terça-feira, 27 de julho de 2010

eu nunca serei como vocês...

tem dias que isso não me incomoda, não quero me amoldar. mas tem dias que quero, quero muito, com todas as letras, com todas as carnes expostas, dispostas a ser o que todo mundo é, simples e complexo do jeito que as pessoas são, com mais qualidades do que defeitos, com mais vontade do que desgosto, com cabelos lisos e brilhantes, com pouca quase nenhuma celulite, com uma caixa cheia de remédios que curam tudo, com um amor que me espera e outro que me deseja. tem dias que quero ser comercial, quero ser televisiva, quero a mentira deslavada, desalmada, desarmada das coisas reais. tem dias que olhar no espelho não ajuda, quero minha pele passada pelo fotoshop. quero que todas as roupas fiquem boas, quero levar cantada em todas as obras, das literárias as concretas. quero o que todo mundo quer em alguns dias. nos outros eu posso pensar, posso escrever, posso olhar pra dentro, posso ser diferente, ter na cara uma ou duas espinhas. nos outros, mas não hoje. hoje não. só hoje, que pode ser amanhã ou depois, surge essa vontade de ser o que os outros esperam de mim, o que minha mãe sempre quis e o que meu pai ia aprovar sem nem pestanejar. surge de um fundo que eu nem sabia que estava ali essa vontade, que não dá pra sulfixar em zinha, que não dá nem ao menos pra aguentar. que não dá, que tira. e se eu chorar. não tem lágrima que vá lavar uma vontade tão deslavada. e se eu gritar. não tem grito que vá expressar uma vontade tão sem palavra. e se... se e somente se. não há fadas, não há coisas mágicas, não há nada que possa acontecer num click que vá mudar, agora!, o que sou. e isso deveria me bastar. mas não hoje, hoje nada me basta. hoje quero fugir de mim, ser o que nunca serei, porque talvez não seja dessa massa que eu seja feita, porque talvez eu nem saiba o que sou. mas hoje... faltam poucas horas. vá para o banheiro e veja se acha alguma coisa naquela sua caixa que não cura tudo, mas tem alguma coisa. passe uma massa corrida na cara e durma maquiada. tome um drink forte. tire umas fotos "caseiras". sorria na frente do espelho. coloque um "pretinho" básico, um cinta. faltam pouca horas, continue. minta. finja!!

domingo, 18 de julho de 2010

AO HOMEM PIANO

há dias em que queremos esquecer. desde a dor, até o desengano, a falsidade, a traição. há dias em que o que mais queremos é poder apagar o que de ruim nos aconteceu. mas o que há e houve de bom, quem quer apagar? quem quer deletar da memória quem são as pessoas que nos rodeiam, quem foram os que não estão mais, as coisas que nos aconteceram, quem somos afinal? quem quer ter todos os arquivos da memória esvaziados, sem opção de escolha de quais devem ir e quais devem ficar. escrever num papel e liquidificar num aparelho que liquidifica-a-dor não me fez esquecer, fez lembrar ainda mais, acender a dor de uma memória que não deveria existir. mas e se ela não existisse, quais seriam as minhas balizas? como seria vida se nos fosse dado a chance de guardar só o que queremos, seletivar. já não são de todo verdade as que guardamos. mas e se não tivessemos o que recordar. fica a sensação de que iriamos querer desde as piores pra ver se delas as melhores retornariam. fica a sensação de que iriamos forçar a mente até lembrar. acordar de manhã e ver no seu próprio rosto alguém que você não conhece, não reconhece. olhar para o lado e ver alguém que te olha com ternura e não saber de onde ela vem. o que eu quero esquecer? o que eu quero lembrar? o que eu quero? são as perguntas que ficam. ficam ressoando dentro de mim como um piano. e se a cada tecla uma memória fosse apagada, que melodia você iria querer tocar? e se a cada tecla uma memória fosse lembrada, que melodia você ia querer escutar? ao homem piano, obrigada por tocar a melodia que hoje eu queria ouvir...

pedaços de um todo

pedaços de papel, uns recortes. desde aquele dia viva assim, recortando e colando, escrevendo e apagando. tinha essa possibilidade. inúmeras. todos os dias reconstruia uma parte do que fora perdido. todos os dias tinha o prazer de reescrever a sua história em um caderno. desde aquele dia em que resolvera viver. desde aquele dia em que o que lhe era essencial havia escapado por algum lugar aberto que ele jamais soube onde ficava. desde então percebeu que haviam possibilidades, propostas não para fazer o futuro, mas para refazer seu passado. desde que pensou que fosse enlouquecer da dor vazia de não saber onde estavam os "seus", o que lhe doía e o que lhe agradava, desde que não soube nome, endereço, telefone, quem eram esses ou aqueles, quem havia lhe cumprimentado, a idade, o dia, mês e ano. desde então passou a criar. recriar em páginas brancas as que já deveriam estar amareladas. pegou daquela notícia o dia em que nasceu. daquela foto a mãe. do filme o pai. do encontro casual no elevador a primeira namorada. inventou o motivo pro corte na testa, o do joelho. construiu dores, alegrias, lembrou do gosto e cheiro das coisas, rememorou na imaginação sua vida. recortou e colou inúmeras páginas, tapou buracos, pedacinhos dos mais escondidos. mas em todas as letras coladas, as únicas que se fixavam ao papel era V, A, Z, I, O. sempre na mesma ordem, sempre formando a palavra que ele bem sabia o que queria dizer, o que queria gritar. queria poder se recortar, se colar num outro momento, num outro lugar e tapar o buraco por onde elas havia fugido, por onde haviam escapado suas memórias. e por onde passava o que via eram possibilidades. as de ser, de fazer, de ser. não que não fosse, era. mas queria poder ter sido. do borrão para frente. em frente. havia dias em que se via feliz, crendo nas suas montagens. embarcava na vida que poderia ter sido. mas havia aqueles, em que acordar era a dor de não saber, de não ter, de não ser, mesmo que todos afirmassem que era. havia dias ruins como estes, em que ele não acreditava que palavras juntas, coladas em umas folhas quaisquer pudessem formar mais do que aquela palavra que teimava em não querer lembrar.

minhas imemórias...

acordou, olhou no espelho e não se reconheceu. não que estivesse velho demais, não que estivesse acabado, mal dormido, não que estivesse. não estava. eram traços que não reconhecia. era alguém que a sua memória não recordava. rodou à esmo, revendo fotos que nada diziam, lendo bilhetes e cartões que não recordavam mais do que palavras, palavras avulsas das quais nunca havia ouvido falar. abriu portas, janelas, guarda-roupas, guarda-coisas, porta-trecos, não havia nenhum lugar que pudesse abrir e ver guardadas suas memórias, suas lembranças. era alguém que no momento presente não era. sem passado. passado para trás por sua mente, que numa noite ou num dia, não sabia ao certo, havia apagado tudo, esvaziado as gavetas, queimado os arquivos, sem lhe pedir licença, sem permissão. agora caminhava ladeira acima, ladeira abaixo, atravessava ruas, lia as placas. palavras. comia, bebia, tomava banho todos os dias, trocava de roupa, andava, pensava, falava. nada disso havia esquecido. necessidades básicas. prioridades. se tivesse um diário, se tivesse escrito um livro, se. não. nada. se o céu estava azul, se o céu ficou nublado. nada. saiu sol. parou de chover. somente o que há e nada mais. laranjas podem ser doces ou azedas. só. algodão doce é sempre doce. só. café quente. só. cheiro. só. sabor. só. só. e só. nada lhe levava dali, nada o tirava dali. espremeu fundo os miolos, corrompeu cada pedaço do seu cerne, cavou, cavucou, cutucou com todas as varas que pode, vestiu todas as roupas do armário, andou por todos os cômodos, olhou por todas as janelas. em nenhuma delas estava o que procurava. em nenhum lugar, nem dentro, nem fora. aquele ele que ele deveria conhecer havia partido, se partido sem deixar pedaço que pudesse colar, colocar no lugar do que não mais ali estava. abriu a porta que dava para a rua, correu pra cima e pra baixo, gritou. gritou. gritou. gritou. a voz. estava. andou sem rumo, sem verdade nenhuma, sem novidade pra contar. desesperou-se, olhou na cara das pessoas, uma por uma, uma à uma, uma e outra. abraçou aquela ali, essa aqui, abraçou todas. quentes, frios, gelados. e nada. não havia o que esperar. nem dos mais cálidos, nem do mais severos. não havia mais o que esperar. voltou a mesma porta. entrou e fechou-a com uma certeza diferente das que tinha, não tinha até ali. fechou as janelas, as cortinas, as palavras pra dentro do peito estraçalhado. desejou o que quis esquecer. desejou as que o teriam matado tempos atrás. desejou. apagou as luzes. apagou.

terça-feira, 13 de julho de 2010

mundo cão

dia do cão. vou ficar por aqui um pouco, descansar. passei o dia todo andando, andando de um lado para o outro. eu praticamente sempre faço isso. espera um pouco ai, meu chapa, espera um pouco que já damos jeito nisso. hoje o movimento tá fraco. o bicho tá pegando pro meu lado. tem dias que eu não paro, faço as três quadras bem rapidinho, caso contrário não dou conta. mas nem tudo é fácil, nem tudo é tão simples quanto parece, meu irmão. tem uns que nem me ouvem, é o famoso "o cão late enquanto a caravana passa". eu ali, latindo e eles lá, passando. mas eu faço a minha parte, que não é pequena, que não é pouca coisa não. pensa que é bom ficar de quatro o dia todo. mas é assim que as coisas são, uns ficam de três, outros de dois e outros de quatro. queria ver se fosse você. puta, uma fome do caralho. puta, que fome. foda ter que ficar pedindo comida, isso é foda. preferia poder me virar de um outro jeito, mas até que tá dando certo. melhor do que, bom, sei lá. vamos deixar como tá pra ver como é que fica. três quadras, é simples. três quadras pequenas e uma bem pertinho da outra e tá tudo resolvido. obrigado. obrigado. senhor, por favor! obrigado. o. b. r. i. g. a. d. o!!! mas também, tanto faz obrigado, vai se fuder ou salve o senhor. eles são assim, indiferentes, individualistas. no máximo um que "bunitinho". que "bunitinho" não enche barriga de ninguém. tenho que me virar. fazer essa cara de cachorro que caiu da mudança e o escambal. que merda, caiu no chão, que merda. fazer o que. vamos lá, mais uma quadra, mais uma, mais uma. e que se danem os outros e o papo de corporativismo. é o que se tem por aqui. aliás, é a única coisa que há por aqui. eu não estou traindo meus companheiros, não estou. é só uma questão de sobrevivência. e depois eu falo em inglês que não ofende tanto., digo hot-dogue! mas eles dizem que é cachorrada minha. que merda! mas deixa eles ficarem dois-três dias sem comer, deixa a barriga roncar que nem trator. vão comer o próprio rabo salivando!! que merda. mas deixa eu ir, deixa de conversa fiada. tem um grupo grande chegando e eles sempre são bons comigo. e tem até criança no meio, criança é bom, você faz alguma gracinha, abana o rabinho e eles já se perdem e derrubam alguma coisa grande no chão. criança é melhor. fui.

quinta-feira, 8 de julho de 2010

ONDE SE ESCONDE A VERGONHA

ANDAVA sozinha pelo parque. ofegante, encalorada. bolsinha bem pequena, à tira-colo, dentro batom vermelhinho brilhoso, moedas de baixo valor, telefones anotados em papéizinhos. pra lá e pra cá, como peixe na corrente. gostava mesmo de ficar perto da cachoeira artificial, não se importava com esse tipo de artificialidade. aquele barulho ensurdecedor a levava para um outro lugar, um lugar chamado pelúcia, onde tudo era quente e macio. gostava do quente e macio, se sentia bem neste lugar, se levava para lá constantemente. sentiu a presença do outro, sentiu-se tentada a olhar e olhou. a única coisa que viu foram suas mãos, próximas do meio, segurando o tal de leve. aguou-lhe a boca. desejou. estava acostumada, mas desejou. sorriu desajeitada. mostrou os dentes pouco limpos, não alinhados, normais. procurou rapidamente um canto mais deslocado. insinuou a intenção e partiu. ainda lhe restava resquício de vergonha. chegou depressa, abaixou-se escondidinha, querendo diminuir a volúpia. tomou-o das mãos do outro num movimento de ampla destreza. abriu a boca, dando jeito de recolher os dentes, desnecessários. chupou com toda saliva inclusa, chupou em ó, em ú, quis fazê-lo em todas as vogais. tinha pressa, lembrou-se. viu o tempo escorrer por entre os matos secos e empoeirados. e ele ali, sem entender muito, mas olhando. chupou e mordeu ao mesmo tempo, tinha pressa. a boca se encheu daquele gosto vermelhinho que ela sabia decor. escorreu o liquido pelos cantos, ela aparou com os dedos. viu o fim próximo. levantou com a "dificuldade" do desequilíbrio imposto pelo sedentarismo diário. estralaram ao mesmo tempo coluna e joelhos. olhou furtiva para os lados. arrumo-se toda. restava-lhe algum pudor e pouca quase nenhuma vergonha. não costumava fazê-lo em público, mas sabia que não suportaria a vontade, mais tarde não se perdoaria se não tivesse feito. caminhou olhando para os lados. ajeitou-se mais um pouco, ficou com a impressão de um batom não proposital. passou a mão copiosamente pela boca, até deixa-la verdadeiramente vermelha. olhou para os lados uma dúzia de vezes e largou na lixeira, como quem não quer nada, o palitinho de sorvete, lambuzado, o detrito de seu pecado. caminhou sem medo. sem provas, sem culpa.

quinta-feira, 1 de julho de 2010

O FIM

ELE chega de viagem, malinha na mão, faceiro. abre a porta.
ELA já lhe atira umas palavras: - TÁ TUDO ACABADO!
ELE quase lacrimeja, tenta sem palavras argumentar. pensa, é inútil. com a mesma mão que fechou a porta volta a abri-la.
ELA nem brava, nem contente: - não vai nem pestanejar?
ELE abaixa a cabeça e sai.
ELA, admirada, corre até a janela com o papelzinho na mão: - a lista, a lista... grita
ELE baixa a cabeça mais ainda.