quinta-feira, 14 de julho de 2011

PRONTA entrega.

gostava das que viviam nas ruas. não as que tinham casa e de vez em quando iam para a rua. não aquelas que escolhiam trabalhar na rua. não aquelas que passavam os dias nas ruas e depois iam se recostar em algum lugar. gostava das que viviam na rua. e viver na rua significava ficar lá uma vida. estar lá de manhã até a noite. estar lá quando chove. quando faz sol. quando nubla. estar na rua. fazer parte dela. se misturar ao asfalto. 
era bem apessoado. tinha casa, comida e roupa lavada. o básico para se viver bem. tinha uma porção de livros, que chamava de biblioteca. tinha seus afazeres, suas manias, suas vaidades, sua vida. sempre sozinho. nada de mulher, nada de filhos. só uma moça, tão gasta pelas horas quanto ele, que ia todos os dias lhe dar de comer, lhe lavar as roupas e limpar a casa. sua rotina consistia em sair e voltar. abrir e fechar. andar e parar. respirar e expirar. comer e cagar. pensar e despensar. ler e esquecer. entender e teimar.
quando saia no final do dia, desde o décimo andar até a portaria, todos sabiam o que ia fazer. pegar pela mão, entrar pelos fundos, subir pelo elevador de serviço, entrar pela cozinha, tirar a roupa, levar pro banheiro, ligar o chuveiro, lavar com água e sabão de coco, enxaguar com água limpa, secar com toalha branca, levar para o quarto, dar chocolate, dar champanha, deitar sobre, entrar dentro, sair fora, levar pra cozinha, dar lanche, colocar a roupa, abrir a porta, fechar a porta. uma vez por semana. quatro semanas por mês, doze meses por ano. 
o que faziam lá em cima só quem escreve é que sabe. não sabia nem o décimo andar, nem a portaria, nem a moça gasta do faz-tudo. só ele e a que vinha. e quem vinha uma vez, nunca mais vinha. gostava da variedade. gostava da primeireza. gostava da inocência. gostava da surpresa. dele e dela. ganhavam todos. todos se surpreendiam.
e quando depois, no dia seguinte, repensava porque fazia. se lembrava de quando era mais novo. de quando ia até o bordel e pegava uma menina. outra menina. meninas novas, meninas velhas. lembrava do que faziam, de como faziam, do desgosto que o gosto delas tinha. de como já sabiam a hora certa de tudo. e como colocar o pé ali dentro era já saber o futuro. e depois de anos na repetição tórrida do amor delivery sentiu-se cansado. sentiu que não podia mais com um amor que já sabia. e ficou um tempo bem grande, não horas ou dias, um tempo, sem amar as meninas.
e andou pelas ruas. e andou pelas avenidas. andou pelas nuvens. andou para onde podia. e um dia esbarrou no mundo. na verdade em uma de suas esquinas. surpreendeu-se de o mundo não ser tão redondinho quanto sabia. e a viu. suja. maltrapilha. sem muitos dentes. e sorria. como sorria. havia acabado de ganhar de um motorista uma nota. e já fazia planos de mudar sua vida. comprar casa, comida e roupa lavada com a nota que havia ganho. e ele se pegou olhando. amassando uma porção dessas notas no bolso. bisbilhotando a vida alheia. e não é porque estava na rua que podia ser vista livremente. sem pudor. fechou os olhos para ela e seguiu caminhando. 
mas de noite o suor que tomou conta de seus pensamentos e fez escorregar ideias para fora da cabeça. fez pensar coisas que nunca havia. fez acordar cedo e correr pra rua. e uma vez na rua a vida é outra. uma vez na rua as coisas são da rua. tem sua lógica e sua caracteristica próprias. e começou a olhar para quem não existia. começou a sentar naquele banco do ponto de ônibus da praça. passou a dar ideias aos pombos, que as comiam como pipocas.
e num fim de tarde ruivo, resolveu colocar em prática sua ousadia. resolver ver se dava para o gasto o que lhe apetecia. desceu até a rua. deixou o destino escolher por ele. não jogou conversa. foi direto e verdadeiro. como as coisas da rua. viu o sorriso desconfiado sem dente. entrou pelos fundos e desempenhou a sua ladainha. 
com o tempo passou a acertar um ou outro detalhe. uma coisa aqui e outra ali. mas duas não mudavam. a imparidade das que vinham e a pluralidade do que fazia. do banho que dava e que fazia arrepiar até cabelo crespo. da toalha branca macia que se sujava na pele que nunca limpa. da cama esperando de braços abertos. dos bombons finos. da champanha. do lanche. e da porta se fechando.
e o que rememorava das meninas da rua e que nada se parecia com as meninas da vida. como cada bocada nos bombons era a primeira e última para as da rua, quando as da vida já tinham até as suas marcas preferidas. do banho de deleite que não havia rua que pudesse dar e que as outras tomava a cada saída. da champanha fazendo bolinha na boca da garganta e que já não borbulhava nas gargantas profundas. a saciedade do estômago que nunca se sacia no lanche e das outras que pareciam viver de vento, não comiam. e do olhar de rua que davam as da rua, pensando na próxima que nunca aconteceria. quando as da vida tinham certeza de que volver outro dia.
gostava da rua e da pronta entrega de suas meninas sempre prontas. que nas outras meninas era delivery, as que se vendiam...

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