domingo, 18 de julho de 2010

pedaços de um todo

pedaços de papel, uns recortes. desde aquele dia viva assim, recortando e colando, escrevendo e apagando. tinha essa possibilidade. inúmeras. todos os dias reconstruia uma parte do que fora perdido. todos os dias tinha o prazer de reescrever a sua história em um caderno. desde aquele dia em que resolvera viver. desde aquele dia em que o que lhe era essencial havia escapado por algum lugar aberto que ele jamais soube onde ficava. desde então percebeu que haviam possibilidades, propostas não para fazer o futuro, mas para refazer seu passado. desde que pensou que fosse enlouquecer da dor vazia de não saber onde estavam os "seus", o que lhe doía e o que lhe agradava, desde que não soube nome, endereço, telefone, quem eram esses ou aqueles, quem havia lhe cumprimentado, a idade, o dia, mês e ano. desde então passou a criar. recriar em páginas brancas as que já deveriam estar amareladas. pegou daquela notícia o dia em que nasceu. daquela foto a mãe. do filme o pai. do encontro casual no elevador a primeira namorada. inventou o motivo pro corte na testa, o do joelho. construiu dores, alegrias, lembrou do gosto e cheiro das coisas, rememorou na imaginação sua vida. recortou e colou inúmeras páginas, tapou buracos, pedacinhos dos mais escondidos. mas em todas as letras coladas, as únicas que se fixavam ao papel era V, A, Z, I, O. sempre na mesma ordem, sempre formando a palavra que ele bem sabia o que queria dizer, o que queria gritar. queria poder se recortar, se colar num outro momento, num outro lugar e tapar o buraco por onde elas havia fugido, por onde haviam escapado suas memórias. e por onde passava o que via eram possibilidades. as de ser, de fazer, de ser. não que não fosse, era. mas queria poder ter sido. do borrão para frente. em frente. havia dias em que se via feliz, crendo nas suas montagens. embarcava na vida que poderia ter sido. mas havia aqueles, em que acordar era a dor de não saber, de não ter, de não ser, mesmo que todos afirmassem que era. havia dias ruins como estes, em que ele não acreditava que palavras juntas, coladas em umas folhas quaisquer pudessem formar mais do que aquela palavra que teimava em não querer lembrar.

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