segunda-feira, 20 de junho de 2011

COM amor. SEM amor.

brigaram. feio. depois de alguns dias se dando bem. brigaram forte. com toda força que o tempo nos dá. ele sabia que já não havia mais condições de continuar. ela sabia que já não havia mais condições de continuar. continuaram. brigando de tempos em tempos. brigando de cantos em cantos. brigando e rebrigando. revirando os estômagos depois de cada refeição. sobremesando uma discussão depois da outra. remediavam. mas o remédio sempre lhes parecia amargo. dia tal ela acordou do lado avesso. colocou todas as roupas dele na mala que era dela. sabia abrir mão. colocou tudo na sala. onde ele dormia depois do jantar brigado. quando acordou as coisas estavam ao lado. olhando para ele como se pudessem dizer o que havia ali. olhando como se precisassem dizer alguma coisa além. olhou. compreendeu. compreendeu o apreendido. trocou de roupa. lavou o rosto. escovou os cabelos. pegou as malas que as duas mãos davam conta. saiu porta afora. simplesmente saiu.
ficou no canto da sala a maleta. ela não sabia pra onde ele tinha ido. passou a mão no telefone. não queria ficar com as coisas dos outros. agora ele era outro. não passava dum outro. não mais o mesmo de outrora.
- alô?
- Oi amor...
- Oi.
- Amor, você esqueceu uma mala aqui em casa. Tem umas coisas que eu acho que você vai precisar. Tem documentos, coisas pessoais...
- Ahãn.
- Se você quiser eu posso levar onde você tá.
- Não precisa. Eu passo buscar.
- Amor...
- Oi?
- Tudo bem com você?
- É...
- Então tá amor, quando você quiser me ligar pra avisar que vai passar pra pegar a maleta, me avisa tá?
- Tá...
Desligou. a mala tinha um costume muito feio de ficar no canto gritando. e como gritava alto e estridente. ela não estava acostumada.
e os dias se passam. passando com toda certeza, tal qual os intervalos comerciais. ele veio buscar a mala. ele levou a mala. a sala ficou muda. calada. sem brigas. sem jantares e sobremesas. sem.
e a cada passada, a cada rodadinha que o mundo dava, ela tinha um assunto. uma coisinha pra falar. outra pra dizer. mais uma pra dividir. foram anos. e depois de anos, sempre sobra alguma coisinha. ligava por amor.
- Amor...
- Amor, você sabe onde...
- Amor, a nossa menina...
- Amor, onde fica aquele escritório...
- Amor, você precisa passar aqui pra pegar...
- Amor.
e não tinha um dia que não ligasse. não tinha uma coisa na vida que fizessem sem depois.
- Amor?
Um dia o telefone tocou. ela atendeu e já soltou um amor. não era ele. era o advogado do pai. tinha terminado de fazer todos os papéis. tinha finalizado o processo de separação. tinham que ir na frente do juiz. dizer na frente dele que não queriam mais. que não queria ele. que não queria ela. que não queriam os dois. que o ponto final havia sido gravado bem no meio da relação. que não precisavam ou nem podiam mais.
- Amor?
- Oi?
-O advogado ligou...
- Sei.
- Amanhã às 15...
- Mesmo endereço?
- É...
- Tudo bem...
quinze horas. quinze é sempre de tarde. sempre tarde. estavam na mesma sala de espera. não esperavam por aquela espera. o advogado chamou. tinham que assinar e partir. partir ao meio. entraram. sentaram. olharam. ela não assinou. não se sabe se por falta de coragem. por falta de sorte ou prática. não se sabe. criou caso de um caso que já estava findo. disse que não queria. disse-que-me-disse. ele saiu puto. fez a mesa  e serviu. amargura. fria. cortada em fatia bem finas. tinha se acostumado. a duras penas. pena de si mesmo. tinha refeito os costumes. tinha se refeito. puto. deu uns pulos bem pequenos. quase inotáveis. quase engolíveis. estourou umas raivas por dentro. estourou uns ódios bem ínfimos. duas ou três veias do peito. estouros de desentendimentos. saiu de lá com a couraça jogada por cima do ombro.
entrou na primeira porta com placa de advogado que viu. contou tudo e mais um pouco. das ligações. da perturbação. da vida refeita. queria o litígio. queria entrar com a ação que desse saída pra vida que tinha agora. queria pra ontem. queria pagar pela borracha que pudesse apagar certas situações.
dias depois ela recebeu a intimação. dia e hora certa para o fim adiado. um ponto final forçado. contratado. pago. ela chegou com cara de sempre. com a mesma das mesmas. trouxe a menina debaixo do braço. tinha suas cartas de comoção. maquiagem debaixo do olho com alguns milímetros de borrão. roupa amarrotada.
- Quero ficar com ele de novo.
- Não quero mais.
- Mais Amor...
- Seu Doutor, não tem mais nem menos. Agora eu quero o divórcio.
- Mas eu não sabia. Amor eu juro que não sabia...
e foi longe essa discussão. desconfia-se que depois de alguma tempo, o próprio juiz da questão saiu dali com seus pensamentos. foi e voltou várias vezes. e numa dessas voltas, falou com a voz até bem mais alta do que poderia ter usado.
- Dona Abigail, a senhora não quer aceitar um acordo? Vamos por fim a este conflito.
- Não quero.
- Após aferir do fatos, designo que Senhor Amor de Almeida, não é mais considerado esposo de Abigail de Almeida, que passa a se chamar Abigail Souza, seu nome de solteira.
e ela, com os olhinhos rasos d'água. De acordo, Senhor Amor?
- Amor...
estava feito. estava divorciada. o amor não fazia mais parte de sua vida.

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