se chama nostalgia e que não saudade. e que nostalgia não se mata, pois quando se acha matar se alimenta. e como cresce, mesmo por debaixo da terra. como cabelo, unha e raiz.

sábado, 6 de agosto de 2011

SEMENTE

Plantou flores por todo o jardim. cuidou como pode. cuidou do frio, da chuva, dos gatos, dos cachorros, dos pés cegos que teimavam em pisar na recém-nascida, das pragas, dos pássaros. cuidou mais do que de si. passou horas e mais horas, imersa naquele mundo florido. tirava folha amarela por folha amarela, marrom. conversava com elas. eram sua compania num mundo tão cheio de não florescidos. tinha coragem de acordar cedo num dia de geada, logo quando o sol saia, pra retirar de cima das suas companheiras o plástico que as cobria do gelo e deixar que respirassem em paz. e não tinha quem não admirasse tal jardim. não tinha quem não desse uns dois ou três minutos do seu dia para ver aquelas belezuras. mas a beleza era só o fim. gostava mesmo da troca diária, eu te cuido, você me cuida. eu não me cuido. nada nas costas. nada nas mãos. nada por fora. mas por dentro, esqueceu de plantar algumas sementes necessárias para seu crescimento. esqueceu que dentro também é jardim. e deixou crescer erva-daninha, deixou o mato grande. deixou tanto. já havia passado mais da metade, supunha. tinha filhos, netos, crescidos, floridos. dera o nome das filhas de flor, ROSA, MARGARIDA E VIOLETA. já estavam crescidas.
foi sentindo o tempo baixando sobre seus ombros. foi sentindo cada acordar cedo. não contou a ninguém, nem ao menos as suas amigas de raizes e cores. continuou seguindo em frente. como se isso fosse o que deveria ser feito. acordando, mesmo que dolorida, por dentro. cuidando, mesmo que não de si. colhendo.
e o que era pouco se tornou muito. muito difícil de suportar. mas mesmo assim foi ao médico sobre seu próprio eixo. ereta, feito haste de margarida. havia aprendido muita coisa. e depois tudo aquilo que já se sabe, que já se viu. o revirar das coisas de dentro do pior jeito, aquele sem jeito, sem tato. aquele que fotografa pelo avesso. e descobriram o que ela já sabia. tinha dentro do corpo umas ervas-daninhas. já grandes, já crescidas. sempre se perguntava de onde vinham as danadinhas, as daninhas. seria injusto julgar o vento, os pássaros, as formigas. seria injusto julgar que alguma coisa pudesse trazer o mal. mas ele vinha. não se sabe nem como e nem de onde. não se sabe ou se diz não saber...
era um mal irremediável. se pegasse pequeno disse o médico, arrancava pela raiz, tirava, extirpava, jogava veneno. mas agora era como uma árvore, havia criado raízes profundas e não se podia mais arrancar, sem tirar dali um grande pedaço de terra, por assim dizer. ela não sabia se ele sabia da sua predileção por plantas, mas não havia jeito melhor de explicar. jeito melhor de entender. e foi pra casa. pro seu jardim. estava sossegada. com suas plantas, com seu quintal, com suas coisas, com suas amigas.
e a peneira foi se abrindo. já não havia como não deixar o sol penetrar pelos furos imensos que ali se encontravam. o sol. tão bom, tão necessário. agora não mais. não mais ali. ia no hospital e voltava. pedia pra sair. assinava a rendição. dizia que sabia o trabalho que estava dando. e foi ficando cada vez mais envergada. envergonhada de não mais poder cuidar das suas flores, do seu jardim. e cada vez que ia demorava mais pra voltar. e quando voltava, não eram todas que tinham sobrevivido. sofria por todas.
mas um dai acordou bem. se sentia revigorada. reerguida em sua haste tão gasta. regou as plantas, que respiraram aliviadas. arrancou todo mato. cercou com palitos e fitas, coloridas. passou o dia do lado de fora. vez por outra ouvia um grito de "entra!", não ligava. estava entretida. mais do que isso, estava certa. só depois do sol entrou. resolveu dar jeito em umas coisas, que faz tempo estavam carecendo de ordem. gavetas, armários. e lá no fundo de uma caixa no fundo do fundo, um envelope. sementes. pequenas. não se sabia o que eram e nem de onde tinham vindo. se foram guardadas, ganhadas, compradas. se surgiram ali como surgem as ervas-daninhas. 
e o relógio do corpo deu sua badalada. final. chamou as filhas-flores na sala. contou de tudo e mais um pouco. regou todas com suas lágrimas. disse a roupa, vestido e casaco. tinha medo de passar frio em sua partida. deixou-as regadas na sala e voltou ao quarto. colocou no bolso do casaco escolhido o envelope. secreto. não se sabia se eram daninhas ou danadas. curvou-se para a colheita.
como flor que cai, não se ouviu nem suspiro, nem baque. só colhida, ainda flor. no chão. no quarto. chamaram médico. chamaram por tudo. ceifada. a roupa do lado da cama.
 e como todo tempo que é passado, passa. e todo sábado iam até o jardim final da florista, MARGARIDA, ROSA E VIOLETA. visitar as gramas. tirar o mato. regar a flor maior. e depois de seis meses. já com a dor menos dolorida. assim como acontece com tudo na vida. lá estavam elas. e de longe viram uma coisa que as deixou regadas. um maço grande de flores, que não se sabia quem teria levado até o lugar. e chegando mais perto viram que não haviam levado, estava. brotou da terra. estava plantado ali um buquê. e sorriram pensando que de tanto que gostava de flores, Deus havia presenteado. 
agora ela sabia, não importava do que eram as sementes e sim como seriam plantadas. estava de novo em seu jardim! plantada...
tem olho que olha pra ver

tem olho que olha pra esquecer

quarta-feira, 20 de julho de 2011

bolhas de sabão

bolhas de ar são bolhas de sabão. estourando dentro de vasos. vasos são vasos sanguíneos. borbulhando por dentro pensamentos que não trazem se não uma dor inverossímil. distante quilômetros de distância. um simples pensamento cria o copo com sabão derretido em água. sabão que não daria pra lavar toda a sujeira que se acumula dentro do compartimento. e a música enlouquece até as senhoras que rezam de joelhos na brita que retém automóveis e caminhões na curva perigosa dos vasos sanguíneos que entram em ebulição com simples pensamentos bem simples. tão simples quanto imagens acumuladas dentro de uma memória que nunca se cala, que nunca para e que nunca morre. por mais que matem. por mais que deixem sem regar. a repetição é impossível de não ser notada. assim como são impossíveis de não serem notados os deslizes que você cometeu na ânsia de tornar tudo muito claro. e escurece com rapidez noturna. escurece. obscurece. perde os sentidos depois de horas ajoelhada em espigas de milho verde. ajoelhada rezando para poder levantar os olhos e olhar o que está ali adiante. mas não adianta querer olhar as fotos que não foram tiradas dos porta-retratos que não se portam de maneira coerente com as incoerências de rezar por uma alma que não reflete a luz do sol, que não reflete a luz dos olhos que ainda olham para fotos estáticas. paradas num tempo em que fazia sentido sentir. e borbulham seus olhos em lágrimas efervescentes. borbulham seus joelhos dobrados desde os tempos em que pecar estava em vigor. espera sozinha a solidão que não chega. enlouquece esperando a loucura que não chega. espera enlouquecer de tanta dor. mas não sente tanta dor assim. ou sente e não assume para não dar o braço a torcer, já que braços torcidos doem tanto no osso, como na carne, como no nervo, como na alma. e prefere esperar lá fora até que a noite acabe e ela possa ver com os próprios olhos cegos de fúria e cor que ainda existem dias e que depois deles a noite virá e tirará toda aquela claridade que lhe faz ver as coisas tão claras como a luz do dia e sente que não sabe por onde começar e resolve rezar para que tudo passe e as horas em que passa rezando não passam de horas em que passa rezando. deita e dorme e sonha com um mundo onde as coisas não se acabam, onde não se precisa comprar nada, já que não se acabam aquelas coisas que já estavam ali e sempre estarão e fica feliz por não sair dali nunca mais, por não precisar de nada, por não ter que temer o fim das coisas, por não precisar rezar por coisas que não são mais suas, já que elas sempre estarão ali, sempre estarão ao alcance de suas mãos rápidas. e os joelhos calejados rezam por um dia em que tudo acabe e que ela não precise ficar esperando as coisas chegarem ao ponto em que nunca estiveram. e a música se repete. e se repetem as bolhas de sabão que se colorem e se descolorem de acordo com vontades alheias as suas e não passam de uma desculpa rala, uma mistura rala de água e sabão, que não servem nem para lavar as imundices que povoam agora a parte de dentro daquele receptáculo de dor e de amores que não passam de reza de joelhos cansados de esperar por se desdobrar em vasos sanguíneos que se explodem e lavam o chão, os milhos verde e os joelhos se levantam com as mãos erguidas para o céu em sinal de abnegação. e ainda está marcado no lado esquerdo do seu rosto que também é seu e na sua boa inteira que também é minha. e nos olhos não preciso nem falar de fotografias que não figuram mais os nossos cartões postais.

d AÇÚCAR

ERA um homem. era a vez que este homem viu sua paixão se perder no caminho entre seus olhos e outros olhos que não os seus. era uma tarde em que chovia. era uma chuva tão fina que não era capaz de molhar nem o chão pisado e umido. era uma tarde que não temia em se tornar escura. era uma estrada. era um caminho. eram os pés no chão caminhando rumo aquela rua que era estrada. era a chuva que continuava. eram os passos no caminho. era a roupa ficando molhada de tanta chuva fina que se acumulava. era a chuva fina adentrando no corpo nu por debaixo da roupa que vestia. era um corpo de açúcar que não sabia. era a umidade. era o desfacelar lento das coisas reais. era carne. era osso. era pele. era doce. 

não é mais. 

é a roupa ficando cada vez mais folgada. é o desfazer que anda pela chuva que não é mais fina. que se adensa. que se engrossa. que derrete. é o passo que não para. é o passo que segue no processo de se desdizer. é o açúcar que se derrete em plena rua. que se mistura com a água farta que escorre pelo lado esquerdo e direito da rua. rua que é estrada. é uma infinidade de açúcar por dentro e por fora. é que demora a derreter por completo. é duro. é denso. não é mais impossível. impassível a chuva que cai. e segue até o fim. até que é chegada a hora de abandonar roupa que não serve pra tapar o que é derretido. não detém. não é detido. derretido. e se mistura com água pura de chuva. chuva sem sabor. dissabor. sem nada. só chuva que cai de um céu que existe já que posto está. e se misturam como corpos não se misturam. como não se misturam pensamentos. como não paixões. e seguem o caminho se juntando cada vez mais. e chuva. e açúcar. e água adocicada. água com açúcar é servida aos bueiros. bocas de lobo. a cada duzentos metros, um pouco menos, um pouco mais. é neste momento. é exatamente nesta hora. a água doce. é boca abaixo. em descida plena. pelas goelas da rua. estrada. que recebe com soluços esparssos. e cura todas as mágoas que ali sempre foram depositadas. nas sarjetas. encontra. escorre adocicada. água com açúcar nos bueiros sujos das ruas. que não se importam. que não se importa. 

vai parar a chuva.

e a água secará nos riachos das beiras. ficará marcada com linhas vistas por bons entendedores. e nas goelas das ruas e dos seus bueiros e bocas de lobos o gosto terminará com os soluços de uma vez por todas. e mesmo que em futuro distante venham a ser jogados nas sarjetas outros soluços e gotas salgadas, não haverá de se apagar o dia em que havia água com açúcar. mas não haverá solução para os suspiros que teimarão em sair de bocas de açúcar que teimarão em sentir ainda um arrepio frio pela espinha dorsal do algodão doce quando defronte para olhares que emitem raios de paixão. e não haverá esquecimento capaz. não haverá.

era uma mulher. doce. que não adoça mais. era.

quinta-feira, 14 de julho de 2011

PRONTA entrega.

gostava das que viviam nas ruas. não as que tinham casa e de vez em quando iam para a rua. não aquelas que escolhiam trabalhar na rua. não aquelas que passavam os dias nas ruas e depois iam se recostar em algum lugar. gostava das que viviam na rua. e viver na rua significava ficar lá uma vida. estar lá de manhã até a noite. estar lá quando chove. quando faz sol. quando nubla. estar na rua. fazer parte dela. se misturar ao asfalto. 
era bem apessoado. tinha casa, comida e roupa lavada. o básico para se viver bem. tinha uma porção de livros, que chamava de biblioteca. tinha seus afazeres, suas manias, suas vaidades, sua vida. sempre sozinho. nada de mulher, nada de filhos. só uma moça, tão gasta pelas horas quanto ele, que ia todos os dias lhe dar de comer, lhe lavar as roupas e limpar a casa. sua rotina consistia em sair e voltar. abrir e fechar. andar e parar. respirar e expirar. comer e cagar. pensar e despensar. ler e esquecer. entender e teimar.
quando saia no final do dia, desde o décimo andar até a portaria, todos sabiam o que ia fazer. pegar pela mão, entrar pelos fundos, subir pelo elevador de serviço, entrar pela cozinha, tirar a roupa, levar pro banheiro, ligar o chuveiro, lavar com água e sabão de coco, enxaguar com água limpa, secar com toalha branca, levar para o quarto, dar chocolate, dar champanha, deitar sobre, entrar dentro, sair fora, levar pra cozinha, dar lanche, colocar a roupa, abrir a porta, fechar a porta. uma vez por semana. quatro semanas por mês, doze meses por ano. 
o que faziam lá em cima só quem escreve é que sabe. não sabia nem o décimo andar, nem a portaria, nem a moça gasta do faz-tudo. só ele e a que vinha. e quem vinha uma vez, nunca mais vinha. gostava da variedade. gostava da primeireza. gostava da inocência. gostava da surpresa. dele e dela. ganhavam todos. todos se surpreendiam.
e quando depois, no dia seguinte, repensava porque fazia. se lembrava de quando era mais novo. de quando ia até o bordel e pegava uma menina. outra menina. meninas novas, meninas velhas. lembrava do que faziam, de como faziam, do desgosto que o gosto delas tinha. de como já sabiam a hora certa de tudo. e como colocar o pé ali dentro era já saber o futuro. e depois de anos na repetição tórrida do amor delivery sentiu-se cansado. sentiu que não podia mais com um amor que já sabia. e ficou um tempo bem grande, não horas ou dias, um tempo, sem amar as meninas.
e andou pelas ruas. e andou pelas avenidas. andou pelas nuvens. andou para onde podia. e um dia esbarrou no mundo. na verdade em uma de suas esquinas. surpreendeu-se de o mundo não ser tão redondinho quanto sabia. e a viu. suja. maltrapilha. sem muitos dentes. e sorria. como sorria. havia acabado de ganhar de um motorista uma nota. e já fazia planos de mudar sua vida. comprar casa, comida e roupa lavada com a nota que havia ganho. e ele se pegou olhando. amassando uma porção dessas notas no bolso. bisbilhotando a vida alheia. e não é porque estava na rua que podia ser vista livremente. sem pudor. fechou os olhos para ela e seguiu caminhando. 
mas de noite o suor que tomou conta de seus pensamentos e fez escorregar ideias para fora da cabeça. fez pensar coisas que nunca havia. fez acordar cedo e correr pra rua. e uma vez na rua a vida é outra. uma vez na rua as coisas são da rua. tem sua lógica e sua caracteristica próprias. e começou a olhar para quem não existia. começou a sentar naquele banco do ponto de ônibus da praça. passou a dar ideias aos pombos, que as comiam como pipocas.
e num fim de tarde ruivo, resolveu colocar em prática sua ousadia. resolver ver se dava para o gasto o que lhe apetecia. desceu até a rua. deixou o destino escolher por ele. não jogou conversa. foi direto e verdadeiro. como as coisas da rua. viu o sorriso desconfiado sem dente. entrou pelos fundos e desempenhou a sua ladainha. 
com o tempo passou a acertar um ou outro detalhe. uma coisa aqui e outra ali. mas duas não mudavam. a imparidade das que vinham e a pluralidade do que fazia. do banho que dava e que fazia arrepiar até cabelo crespo. da toalha branca macia que se sujava na pele que nunca limpa. da cama esperando de braços abertos. dos bombons finos. da champanha. do lanche. e da porta se fechando.
e o que rememorava das meninas da rua e que nada se parecia com as meninas da vida. como cada bocada nos bombons era a primeira e última para as da rua, quando as da vida já tinham até as suas marcas preferidas. do banho de deleite que não havia rua que pudesse dar e que as outras tomava a cada saída. da champanha fazendo bolinha na boca da garganta e que já não borbulhava nas gargantas profundas. a saciedade do estômago que nunca se sacia no lanche e das outras que pareciam viver de vento, não comiam. e do olhar de rua que davam as da rua, pensando na próxima que nunca aconteceria. quando as da vida tinham certeza de que volver outro dia.
gostava da rua e da pronta entrega de suas meninas sempre prontas. que nas outras meninas era delivery, as que se vendiam...

quarta-feira, 13 de julho de 2011

o doce amargo da paixão

que de tão doce arde os olhos e a garganta com um nó. e nem música, e nem pintura e nem arte superior se compara ao olhar nos olhos de quem é apaixonado. e a dor de não ter nas mãos o coração seco para poder molhar, espremer, apertar até sentir um pontada, uma palpitação, um "que" que seja. e um gosto amargo e doce se espalha pela boca daqueles que olham a paixão sem tocá-la, já que ao alcance das mãos sempre está. e a dor de não poder dar o que lhe é oferecido é sempre mais dolorida do que dar e não ser acolhido. ver olhos que saem do globo e penetram nos seus tão secos. pois se pra receber fosse só abrir os braços e pernas e tudo o que possa ser aberto. quando se perde a chave e fica a dica triste de que se tem alguém apaixonado por você e você não está mais. e um dia esteve, mas este dia ficou congelado e depois exposto ao sol de um outro alguém que fez derreter.

sábado, 9 de julho de 2011

pra dentro

ou com os olhos fechados do lado de fora. do lado de dentro aberto. os poros. de quem são? e fica abrindo e fechando perto da minha bochecha e os cílios tocando a pele vazia de cor. a melancolia lhe cai bem e lhe dá uns tons que não existem. não mais. como é bonito daqui e com os olhos fechados. bem fechados quanto mais abertos estão. e nada importa, não é? não é não vai ser mais quando não for, mas ainda será. e sempre. e se você escolhe os seus calçados eles não lhe machucarão os pés pois terão piedade de dar-lhe só dor quando por ti foram escolhidos e lhe cabem e lhe fazem sentir melhor do que sair com os velhos, os mesmos de sempre. como as pontas de dedos que batem de leve que quase não se sente. como as pontas dos dedos dentro da boca que não se sente muito. como as pontas dos dedos dos pés tocando couro de sapato novo. a reprise de um sonho. quando se acorda de leve e tudo pode ser leve e se abre os olhos até então fechados. e se termina de leve um sonho que ainda persiste. e se sente que poderia dormir de volta e não tem volta o sonho que se termina e continua sonhando acordado. sem a alegria de braço abertos. sem braços. sem dedos. sem pele. de leve. como se a solidão pudesse te achar num canto escuro do quarto de hora em que se encontra sozinho. como se a saudade pudesse voltar sozinha e acompanhada da solidão que teima em não te deixar só. como se o canto não fosse um canto e sim um conto arredondado por dedos de barro que moldam o mundo que não cabe em si. como se a melancolia fizesse de ti um cachecol que carrega na bolsa e espera um dia  fazer frio aqui no sol e poder te usar no pescoço, no colo de ninar tristezas. e vai. naquele sonho que não espera você dormir. que não espera sonhar.. que só dá de volta o que recebe e ainda dá um pouco mais da solidão que lhe sobra. não mais.

infâmiazinha

ele não tinha muito o que fazer. mas como ele se tratava de deus, aquele que esteve por aqui e vai estar, o não fazer nada não tarda a findar. e ele resolveu criar uma coisinha num espaçinho ocioso que tinha no seu quintal. foi ali, fechou os olhos, imaginou e depois cabrum... surgiu uma bola redonda, com cores primárias, se vista de longe. eis que vinha pelo universo um dos seus, caminhando pela galáxia como se nada tivesse acontecido. e no fim para ele não havia acontecido nada mesmo. não tinha o dom da premonição. e então ele, que de nada sabia, tropeçou na mais nova criação de deus e caiu. tropeçar e cair é o que haveria de ser mais comum na nova criação. mas até então era erro grave. não havia como se manter o mesmo depois de ter caído...
e depois de ser um caído, ele ficou por ai. sem ter o que fazer resolveu cair mais uma vez, agora em jogatinas, apostas e tudo o que pudesse fazer o tempo da eternidade passar. e como demora quando se tem o tempo todo. e então deus não contente colocou um detalhe aqui, um outro ali, mais um acolá. e chamou de terra aquela bola redonda de terra. era terra pra tudo quanto era lado, como se redondo tivesse lado. era modo divino de dizer...
e como terra serve pra segurar algo que se possa colocar por cima, eis que surge um quadrúpede aqui, outro ali e mais um acolá. sempre que se faz uma coisa aqui, se faz outra ali e ainda outra acolá. cabala... e então numa tentativa mais experimental do que profissional, surge um que diz que pensa, mais diz do que pensa, já que se pensasse não diria e caminha sobre duas pernas ou patas, que no fim dá tudo na mesma. e então as coisas na base de uma semana se dão. é findo!
e a jogatina rolando no espaço, com aqueles que um dia também tropeçaram. que um dia também perderam o equilíbrio, com aqueles que caíram. e o tédio controla as cartadas. mas o que é um tropeço pra quem já está caído, o tal resolve dar um bordejo pela leitosa. numa dessas pra dar um chute naquela pedra que até então não estava ali e que surgiu do nada só para lhe fazer caído... e se depara com um pessoalzinho dominando o pedaço. de terra. e percebe que por mais que se digam inteligentes, lhes falta um tanto de malícia... coisa que tem aos montes os dos tropeços.
e depois de observar as peripécias dos terráquios, resolve apostar com quem tem bala na agulha. aliás, com que é por si só a bala e a agulha... e aposta como dá um nó nos pingos d'água que deus colocou sobre duas pernas. e deus de cara com o caído, mas já tedioso por ter feito a terra em sete dias, resolve confiar na inteligência do experimento. se fosse eu...
e então não preciso nem falar que deus perde, perde feio tal qual viria a ser rotina pra uma seleção de um país do bola que ele mesmo criou. e de vergonha por ter feito um experimento que não dura nada, um experimento com garantia chinesa. deus cospe no chão e sai nadando. e uma vez feito o cuspe divino, já não se deveria chamar de terra a bola, pois dali vieram oceanos, continentes, peixes, tubarões, gravidade pra manter tudo amalgamado.
e o outro voltou pra mesa de jogo. desiludido... mas teria trabalho mais adiante, como teria...

quarta-feira, 6 de julho de 2011

NÃO matarás. não ROUBARÁS. não cobiçarás.






não farás nada.






ficarás imóvel e as coisas ainda assim te acontecerão. tanto coisas boas quanto ruins. acontecerão num trilindar frenético de vozes. como se a sua cabeça, por si só, já não bastasse para guardar os mandamentos.


eu te dou uma tábua. quem sabe duas. elas são suficientes para construírdes uma casa. entende agora o que são tábuas?






ou dirás que sua mente não é capaz de guardar coisas simples como estas que lhe dou. e se não só a ti, lhes dou então.










- Eu não farei a ti, meu irmão, nada daquilo que não faria a mim mesmo.






- Eu não farei nada ao meu próximo, que não faça a mim mesmo.






- Não farei a ti.






- Nada daquilo.






- A mim.






- Não farei.





um conto insignificante.

é sobre uma caixa repleta de outras caixas de bala. as balas são de mente. aqui não devemos confundir menta com mente. não devemos cometer erros crássos ou crássicos de digitação. aqui não erramos e temos a noção do que este conto significa. as balas são de menta. cobertas por uma fina camada de baunilha. são balas doces. doces balas. as crianças as costumam chamar de "balas de bafo", tendo em vista o poder que estas tem de retirar da boca de todas as pessoas do mundo que se propõem a isso, o "bafo" e trocá-lo por um hálito saudável de menta. hálito de menta é o que se tem como padrão. para os demais hálitos verificar tabela. então se trata dessas balas de bafo e das pessoas que as consomem. num recorte específico da pessoa que as consome. se consome.
então esta pessoa compra pela primeira vez as balas e percebe, assim como quis o fabricante, que há um envoltório de baunilha em uma bala de menta. uma pequena bala de menta que consegue esconder pelo lado de fora um segredo, que se torna uma incógnita. essa pessoa de quem estamos falando ou que nos fala percebe o sabor de baunilha, que dura ínfimos instantes de fugacidade e logo em seguida sente o sabor vendido, a menta. e então depois de terminar de consumir a pequena caixa de balas de bafo. depois de refinar seu paladar, sua vida e suas escolhas mais profundas, a pessoa percebe ter uma preferência quase exclusiva pelo sabor de baunilha. percebe não fazer sentido consumir algo que não lhe apetece. toma uma decisão definitiva.
a pessoa que nos fala decide comprar uma caixa completa e fechada de balas de bafo, por assim dizer. tendo em vista que essa expressão não pode ser usada em outro lugar que não este, que é o lugar de onde esta pessoa nos fala diretamente. sabendo-se que se chegarmos em qualquer local do comercio local de varejo, jamais conseguiremos comprar uma bala de bafo, sem ter que dar amplas explicações ao vendedor especialista de doces e balas doces. a pessoa compra a caixa repleta de outras nanocaixas. a pessoa é objetiva. a pessoa já tem a sua decisão. essa pessoa que se comunica diretamente conosco chupa as balas. mas somente enquanto há o sabor de baunilha. não menta. somente a baunilha. néctar maravilhoso extraído de um lugar que desconhecemos. depois de e no exato instante em que se tem menta, a bala é expelida da boca com um cuspe econômico sem saliva extra. a bala volta ao mundo em sua forma mais cruel e justo por isso, mais natural.
a pessoa tem o filing de percebe onde começa a baunilha e onde ela acaba. não onde termina a baunilha e onde começa a menta. não menta. estamos num recorte específico sabor baunilha.
a pessoa que vos conta pessoalmente este pequeno conto insignificante sabe das coisas. e depois da caixa de balas finda. do mundo cruelmente, mas naturalmente povoado de balas de menta sem baunilha, realocadas no espaço. alguém alheio a pessoa, aos consumidores, as crianças, aos produtores de menta e baunilha, dos vendedores especializados e dos blogs de divagações, pergunta a esta pessoa o motivo dela não consumir balas exclusivamente de baunilha.
é um conto insignificante sobre doces e balas doces. a pessoa que fala com vocês que óbviamente lêem não responde. a que perguntou repete em looping a pergunta relacionada ao doce dos doces. eu não respondo nada. penso em responder. retrocedo ou tarde.
as que são de outros sabores e as pessoas que as consomem não tem como entender. é claro. officorse. as de laranja, são laranja por dentro e por fora. as de maracujá seguem o mesmo padrão internacional de não prometer retirar bafos de bocas comuns. as de cereja são somente isso.
entende que não há resposta?
entende que não há sequer o que perguntar?
não.
um conto insignificante.
compreende?

terça-feira, 28 de junho de 2011

SE soubesse o que significa "dantesco", diria ter encontrado o próprio "dante"

e num mundo de diversidade, é tudo muito diverso. e ser diverso não quer dizer nada. mesmo. talvez só tenha sido alguma coisa impressionante lá quando a palavra foi criada. e lá se vão tempos, coisas e situações. quando há uma massificação da coisa toda, a coisa toda se torna nada. e de respeito já não se sabe mais. já que respeito foi também palavra boa, naquele lá que já citei logo ali.
e com respeito se resolve tudo. e tanta coisa desnecessária tem se tornado necessária pra resolver o que uma palavra bem dita poderia sanar.
e veio dante e me colocou a mão bem no meio do meu ombro. e me perguntou com uma cara dantesca, se eu sabia o que era uma situação dantesca. e por vergonha dele, calei. e então uma loucura começou a acontecer em minha vida. uma dessas loucuras que as pessoas costumam chamar de dantescas.
era uma rua, de asfalto, nem tão novo, nem tão velho. apenas o começo da loucurada. duas vagas de estacionamento. um cara que não sabia se usava a primeira ou a segunda. coisa de sonho maluco, vulgo pesadelo. depois de dias, o cara se decide pela primeira vaga. eu me direciono para a segunda. há uma caçamba de entulhos estacionada em plena rua. a vaga, logo acima. o carro indo em direção a vaga. uma moça de bicicleta lá longe, se aproxima rápido, tão rápido quanto o pisca-pisca do carro, ligado, sinalizando a entrada, na vaga. ela joga a bicicleta contra o carro. malvado carro. agente poluidor. destruidor das coisas naturais. detentor do poder exclusivo de acabar com o mundo. eu. ela. a bicicleta. dante acrescentou neste momento uma risada. e ainda disse com um certo tom que o carro é branco e grande. depois disso ela olhou para mim dentro do carro, jogou praticamente seus olhos dentro da lata destruidora e sussurou "filha da mãe". pedalou mais umas duas vezes, perdeu uma sacola plástica. amarrou a magrela numa árvore, com corrente e cadeado.
e tinha uma velha, que ia na igreja todo os dias. tudo bem, ela até que rezava. mas o que mais gostava era de reparar nas roupas dos outros. ver quem estava gordo e quem estava magro. ver quem se separou ou quem casou. saber da vida alheia. mas rezava, viu?
e depois olhei pra trás. só pra dizer pro dante que eu era sim, "filha da mãe", filha do pai, neta da avó, neto do avô, irmã da irmã, prima dos primos, amiga dos amigos e assim por diante. mas dante não estava mais ali. só o peso da sua mão. que ainda persiste.
e fiquei mesmo sem saber, o que é uma situação dantesca...

sábado, 25 de junho de 2011

"NÃO MATARÁS"

- nÃO MATARÁS. e não farás uma porção de outras coisas. quando? como? as falcatruas da palavras escrita ou falada, já não se sabe mais. de boca em boca, de mão em mão, de papel em papel, de opinião em ilusão. de achar que só se mata na carne, com navalha, com faca, com tiro. que é só tiro que tira a vida de alguém. e que só assim se desrespeita aquilo que já não se sabe mais se foi bem assim que foi dito. bem dito ou mau dito. nem se foi... dito por alguém que não se conhece, que não se sente, que não está mais. pois quando se tira o direito de fazer o que quer, quando se tira o respeito do peito de alguém que mal se conhece, quando se tira o que quer que seja de outro alguém, se mata. então matar não é só fazer parar de bater o coração. não é só congelar o pensamento em um cérebro inutilizado. não é só dar como destino próximo aquele palmos debaixo de nós. existem palmos pra baixo que também matam. existem paralisações de órgãos vitais que também matam. existem mortes piores do que fechar os olhos e dormir um sono diferente do que se está acostumado. e então "não matarás" se escreve com letras minúsculas. entre aspas, mas com letras pequenas, tamanho da importancia que se dá. e depois de um tempo certamente irão embora também as aspas. e por fim o NÃO se retirará.
já que o motivo torpe toma conta de nossas desmotivações. e a cada dia que passa, passamos a desrespeitar as regras claras da sobrevivência. em prol de um sobrevivência que mata, que fere, que não sobrevive muito, se não aquele pouco tempo de matar e logo morrer. ainda penso que se morre quando se mata. e a cada vez que penso que se torna mais rápida a morte de quem mata. e como falar de motivo banal, quando a banalidade é vigor e moda nos dias atuais.
sem falsidade. sem muita pretensão. eu mato. tu matas. ele mata. nós matamos. se o ser "humano" é capaz de matar, eu sendo humana também sou. e não há como fugir da raça que me foi destinada. e se não matei até agora, só há dois motivos para que não tenha acontecido. primeiro porque não percebi, o que me torna uma tola matadora. o segundo é porque ainda não me foi dada a oportunidade. um planta. um peixe. um sonho. uma expectativa. uma vida. uma pessoa.
e com a reforma da lingua se dirá "não mais matarás", em letras miúdas, pra não dizer tanto, pra não impor, pra não maltratar a natureza deste ser que vos fala. e não se falará mais em crime ou castigo. já que sem culpa pressuposta não há o que castigar. e iremos aceitando os novos formatos. as auteridades na maneira de ver a vida. ainda que num "s" possamos reler au(s)teridade, mas que nada possamos fazer. a não ser deixar de ser o que sempre fomos. banalizadores banais.
já que não há mais como banalizar a vida, passamos a banalizar a morte. como se pudessemos dormir num dia e no outro acordar.

segunda-feira, 20 de junho de 2011

COM amor. SEM amor.

brigaram. feio. depois de alguns dias se dando bem. brigaram forte. com toda força que o tempo nos dá. ele sabia que já não havia mais condições de continuar. ela sabia que já não havia mais condições de continuar. continuaram. brigando de tempos em tempos. brigando de cantos em cantos. brigando e rebrigando. revirando os estômagos depois de cada refeição. sobremesando uma discussão depois da outra. remediavam. mas o remédio sempre lhes parecia amargo. dia tal ela acordou do lado avesso. colocou todas as roupas dele na mala que era dela. sabia abrir mão. colocou tudo na sala. onde ele dormia depois do jantar brigado. quando acordou as coisas estavam ao lado. olhando para ele como se pudessem dizer o que havia ali. olhando como se precisassem dizer alguma coisa além. olhou. compreendeu. compreendeu o apreendido. trocou de roupa. lavou o rosto. escovou os cabelos. pegou as malas que as duas mãos davam conta. saiu porta afora. simplesmente saiu.
ficou no canto da sala a maleta. ela não sabia pra onde ele tinha ido. passou a mão no telefone. não queria ficar com as coisas dos outros. agora ele era outro. não passava dum outro. não mais o mesmo de outrora.
- alô?
- Oi amor...
- Oi.
- Amor, você esqueceu uma mala aqui em casa. Tem umas coisas que eu acho que você vai precisar. Tem documentos, coisas pessoais...
- Ahãn.
- Se você quiser eu posso levar onde você tá.
- Não precisa. Eu passo buscar.
- Amor...
- Oi?
- Tudo bem com você?
- É...
- Então tá amor, quando você quiser me ligar pra avisar que vai passar pra pegar a maleta, me avisa tá?
- Tá...
Desligou. a mala tinha um costume muito feio de ficar no canto gritando. e como gritava alto e estridente. ela não estava acostumada.
e os dias se passam. passando com toda certeza, tal qual os intervalos comerciais. ele veio buscar a mala. ele levou a mala. a sala ficou muda. calada. sem brigas. sem jantares e sobremesas. sem.
e a cada passada, a cada rodadinha que o mundo dava, ela tinha um assunto. uma coisinha pra falar. outra pra dizer. mais uma pra dividir. foram anos. e depois de anos, sempre sobra alguma coisinha. ligava por amor.
- Amor...
- Amor, você sabe onde...
- Amor, a nossa menina...
- Amor, onde fica aquele escritório...
- Amor, você precisa passar aqui pra pegar...
- Amor.
e não tinha um dia que não ligasse. não tinha uma coisa na vida que fizessem sem depois.
- Amor?
Um dia o telefone tocou. ela atendeu e já soltou um amor. não era ele. era o advogado do pai. tinha terminado de fazer todos os papéis. tinha finalizado o processo de separação. tinham que ir na frente do juiz. dizer na frente dele que não queriam mais. que não queria ele. que não queria ela. que não queriam os dois. que o ponto final havia sido gravado bem no meio da relação. que não precisavam ou nem podiam mais.
- Amor?
- Oi?
-O advogado ligou...
- Sei.
- Amanhã às 15...
- Mesmo endereço?
- É...
- Tudo bem...
quinze horas. quinze é sempre de tarde. sempre tarde. estavam na mesma sala de espera. não esperavam por aquela espera. o advogado chamou. tinham que assinar e partir. partir ao meio. entraram. sentaram. olharam. ela não assinou. não se sabe se por falta de coragem. por falta de sorte ou prática. não se sabe. criou caso de um caso que já estava findo. disse que não queria. disse-que-me-disse. ele saiu puto. fez a mesa  e serviu. amargura. fria. cortada em fatia bem finas. tinha se acostumado. a duras penas. pena de si mesmo. tinha refeito os costumes. tinha se refeito. puto. deu uns pulos bem pequenos. quase inotáveis. quase engolíveis. estourou umas raivas por dentro. estourou uns ódios bem ínfimos. duas ou três veias do peito. estouros de desentendimentos. saiu de lá com a couraça jogada por cima do ombro.
entrou na primeira porta com placa de advogado que viu. contou tudo e mais um pouco. das ligações. da perturbação. da vida refeita. queria o litígio. queria entrar com a ação que desse saída pra vida que tinha agora. queria pra ontem. queria pagar pela borracha que pudesse apagar certas situações.
dias depois ela recebeu a intimação. dia e hora certa para o fim adiado. um ponto final forçado. contratado. pago. ela chegou com cara de sempre. com a mesma das mesmas. trouxe a menina debaixo do braço. tinha suas cartas de comoção. maquiagem debaixo do olho com alguns milímetros de borrão. roupa amarrotada.
- Quero ficar com ele de novo.
- Não quero mais.
- Mais Amor...
- Seu Doutor, não tem mais nem menos. Agora eu quero o divórcio.
- Mas eu não sabia. Amor eu juro que não sabia...
e foi longe essa discussão. desconfia-se que depois de alguma tempo, o próprio juiz da questão saiu dali com seus pensamentos. foi e voltou várias vezes. e numa dessas voltas, falou com a voz até bem mais alta do que poderia ter usado.
- Dona Abigail, a senhora não quer aceitar um acordo? Vamos por fim a este conflito.
- Não quero.
- Após aferir do fatos, designo que Senhor Amor de Almeida, não é mais considerado esposo de Abigail de Almeida, que passa a se chamar Abigail Souza, seu nome de solteira.
e ela, com os olhinhos rasos d'água. De acordo, Senhor Amor?
- Amor...
estava feito. estava divorciada. o amor não fazia mais parte de sua vida.

quarta-feira, 8 de junho de 2011

DIA. APÓS. NOITE.

EU ACORDO. estou de acordo em acordar. na boca. um gosto. conhecido. nem por isso querido. quisto. o frio entra por frestas inexistentes. nem por isso menos gélido. o movimento involuntário pede para acontecer. complexidade. manhã. o dia segue. seguinte. mandíbula cortante. travada. trava social. focinheira humana. as pernas se deslocam cama afora. não. não é como se flutuassem. tem o peso real. na realidade um pouco maior do que a realidade exige. mas não há como mensurar. nem peso. nem realidade. consulta marcada. não mais o mesmo doutor de sempre. dentes. consulta marcada. programada dias atrás. eletiva. eleita numa manhã pra outra manhã. programação. ainda existem situações programadas. e essas mesmas, muitas vezes nos fogem. sempre. dia. após. noite. nos fogem. escova. pasta. água. dentes. saliva. o mesmo de sempre. por favor. o mesmo de sempre. não como sempre. já que o gosto conhecido se faz presente. desagradávelmente presente. desagradável. presente. você quer ganhar um presente? desagradável presente dado por outras mãos dentro da boca alheia a minha vontade de querer o gosto. gosto. escovo. dentrífico serve somente para os dentes. não tente. não tente isso. em casa. gosto. artificial de tutti-frutti. como se fosse possível colocar num pequeno tubo todas as frutas do mundo. você conhece todas as frutas do mundo? como cabem em meu pequeno tubo vermelho todos os sentimentos do mundo. mesmo que eu não conheça todos os sentimentos do mundo. mesmo assim eles habitam aqui dentro. que também é fora. que também é tudo e nada ao mesmo tempo. que no fim do dia é o que sou. nem dia. nem noite. e depois pensar e dirigir não são compatíveis. como um coração de alguém que nunca amou num peito de quem sempre ama. e dirigir um carro seria num momento qualquer como dirigir a vida de alguém. e quando se bate contra um poste se descobre que este alguém pode e vai já é você. e seus dentes de repente se quebram nessa quebra. e você sente o gosto que eles soltam quando partem. seus dentes. e o volante em suas mãos já não faz mais sentido. não tanto quanto as piores músicas tocadas nas piores rádios. que neste momento são só o que você deseja ouvir. 

segunda-feira, 6 de junho de 2011

Doutor?

Doutor?

Eu tenho sonhado com você, Doutor. tenho sonhado com certa frequência. para não dizer todos os dias, uso "certa frequência". mas a verdade é que em meus sonhos Doutor, as coisas são bem diferentes. neles você faz coisas que eu desejo que fizesse na realidade. mas na realidade as coisas não são como eu acho que deveriam ser. nos sonhos você é gentil, amável, seguro, tem certas atitudes Doutor. me entende, Doutor? Não. não é?
eu sei que sonhos são apenas projeções, Doutor. sei que neles você não é você e sim eu, um eu que se transforma em você, como uma projeção do que eu gostaria que você fosse, fizesse. mas realidade é outra coisa, não é Doutor? na realidade as coisas acontecem como tem que acontecer, e não como gostaríamos que acontecessem. e o que eu faço com a sensação com a qual eu acordo, depois destes sonhos? o que eu faço quando te olho, Doutor, e vejo o que não gostaria de ver. quando percebo que foi apenas um sonho e que na realidade, a realidade é o que se apresenta e não o que se sonha? o eu faço quando te ligo Doutor, e você não atende. e quando atende me diz com a mesma voz dos sonhos que na realidade, não pode me atender, que não sabe do que eu estou falando, que não pode agora.
o que eu faço com todas aquelas coisas que estão aqui Doutor?
o que faço com as sensações, com os cheiros e gostos Doutor?
o que eu faço com a minha realidade, que não corresponde com a sua realidade e que no fim das contas, que são bastante altas, não fazem parte da realidade real?
Doutor, eu tenho sonhado muito com você.
Doutor, eu sei que isso quer dizer alguma coisa, talvez você queira me dizer alguma coisa.
mas eu não sei o que isso quer dizer.
Eu sei que sonhos não fazem parte da realidade. mas a minha realidade é que eu tenho sonhado muito com você. e que os sonhos são bons e me fazem muito bem. e que é neles que eu me pauto. e que esse você que não é o você dos sonhos, não faz sentido pra mim.

Doutor, que horas são?

Doutor, eu liguei para lhe fazer duas perguntas.

Doutor, eu posso fazer?

Doutor?

Você também tem sonhos?

Doutor, Eu também estou neles?

Doutor, talvez sejam mais do que duas.

Doutor, nos seus sonhos eu sou muito diferente?

Doutor, eu estou acordada ou sonhando?

Boa noite, Doutor!

leve 1. pague 2.

aos poucos.
vamos perdendo.
a capacidade de.
amar.


já que o que se vende nas prateleiras dos supermercados, esse combo formatado e auto-explicativo, não é amor. mas perdemos a noção do outro. perdemos a noção da existência do outro. ali, ao lado. e amamos a nós mesmos e o respingo disso, que suja a "roupa" do outro chamamos de amor. já que na minha opinião, está longe de se chamar de "amor" uma atitude egocêntrica de adoração ao máximo (mínimo) que somos e que não tem nada haver com as outras pessoas. estejam elas ao nosso lado ou não. vamos perdendo a capacidade de amar, por julgar que qualquer coisa, sem pensar, sem refletir, sem nada, é amor.
por banalizar. por deixar raso. por ser presunçoso. por ser pretencioso. justamente por isso compramos as mensagens toscas que nos vendem como se isso fosse amor. como se só de pegar na mão, já amor. como se só de olhar no olho, já amor. como se só de passar um tempo junto, já amor. como se só, já amor. e então tudo (e nada) já é amor. amamos mais do que poderíamos suportar, mas suportamos. já que isso que dizemos o tempo todo ser amor, não passa de uma outra coisa, uma gama de sentimentos incompletos, que falsamente denominamos amor. e não que eu saiba, e não que eu ame, e não que eu fora disso tudo. não! no meio da massa mole de pessoas que "amam", também estou.
e mais um dia, e mais uma hora, e mais uma vida e mais um amor. e passamos o tempo todo nos convencendo. nos enganando. amando!
e daqui a pouco não saberemos mais amar. já que não sabemos o que é amor. e como é que se faz um bolo, sem receita, sem saber a receita de cor. se faz um bolo que é pizza, e se chama de bolo, e se diz pra todo mundo que daqui por diante, bolo é assim. pizza. e depois cada um passa adiante. passa a " receita" do novo modelo moderno de bolo. e o que era bolo nunca mais se soube...
e respostas eu não tenho, já quem nem as perguntas sei mais fazer. e teremos que aceitar o que houve com nosso amor. ou procurar se ainda existe alguma ponta que possa ser puxada. pra recuperar o que era e já nem sei se foi o TAL DO AMOR.

"e nesse dias tão estranhos.
fica poeira se escondendo pelos cantos.
esse é o nosso mundo.
o que é demias nunca é o bastante."

segunda-feira, 16 de maio de 2011

GEADA OU DAS COISAS QUE SABEMOS, SÓ EU SEI.


Era uma vez como se eu olhasse pela janela com o vidro embaçado, com o vidro quebrado ou coisa assim. Como se sentisse o vento bater na janela, no vidro e transpassar para dentro do corpo. Era como se a janela desse para um muro ou lateral de outra janela ou outra casa. Digamos que ali houvesse um banco, e que por algumas várias horas do dia e outras muitas da noite eu me sentasse ali. Seria de ficar olhando por aquela janela sempre com o vidro meio embaçado e meio quebrado. Ficar olhando para janela sem poder saber ao certo o que há atrás dela e ver que na outra janela ou muro, também tem outros olhos que olham através, mas sem ter a certeza de que se é visto, sem ter certeza do que se olha, de que se olha. Imaginar olhos que olham e não vem, quase uma heresia, quase um pecado incluso nos livros das capitais. Quase um novo pecado, não fossem pecados coisas tão velhas que chegam a ser mortais ou imortais, já não sei, ando meio afastado. Voltei para janela, olhei ao redor daquele perímetro que a compunha, me desconcentrei, havia além dela outra janela na qual eu via além dela e outra que dava pra ver adiante e que dava para outra janela. Todas tinham olhos curiosos que nada viam além delas, janelas. E sentado naquele banco eu me deixava divagar pelos pensamentos que nos são trazidos quando estamos especificamente frente a janelas. Me deixava levar e por vezes ou outra me deixava trazer, mas só por vez ou outra, não queria me banalizar. Os pensamentos que me vinham eram sempre os mesmos, pensamentos de janela, que te fazem fazer uma cara de quem olha por ela. Pensamentos sobre mentiras e notícias, distintos, pois em nada se parecem uma com a outra. E eu ficava sentado nela, já nela, ainda nela, sentado com pensamentos do lado de fora dela, mas ainda dentro de outra dela... E fortemente me vinha ela, minha mente nela, já nela e ainda nela. Eu respirava forte contra o vidro e o deixava ainda mais embaçado, ainda mais branco, ainda mais geado e desenhava nele uma pequena janelinha, que dava para uma janela de varanda, que dava para uma janela. E não tinham fim estes pensamentos, cada vez que eu criava uma, outra aparecia e eu olhava através dela, e me via em outra, outras delas. E quase no fim do infinito que criava em meus pensamentos eu vi aqueles olhos que se refletiam num lugar que não existe. Meus pensamentos quase pulavam pelas inúmeras janelas ao ver aqueles olhos refletidos nela. Eles me levam para além dos vidros, para além do mundo e muito mais para além de mim. Mergulhavam num mar de solitude, num mar de sal, num mar. E eu me perdia na volta, já não sabia em que janela estava, para qual olhava. Já não sabia de tanta coisa, de tanto alfabeto e poesia, de tanto filósofo que morreu na frente de uma janela de um quarto sem luz, que dava para outra janela.  Trazia meus pensamentos de volta, corava o rosto, corava todo corpo e os olhos me seguiam, os olhos tal vento penetrante por detrás de janelas de vidros quebrados, transpassavam minha pele, entravam na minha solta alma. E se eu me concentrasse e se não pensasse e se saísse da janela. Mas e se os olhos me acompanhassem para dentro de casa e se eles me acompanhassem em meu recinto. Voltei para o lugar onde estava. Usei o telefone para encomendar um banco, tirei as medidas da janela, o banco ficaria lá. A campainha tocou, entrou o entregador da estofaria 24 horas, mandei caiar de branco, mandei colocar exatamente na janela. Mandei de longe. E ficou lá aquele banco me olhando. Em frente ou embaixo, não sabia como mensurar, enfim, na janela. Tinha vontade de ficar sentado nele, na janela. Seria muito bom para divagar com meus pensamentos, seria muito bom poder sentar em um banco na janela e ver o que se passava através dela. Talvez existissem mesmo outras coisas para dali a diante. Mas não. Um dia tive um sonho que me pareceu um presságio. Neste sonho eu ligava para uma estofaria 24 horas, o atendente me dizia para falar rápido pois já estava fechando a loja. E eu mais do que rápido soletrava meu pedido para que fosse feito sob medida, desligava o telefone. Tocava a campainha. Eu atendia com o pé batendo no chão, a demora sempre me fazia indiscreto. O entregador subia com o banco até o quarto, colocava conforme eu mandava. Instalava-o debaixo ou em frente à janela, não sabia mensurar pois já estava meio perdido. E no sonho que era um sonho digno de noite inteira, eu ficava olhando para aquele banco, pensando como seria bom poder me sentar em frente à janela e ver o que havia através dela. E logo em seguida eu acordava. Nunca tive petulância suficiente para me sentar em frente ou naquela janela. Nunca tive tantas coisas, mas nem por isso parei de reclamar. Nem por isso. Começou a chover de novo, era madrugada de domingo ou domingo de manhã cedinho, madrugadinha. Estava voltando de mais um dia daqueles, geava frio naquele domingo. Nunca vou esquecer, quase nevou, era 13 de fevereiro, catei do chão um tanto de papel branco picado que restou do carnaval. Quis jogar para cima e fazer parecer neve, estavam úmidos de geada, não deu certo. Guardei os papéis no bolso, até o fim do dia estariam secos e eu teria minha própria nevasca. Cheguei a guardá-los com certo carinho, tinha apego as minhas coisas, as minhas tempestades, aos meus granizos, as minhas neves e ao pote de bolacha maria que havia sido da minha vó. Caminhei pela rua com a mão salvaguardando minha neve no bolso. Por mais que meus dedos estivessem dormentes, congelados, não poderia tirá-los de lá e desprotegê-las. Tinha esse dever para com a sociedade e para comigo mesmo. Caminhei mais alguns passos, dobrei a esquina da 29 de março ou maio, nunca guardava datas.  Tropecei em um paralelepípedo solto e dei de cara com aquela cara estampada e sorrindo. Dentes claros e acirandados. Cabelos negros manchados de neve. Apertei a mão no bolso, precisava ter a certeza que as que estavam nos cabelos não eram as mesmas do meu bolso. Não pude caminhar, nem mesmo seguir a diante. Meu bolso tinha apenas uns pedaços de papel úmido. Olhei superficialmente nos olhos para os quais estava defronte. Lacrimejei os meus, apertei novamente uma mão contra o bolso, a outra foi de encontro a cara da figura. Não relei no rosto, subi verticalmente para o topo. Recolhi dali as minhas brancas e por vezes prateadas. As coloquei de volta em meu bolso. Lacrimejei  novamente, agora com os dois olhos. Pedi nome, endereço, cpf, rg e nome da mãe da figura. Precisava angariar dados para averiguações futuras. Tinha certeza que se não a polícia local, ao menos os jornais de meio-dia se interessariam pela notícia. Olhei bem dentro dos olhos, que me pareceram duas janelas de vidros embaçados por geada. Olhei dentro daqueles olhos que nem me viram. Dei meia volta, coloquei a mão dentro do bolso. Retirei de lá o punhado de neve que havia me sobrado depois daquele dia. Não era exatamente neve, já que aqui nunca chove, e sem chuva não há nem geada, nem neve. Tudo bem eram apenas umas lantejoulas brancas, que nem me lembro como consegui. Estavam secas, as joguei pra cima. Caíram em minha roupa como flocos de neve, senti o frio que me traziam, me aconcheguei por detrás da janela, era fria aquela madrugadinha. Catei do chão um punhado de lantejoulas brancas e pus no bolso do paletó, não se pode desperdiçar nenhum punhado de neve, nem ao menos de geada, nunca se sabe se amanhã chove.
Um dia sonhei que estava sentado numa janela que tinha um banco, mas não dava pra definir nesse sonho se o banco estava embaixo ou em frente à janela. Sentava lá e ficava por horas olhando por ela, que dava para outra janela. E neste sonho que começava como história de noticiário, era uma vez uma pessoa sentada na janela, que dava para outra e geava e minha vó trazia uns biscoitos, que eu só sabia chamar de bolacha, um xícara de chá mate leão, eram bolachas “maria”, elas combinavam com dias frios de neve, e chuva e geada. Um dia sonhei que estava sentado, uma pena que aqui nunca chove.

QUANDO SE OLHA POR UMA JANELA
QUANDO SE OLHA O QUE SE VÊ
QUANDO SE OLHA VOLTAM OS REFLEXOS
QUANDO SE OLHA VOCÊ QUASE SE VÊ

QUANDO SE OLHA NOS OLHOS
QUANDO SE OLHA NOS OLHOS DE ALGUÉM
QUANDO SE É OLHADO DE VOLTA
QUANDO SE OLHA TAMBÉM