quarta-feira, 20 de julho de 2011

d AÇÚCAR

ERA um homem. era a vez que este homem viu sua paixão se perder no caminho entre seus olhos e outros olhos que não os seus. era uma tarde em que chovia. era uma chuva tão fina que não era capaz de molhar nem o chão pisado e umido. era uma tarde que não temia em se tornar escura. era uma estrada. era um caminho. eram os pés no chão caminhando rumo aquela rua que era estrada. era a chuva que continuava. eram os passos no caminho. era a roupa ficando molhada de tanta chuva fina que se acumulava. era a chuva fina adentrando no corpo nu por debaixo da roupa que vestia. era um corpo de açúcar que não sabia. era a umidade. era o desfacelar lento das coisas reais. era carne. era osso. era pele. era doce. 

não é mais. 

é a roupa ficando cada vez mais folgada. é o desfazer que anda pela chuva que não é mais fina. que se adensa. que se engrossa. que derrete. é o passo que não para. é o passo que segue no processo de se desdizer. é o açúcar que se derrete em plena rua. que se mistura com a água farta que escorre pelo lado esquerdo e direito da rua. rua que é estrada. é uma infinidade de açúcar por dentro e por fora. é que demora a derreter por completo. é duro. é denso. não é mais impossível. impassível a chuva que cai. e segue até o fim. até que é chegada a hora de abandonar roupa que não serve pra tapar o que é derretido. não detém. não é detido. derretido. e se mistura com água pura de chuva. chuva sem sabor. dissabor. sem nada. só chuva que cai de um céu que existe já que posto está. e se misturam como corpos não se misturam. como não se misturam pensamentos. como não paixões. e seguem o caminho se juntando cada vez mais. e chuva. e açúcar. e água adocicada. água com açúcar é servida aos bueiros. bocas de lobo. a cada duzentos metros, um pouco menos, um pouco mais. é neste momento. é exatamente nesta hora. a água doce. é boca abaixo. em descida plena. pelas goelas da rua. estrada. que recebe com soluços esparssos. e cura todas as mágoas que ali sempre foram depositadas. nas sarjetas. encontra. escorre adocicada. água com açúcar nos bueiros sujos das ruas. que não se importam. que não se importa. 

vai parar a chuva.

e a água secará nos riachos das beiras. ficará marcada com linhas vistas por bons entendedores. e nas goelas das ruas e dos seus bueiros e bocas de lobos o gosto terminará com os soluços de uma vez por todas. e mesmo que em futuro distante venham a ser jogados nas sarjetas outros soluços e gotas salgadas, não haverá de se apagar o dia em que havia água com açúcar. mas não haverá solução para os suspiros que teimarão em sair de bocas de açúcar que teimarão em sentir ainda um arrepio frio pela espinha dorsal do algodão doce quando defronte para olhares que emitem raios de paixão. e não haverá esquecimento capaz. não haverá.

era uma mulher. doce. que não adoça mais. era.

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