segunda-feira, 10 de novembro de 2014

Pela hora da morte.

Cem entre cem pessoas almejam saber qual o dia e hora exatos de sua morte.

Certo ou errado?



Provavelmente a maioria não gosta de admitir que gostaria de saber quando será o fim, ao menos não o seu fim... Mas sempre que converso, sempre que o assunto surge, a maioria se diz favorável a saber quanto tempo ainda resta. 

Essa agonia que compartilhamos de viver até não saber quando nos faz mais frágeis do que gostaríamos de ser. Nos faz, vez por outra, pensar se será hoje ou amanhã. Pensar se quando saímos de manhã vamos ter a oportunidade de voltar no fim do dia, sãos e salvos. É o famoso "ATÉ QUANDO?".

Eu sou uma das pessoas mais agoniadas que conheço quando o assunto é a morte. Eis um dessas negócios que não consigo compreender. (E quem consegue?) Muitos, com o passar dos anos, conseguem compreender a finitude do ser humano e começam, de morte em morte, a se acostumar com a ideia de que todos, num dia ou noutro, morrem. Não eu.

Eu sou dessas que acham absurdo estar aqui e agora e daqui a pouco não estar mais. Dessas que acham que as conversas que ficaram no ar tem o direito de serem terminadas. Que os assuntos pedentes tem o direito de serem resolvidos. Que todos tem o direito de ir e pode voltar. Que aquela sobremesa que você deixou para comer na volta do trabalho deve e pode ser comida sim!

A coisa toda de não existir mais me pega bem aqui no meio do peito. É uma especie de falta de ar, ainda que esteja respirando. Uma coisa esquisita, por assim dizer. Assim como é morrer. 

Então um coração que estava batendo, por algum motivo, para de bater. Então um pulmão cheio de ar se esvazia e não pode mais respirar. Uma bílis, um muco, uma saliva, uma palavra. Tudo interrompido. Tudo findo.

E aquela blusa com etiqueta não será usada. A bala não será chupada. O copo de vinho não será bebido. O  beijo não será dado. Não por quem esperava fazê-lo. Talvez por outro alguém.

E a cada dia que passa acho mais e mais absurdo este negócio de morrer e fico tentando achar coerência no incoerente. Achando motivo para morrer, por exemplo. Porque já não dá mais. Porque as coisas estão se acabando. Porque o mundo também vai acabar. (vai??) E até o clássico: PORQUE NINGUÉM FICA PARA SEMENTE.

E essa semana fui surpreendida com uma noticia que me deu uma luz nesta tremenda escuridão que me parece morrer. 

A moça descobriu uma doença grave. A moça não quer sofrer e não quer fazer sofrer. A moça pressente que não haverá saída. A moça escolhe um dia para morrer. 

Não, ela não vai se suicidar. Diriam uns.

Não, ela não tem esse direito. Diriam outros. 

Não, pode acontecer um milagre e não está tudo realmente perdido. Diriam terceiros. 

Sempre rola um DEUS DÁ A VIDA E SOMENTE DEUS PODE TIRÁ-LA.

Essa não será a questão desta questão.

A moça escolheu o dia em que vai morrer. E escolher me parece agora uma escolha um tanto equivocada. Já que escolha cai bem quando se tem como escolher. Algo como entre azul e rosa. Entre gelado ou quente. Entre isso ou aquilo. Mas entre viver e morrer, num dia especifico, não me parece combinar com a palavra escolher. E nem sei se existem opções nessas situações. 

O caso é que ela definiu uma data limite. Uma data que talvez tenha sido significativa para ela. Ou talvez não. Definiu que a partir do dia tal, de tal mês e tal ano, sabe-se lá se em algum horário pré-determinado, não estaria mais no mundo. Que sua vida tinha prazo de validade. Começo, meio e fim. 

Eu quero. Mas não consigo. Não consigo imaginar um sofrimento maior. Mas ela certamente conseguiu imaginar. Sua doença se alastrando. A dor. Os infinitos tratamentos que por fim não tratam. Os olhos de quem tanto amou vendo o fim e sem poder ou saber o que fazer. Ela sim. Eu não.

Mas depois de ter ficado dias pensando sobre isso. Depois de saber então que alguém sabia o dia da sua morte. Não um dia em que a pessoa acordou desesperada e resolveu se matar. Não o dia em que foi atravessar a rua e não viu o carro. O dia em que teve um ataque cardíaco. Não exatamente. Mas um dia em que sabia que seria o último. LAST DAY. Nada para fazer amanhã de manhã. Nada para fazer além de morrer. Morrer enquanto ainda se pode fazer isso. Assim. 

Acordar naquele dia e saber que depois dele você não poderia mais caminhar por rua qualquer. Saber que no dia seguinte você não vai mais comer. Falar. Sair. Viver. Existir. Sabe como? Saber qual é o dia, aquele dia que vai acontecer para todas as pessoas do mundo. Inclusive para você. Mas saber o que a maioria das pessoas não sabe, que dia vai perecer. Mas você sabe.

(agora me parece existir uma agonia maior do que a de não saber)

(ou não)


É um texto sem conclusão nenhuma. No dia em que ela marcou para morrer, morreu. Mesmo que tenham espalhado boatos de que havia se arrependido, de que estava bem e queria aproveitar um pouco mais. Um pouco muito, talvez... Passei dias pensando e esse pensamento ainda não se concluiu. E nem sei se algum dia irá acontecer... Mas sei que ela escolheu o dia do fim. Ela pôs fim a agonia diária da qual a maioria nem se lembra, no meio de tanto trânsito e café com leite e outras coisas tão-tão mais importantes. E talvez seja mesmo assim que as coisas funcionem. Já que não se sabe quando, que seja assim: Se perder por um infinito de bobagens tão boas, sem se preocupar com um fim que já está entre nós, numa esquina, num avião, num caroço de azeitona ou num colesterol. E quem sabe perto do fim descobrir o que ela já sabe. E nós não.

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