domingo, 18 de julho de 2010

minhas imemórias...

acordou, olhou no espelho e não se reconheceu. não que estivesse velho demais, não que estivesse acabado, mal dormido, não que estivesse. não estava. eram traços que não reconhecia. era alguém que a sua memória não recordava. rodou à esmo, revendo fotos que nada diziam, lendo bilhetes e cartões que não recordavam mais do que palavras, palavras avulsas das quais nunca havia ouvido falar. abriu portas, janelas, guarda-roupas, guarda-coisas, porta-trecos, não havia nenhum lugar que pudesse abrir e ver guardadas suas memórias, suas lembranças. era alguém que no momento presente não era. sem passado. passado para trás por sua mente, que numa noite ou num dia, não sabia ao certo, havia apagado tudo, esvaziado as gavetas, queimado os arquivos, sem lhe pedir licença, sem permissão. agora caminhava ladeira acima, ladeira abaixo, atravessava ruas, lia as placas. palavras. comia, bebia, tomava banho todos os dias, trocava de roupa, andava, pensava, falava. nada disso havia esquecido. necessidades básicas. prioridades. se tivesse um diário, se tivesse escrito um livro, se. não. nada. se o céu estava azul, se o céu ficou nublado. nada. saiu sol. parou de chover. somente o que há e nada mais. laranjas podem ser doces ou azedas. só. algodão doce é sempre doce. só. café quente. só. cheiro. só. sabor. só. só. e só. nada lhe levava dali, nada o tirava dali. espremeu fundo os miolos, corrompeu cada pedaço do seu cerne, cavou, cavucou, cutucou com todas as varas que pode, vestiu todas as roupas do armário, andou por todos os cômodos, olhou por todas as janelas. em nenhuma delas estava o que procurava. em nenhum lugar, nem dentro, nem fora. aquele ele que ele deveria conhecer havia partido, se partido sem deixar pedaço que pudesse colar, colocar no lugar do que não mais ali estava. abriu a porta que dava para a rua, correu pra cima e pra baixo, gritou. gritou. gritou. gritou. a voz. estava. andou sem rumo, sem verdade nenhuma, sem novidade pra contar. desesperou-se, olhou na cara das pessoas, uma por uma, uma à uma, uma e outra. abraçou aquela ali, essa aqui, abraçou todas. quentes, frios, gelados. e nada. não havia o que esperar. nem dos mais cálidos, nem do mais severos. não havia mais o que esperar. voltou a mesma porta. entrou e fechou-a com uma certeza diferente das que tinha, não tinha até ali. fechou as janelas, as cortinas, as palavras pra dentro do peito estraçalhado. desejou o que quis esquecer. desejou as que o teriam matado tempos atrás. desejou. apagou as luzes. apagou.

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