sexta-feira, 21 de novembro de 2014

RESPIRA. inspira.

era uma vez.

Uma vez e um lugar. Desses lugares que são cheios de história. Carregados de emoção. Mas principalmente e incontavelmente repletos de coisinhas. Coisinhas grandes e coisonas pequenas. 

Eis a casa de Jorge e Zélia.

Com nome de Casa do Rio Vermelho. Vermelho sangue. Que pulsa. Que corre. Que irriga. Que preenche. Que torna vivo.

Na minha imaginação, antes mesmo de chegar, já tinha construído uma outra casa. Cheia de sentimento e emoção. Cheia de afeto e que me trazia lágrimas só de imaginar. Pisar o mesmo chão, entrar no mesmo lugar, ver a máquina que deveria ter as teclas gastas de tantas batidas necessárias. Na minha grande e farta imaginação já havia deixado tudo preparado para as lágrimas e arrepios que certamente iriam me tomar ao chegar.

Mas a realidade sempre tem cores diferentes do que as da imaginação.

Ao chegar ao lugar tudo era diferentemente familiar. Houve um estranhamento necessário. Houve um "eu não sou daqui... eu não tenho amô...". Subir aquelas escadas não me levou até ele. Não senti nada arrepiar. Foi estranho. Foi meio vazio.

Mas era uma casa museu. Se faz preciso visitar, entrar, escarafunchar. 

E ao botar o pé pra dentro do hall de entrada, ao ver o jardim pela janela, embarguei. Estava ali a minha emoção. Muito distante do autor. Mas perto de mim. 

Jorge era de Ilhéus, no sul da Bahia. Meu avô era de Ilhéus. Talvez fossem contemporâneos. E foi nisso que me senti tocada. Pela minha familiaridade. E ao caminhar pela casa dele, senti minha. Nada muito grande não, tudo bem pequeno, bem por dentro. Nada de rios de lágrimas, sentimentos e sensações. Só uma lembrança doce e distante. 

Então passei por tudo. Vi tudo. E tive muitos entendimentos. Não tanto como pessoa humana, mas sim como escritora.(doce ilusão...rsrsrs) Muitos sentidos sobre o fazer do escritor. Esse dia a dia que poucos conseguem imaginar. Essa artesanalidade toda que escrever requer.

As coisas dos lugares que visitou. As coisinhas da Zélia, todas tão caprichadas e cheias de sentimento e sentido. E de como se faz para carregar o mundo no bolso. Uma casa pode sim ser o MUNDO INTEIRO. Assim como eu sempre achei que fosse. E por fim percebi de quantos mundos um escritor é feito. Dos que existem. Dos que ele cria. Dos que ele cria mas não descreve. Dos que escreve. E dos que ele copia.

E quase indo. Já com um pé na porta de saída. Me flagrei do entendimento mais bonito que poderia ter. Assim, meio de revesgueio. Jorge era advogado e escritor. Era curioso e questionador. Tinha uma cara séria quando escrevia e não olhava muito para as pessoas quando elas faziam fotografias dele. Zélia era escritora, mulher e fotógrafa. Eles eram o amor. Desses de que tanto se especula e se escreve. Ao entrar na casa deles, lugar em que viveram muitos momentos e que por fim escolheram para se eternizar. Ao entrar ali, minhas expectativas me impediram de ver o que precisava ver. Mas depois de descarregar o peito (que estava agoniado quando eu cheguei) e percorrer os caminhos que o amor um dia fez com pés humanos e agora faz com outras coisinhas... E por fim ao terminar e já estar quase de saída... Ouvi um áudio sobre a eleição de Zélia para a Academia Brasileira de Letras, na cadeira que o marido ocupou por mais de vinte anos. E na hora questionei com toda minha fúria feminista-não-conformista-questionadora: É justo? Por um acaso é justo que ela tenha tido que esperar a morte do marido para só então ser escolhida e reconhecida como a escritora que foi? E depois de RESPIRAR e me INSPIRAR do amor que a casa flui percebi...



Era só o que poderia acontecer. Ele era ela. E ela não era diferente. Se completavam por amor. Por se amar eram uma perfeita compleição. E só foi justo que ela e somente ela ocupasse a cadeira que pertenceu a ele, pois aquela cadeira estava impregnada dela. Da parceria visível dos dois por todos os cantos em que passaram. Das ajudas que deram um ao outro. Dos desejos concebidos, sentidos e realizados. 

Foi justo. Muito justo. E não sei se ainda verei ou viverei um amor assim. Ou já estou vivendo e vendo e não sei. As coisas de perto não são tão perceptíveis como serão depois.

Obrigada Zélia. 

Obrigada Jorge.

(hoje se sabe um pouco mais sobre o amor)



O amor é pequeno, quase não se vê a olho nú.

segunda-feira, 10 de novembro de 2014

Pela hora da morte.

Cem entre cem pessoas almejam saber qual o dia e hora exatos de sua morte.

Certo ou errado?



Provavelmente a maioria não gosta de admitir que gostaria de saber quando será o fim, ao menos não o seu fim... Mas sempre que converso, sempre que o assunto surge, a maioria se diz favorável a saber quanto tempo ainda resta. 

Essa agonia que compartilhamos de viver até não saber quando nos faz mais frágeis do que gostaríamos de ser. Nos faz, vez por outra, pensar se será hoje ou amanhã. Pensar se quando saímos de manhã vamos ter a oportunidade de voltar no fim do dia, sãos e salvos. É o famoso "ATÉ QUANDO?".

Eu sou uma das pessoas mais agoniadas que conheço quando o assunto é a morte. Eis um dessas negócios que não consigo compreender. (E quem consegue?) Muitos, com o passar dos anos, conseguem compreender a finitude do ser humano e começam, de morte em morte, a se acostumar com a ideia de que todos, num dia ou noutro, morrem. Não eu.

Eu sou dessas que acham absurdo estar aqui e agora e daqui a pouco não estar mais. Dessas que acham que as conversas que ficaram no ar tem o direito de serem terminadas. Que os assuntos pedentes tem o direito de serem resolvidos. Que todos tem o direito de ir e pode voltar. Que aquela sobremesa que você deixou para comer na volta do trabalho deve e pode ser comida sim!

A coisa toda de não existir mais me pega bem aqui no meio do peito. É uma especie de falta de ar, ainda que esteja respirando. Uma coisa esquisita, por assim dizer. Assim como é morrer. 

Então um coração que estava batendo, por algum motivo, para de bater. Então um pulmão cheio de ar se esvazia e não pode mais respirar. Uma bílis, um muco, uma saliva, uma palavra. Tudo interrompido. Tudo findo.

E aquela blusa com etiqueta não será usada. A bala não será chupada. O copo de vinho não será bebido. O  beijo não será dado. Não por quem esperava fazê-lo. Talvez por outro alguém.

E a cada dia que passa acho mais e mais absurdo este negócio de morrer e fico tentando achar coerência no incoerente. Achando motivo para morrer, por exemplo. Porque já não dá mais. Porque as coisas estão se acabando. Porque o mundo também vai acabar. (vai??) E até o clássico: PORQUE NINGUÉM FICA PARA SEMENTE.

E essa semana fui surpreendida com uma noticia que me deu uma luz nesta tremenda escuridão que me parece morrer. 

A moça descobriu uma doença grave. A moça não quer sofrer e não quer fazer sofrer. A moça pressente que não haverá saída. A moça escolhe um dia para morrer. 

Não, ela não vai se suicidar. Diriam uns.

Não, ela não tem esse direito. Diriam outros. 

Não, pode acontecer um milagre e não está tudo realmente perdido. Diriam terceiros. 

Sempre rola um DEUS DÁ A VIDA E SOMENTE DEUS PODE TIRÁ-LA.

Essa não será a questão desta questão.

A moça escolheu o dia em que vai morrer. E escolher me parece agora uma escolha um tanto equivocada. Já que escolha cai bem quando se tem como escolher. Algo como entre azul e rosa. Entre gelado ou quente. Entre isso ou aquilo. Mas entre viver e morrer, num dia especifico, não me parece combinar com a palavra escolher. E nem sei se existem opções nessas situações. 

O caso é que ela definiu uma data limite. Uma data que talvez tenha sido significativa para ela. Ou talvez não. Definiu que a partir do dia tal, de tal mês e tal ano, sabe-se lá se em algum horário pré-determinado, não estaria mais no mundo. Que sua vida tinha prazo de validade. Começo, meio e fim. 

Eu quero. Mas não consigo. Não consigo imaginar um sofrimento maior. Mas ela certamente conseguiu imaginar. Sua doença se alastrando. A dor. Os infinitos tratamentos que por fim não tratam. Os olhos de quem tanto amou vendo o fim e sem poder ou saber o que fazer. Ela sim. Eu não.

Mas depois de ter ficado dias pensando sobre isso. Depois de saber então que alguém sabia o dia da sua morte. Não um dia em que a pessoa acordou desesperada e resolveu se matar. Não o dia em que foi atravessar a rua e não viu o carro. O dia em que teve um ataque cardíaco. Não exatamente. Mas um dia em que sabia que seria o último. LAST DAY. Nada para fazer amanhã de manhã. Nada para fazer além de morrer. Morrer enquanto ainda se pode fazer isso. Assim. 

Acordar naquele dia e saber que depois dele você não poderia mais caminhar por rua qualquer. Saber que no dia seguinte você não vai mais comer. Falar. Sair. Viver. Existir. Sabe como? Saber qual é o dia, aquele dia que vai acontecer para todas as pessoas do mundo. Inclusive para você. Mas saber o que a maioria das pessoas não sabe, que dia vai perecer. Mas você sabe.

(agora me parece existir uma agonia maior do que a de não saber)

(ou não)


É um texto sem conclusão nenhuma. No dia em que ela marcou para morrer, morreu. Mesmo que tenham espalhado boatos de que havia se arrependido, de que estava bem e queria aproveitar um pouco mais. Um pouco muito, talvez... Passei dias pensando e esse pensamento ainda não se concluiu. E nem sei se algum dia irá acontecer... Mas sei que ela escolheu o dia do fim. Ela pôs fim a agonia diária da qual a maioria nem se lembra, no meio de tanto trânsito e café com leite e outras coisas tão-tão mais importantes. E talvez seja mesmo assim que as coisas funcionem. Já que não se sabe quando, que seja assim: Se perder por um infinito de bobagens tão boas, sem se preocupar com um fim que já está entre nós, numa esquina, num avião, num caroço de azeitona ou num colesterol. E quem sabe perto do fim descobrir o que ela já sabe. E nós não.