quarta-feira, 23 de setembro de 2009

por no gráfico?

saiu de casa de saia, fazia tempo que não as usava. sabia que a natureza havia sido generosa com sua aparência, sabia e preferia esquecer-se disso boa parte do tempo. seus cabelos castanhos quase cobre estavam soltos e rebolavam contra o vento que brincava nos entre meios. um batom rosa, herança de sua mãe, que não saia de casa sem um batom. caminhou pelo calçadão sem dar ouvidos aos vários sons emitidos pelo galanteadores de plantão. caminhou absorta em seus pensamentos, que não tinham forma, eram apenas pensamentos. olhou para o mar, olhou por tanto tempo que quis estar lá dentro, quis ter nascido lá, ser da lá... tirou os chinelos, pisou na areia áspera, molhou os dedos na água fria. voltou para a calçada, limpou os dedos milanesados e voltou a colocar o chinelinho. caminhou mais alguns metros e entrou na padaria. o padeiro, os fregueses do pingado médio, o cara do caixa, todos voltaram imediatamente seus olhares para ela. não se constrangeu, estava acostumada. não era melhor ou pior do que as outras mulheres, mas estava acostumada com os olhares intrusos. foi até o balcão e antes de proferir seu pedido foi impedida pelas gracinhas do balconista. - quer uma baguete dona? quis balbuciar. esperou.
- quer um salame dona? respirou. - quer uma salsicha então? sorriu com paciência. - talvez uma banana lhe satisfaça dona, eu tenho uma para lhe dar. o balconista riu largo e grosso. riu até não querer mais e foi acompanhado pelos outros. ela não corou, não odiou, não explodiu em ira de mulher ferida pelas grosserias machistas. estava acostumada, tinha todo tempo do mundo. sorriu da piada, inclusive riu com eles. deixou morrer o riso deles no seu. olhou com certo desejo desdenhoso para o tal. olhou tão forte que envergonhou o piadista. - não lhe pediria mais do que pode me dar, um cacetinho está de bom tamanho pra mim. não riu em troco. não fez absolutamente nada. esperou o pequeno pacotinho com o pão devidamente pesado. encaminhou-se ao caixa e deu ao homem umas moedas, fez com a mão que o troco era troco. era uma gaúcha como aquelas que não se encontram mais.

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