quinta-feira, 27 de setembro de 2012

FILHO DE DEUS

Estava na sala do médico. Meio com medo. Meio com curiosidade. Nunca tinha ido. E a mãe orientava de todo jeito. O que fazer, de que jeito fazer, o que falar, de que jeito falar. O tom da voz, a postura do corpo. Tudo baseado numa máxima. Somos filhos de Deus e temos que nos comportar como tais.
E então que o médico era renomado. E então que o consultório, desde de cedo, era lotado de gente a espera de uma consulta, de um encaixe, de um favor, de uma palavra com o Doutor. E eles ali, misturados naquela maçaroca.
E chamavam um. E chamava outro. E nada de chamarem pelo nome dele. Já estava ficando impaciente. E achava engraçado, em sua cabecinha pequena, um paciente impaciente. Mas era educado, incapaz de contrariar a ordem das coisas.
Mas o tempo foi passando. E com ela aumentando as coisas pequenas. O que era impaciência virou implicância. O que era fominha, virou fome voraz, o que era medo virou pânico e assim por diante. Começou a deixar de lado a boa educação para dar lugar a verdadeira sinceridade.
A mãe não sabia mais o que fazer. Não podia abandonar a chance de ser bem atendida no renomado consultório, mas já não suportava mais olhar para a cara do menino, que a essa altura fazia e desfazia, mandava e desmandava pela sala de espera-longa-espera.
O pandemônio estava instaurado. As secretárias destratadas, os pacientes se digladiando, as revistas desorganizadas, um verdadeiro caos. E o Doutor lá dentro, alheio a tudo isso, realizando calmamente as suas consultas.
No auge da balburdia, chega um homem que parecia impecável, porém arrogante. Aquela impecabilidade que deixa o ar pesado de tanto que é. Conversa diretamente com a secretária, sem fazer muito alarde. Segue para um canto e mesmo tendo um espaço vago em uma das cadeiras, não se senta.
Em seguida a porta do Doutor se abre, sai o paciente que lá estava, com uma cara de nem mais nem menos amigos.Neutro. E o Doutor quase não é visto. Ele não passa de uma mão que sai de trás da porta e volta com o fechamento dela.
Não tarda nem dois segundos e a secretária entra, com papéis na mão. E ao sair da sala de consultas deixa a porta entreaberta. Uma voz sai feroz lá de dentro. Mas não um feroz que mata e fere. Um feroz que domina e faz querer cumprir a ordem dada. É o Doutor. Ele diz João Jesus de Deus Filho. E para a surpresa de todos que ali esperavam pacientemente, entra o homem impecável que havia chegado não fazia nem minuto.
Se indignaram por dois ou três segundos com o Doutor, mas logo voltaram-se uns contra os outros. Não contra o Doutor, ele não. Estavam ávidos por suas boas consultas. Indignaram-se contra a secretária, coitada, encolhida num canto. E quando já não havia mais para onde ir, e menos ainda o que fazer. Eis que surge uma voz quase retumbante, mas ainda imatura para tanto. 
- Somos todos filhos de Deus! Gritou o menino sobre a sua cadeira.
E o que se viu depois, foi guerra, nem quente, nem fria. Uma guerra morna entre todos contra todos.

2 comentários:

Entre Dubai e Brasil disse...

Você escreve bem Nana! Parabéns. ;)

Nana Rodrigues disse...

Obrigada querida!

Beijo

Nana