quarta-feira, 31 de outubro de 2012

ex-bigo.

E o problema do homem é ter umbigo.


Desde que começaram a fazer pessoas com umbigo, eis que elas se basearam nisso para viver, e nada mais interessa.
Até sabem que o outro está ali, por perto, mas os seus umbigos dominadores prevalecem, impedindo que consigam ter a real noção de que o mundo não lhes pertence.
E então o caos se torna palavra de ordem. Se pisa. Se passa por cima. Se magoa. Se enlouquece. Se esquece.
E o esquecimento é o que há de pior em termos de relação humana. Pois quando se esquece, para o bem e para o mal, não há mais nada que possa ser feito a respeito. 
Hoje eu te faço algo de bom. Amanhã você esquece. Amanhã eu te faço algo de ruim. Depois de amanhã você esquece. Uma vida de esquecimentos. 
Não há como construir uma relação com base no esquecimento. É algo que só se fixa na ficção. Na vida real, essa que estamos acostumados a viver, não há como ser assim.
E então se fala do outro como se só ele fosse culpado. Então se julga o outro como se quem julga fosse um papel em branco, como se nada, nem de bom, nem de ruim, tivesse sido feito antes.
Pois esquecer é mais fácil do que se colocar no lugar do outro. Pois esquecer é mais fácil do que tentar resolver. Já que se você esquece lhe parece que não aconteceu. E então o outro vira alvo fácil. Vira o sempre judas para malhar.
O problema é ter umbigo e nele se basear para viver. O problema é não ver o outro. O problema é a nossa cegueira egocêntrica, sempre colocando no outro a culpa, a raiva, a inverdade de nossos fracassos.
Nunca estará no outro, se não em nós. Nem o dano. Nem o bônus. Nem a dor. Nem a alegria. Nem nós. Nunca estará no outro. Por mais paradigmático que pareça. Sempre estará em nós. Mas não em nossos umbigos.
E portanto, voto para que arranquemos nossos umbigos e que seja feita uma fogueira em praça pública. E não voltemos a falar sobre o outro não existir. Sobre magoar e fazer doer, por conta de um breve e pequena cicatriz. Ex-bigos para viver em paz.

quarta-feira, 24 de outubro de 2012

Não o amor. O amor.

Se for amor você não saberá.
Ele é da ordem do inominável.
E o preenchimento será, então, desesperador.
A agonia de ser completamente tomado pelo que você desconhece, ainda que lhe reconheça a face. Será sugado pelo escuro acolhedor, sem bordas, sem contornos. 
E verá a luz contida na escuridão. 
Você não saberá e sentir vai torna-lo ainda menos. 
Os tremores nascerão e morrerão no centro. 
E a solidão se tornara uma espera ensurdecedora. 
Quando se tratar deste amor que vos falo, e que todos desconhecem, a loucura suave de algum amanhã será a única salvação. 
Não saberão onde estão, mas saberão o que significa pertencer a um nada agora desejado.
Sim.
Vocês poderão se reconhecer.
De tempos em tempos.

quinta-feira, 4 de outubro de 2012

O amor que samba. (Para João Pedro)

Eu chego e ele já me espera na porta. Como quem espera faz tempo. Como quem sempre te esperou. Ele tem um sorriso que torna as bochechas bem erguidas, ele tem todos os dentes expostos. Ele destoa de tudo o que há no mundo. Tudo que não é ele passa a ser demais.
Eu abro os braços já sabendo que o abraço estava guardado fazia tempo. Ele não sabe o que faz. E eu não sei o que fazer com ele que não sabe o que faz para me agradar. Para dizer que é feliz pelo simples fato de eu estar ali, tão perto dele.
Coloca uma música nova que descobriu e dança.Percebe que eu não acompanho os seus passos tanto quanto ele gostaria. Desliga. Quer mostrar tudo.Recuperar o tempo perdido. E vai além. Reconstrói nosso mundo do momento em que eu sai e ele ficou. Inicia nosso jogo de onde paramos, com as mesmas peças, com a mesma alegria de jogar.
Estamos felizes. E felicidade aqui é outra coisa. É pequena. É pouca. Mas nos satisfaz. Nos torna tão humanos quanto se pode ser, naquele exato momento em que estamos. No presente. Em que não há passado possível e nem futuro provável.
E então tudo está certo. A lição foi feita. Ele me ensina alguma coisa que eu ainda não sei. E extrai de mim algum ensinamento maior do que suponho poder dar. Me coloca a par de tudo. De quem ele se tornou desde que o deixei. Voltamos a ser quem sempre fomos um para o outro, vento na cara, amor pequeno, olho no olho sem piscar, quem ri primeiro.
E por fim ele coloca samba. Ele já sabe do samba. Mesmo que eu tenha estado longe. Mesmo que eu não tenha dito nada. Mesmo que ele não saiba sambar bem bamba. Ele sabe escolher o Cd, sabe ligar o som. Sabe tocar dentro do coração. 
E passa as mãos pequenas no meu cabelo, que faz meus pensamentos e problemas tão pequenos diante daquelas mãozinhas. E implica com o tempo que demora pra ver um email. Ele implica. O tempo agora quer ser só seu.
Ele tem um amor que samba. Miúdo, bonito, feliz, mimoso. Ele sabe bem mais do que imaginamos. Não nos fala nada disso. Não quer nos assustar. Não quer que nos sintamos menores diante da nossa impotência. Estamos vivos. Temos o que precisamos, que nem é tanto quanto imaginamos. Somos felizes.