terça-feira, 20 de novembro de 2012

COMPRA-SE MEMÓRIAS

Andei remexendo os baús de dentro. Aqueles que guardamos por tanto tempo, que depois de um tempo já nem sabemos mais que estão ali. E muito menos o que guardam. E por vezes os encontramos vazios e então passamos a nos perguntar onde é que foram parar as coisas que estavam ali. Por que raios não cuidamos delas com o cuidado que mereciam. E aquele canto do seu desânimo te diz que eram só memórias, e que memórias não tem nada, não são nada, são só coisas guardadas. E então você começa a duvidar das coisas boas. Começa a achar que tudo acabou. Que é o fim. Que não há com o que se preocupar. São só coisas velhas, guardadas num canto. E aplica aquela máxima dos modernistas em dizer que "se está guardado a mais de um ano e você não usa, não precisa!" e acha que numa dessas o melhor a fazer é passar as memórias adiante. E passa. E coloca numa caixa de papelão e manda embora. E deixa numa esquina movimentada. E vai embora como se não precisasse de nada do que está ali. 
E depois noutro dia. Bem longe daquele em que você se desfez. Você acorda se sentindo estranha. E pensa que a única coisa que deve fazer pra se sentir bem é rever aquelas caixas. Aquelas coisas que estão guardadas. Mas aquelas coisas dizem quem você vai ser daqui uns anos. O que você vai ser agora, naquela hora em que você acorda sem saber de muita coisa. E ao remexer as caixas, nota que não há nada ali. Não há nem as lembranças boas, nem as ruins. Esquece de lembrar inclusive, que foi você que as deixou em uma esquina qualquer. Você simplesmente vê o nada dentro de ti. 
E então olha umas fotografias, sem saber quem era aquela ali, pequena, miúda, com os olhos abertos demais para uma fotografia comum. E aquela bicicletinha não mais sua, nem a botinha vermelha lhe diz alguma coisa, nem o balão, nem nada do que está ali. Você não tem mais as suas memórias. Elas agora estão espalhadas por ai, com um ou outro, que não se sabe o que poderão fazer com elas. Se serão tratadas com o carinho que merecem ou se serão vendidas em feiras livres de antiguidades, por algumas moedas. 
E então você se desespera. E então você veste a primeira roupa que aparece na sua frente, seja ela sua ou não. E sai pela rua, com uma placa no pescoço. Você sai de casa com muitas moedas nos bolsos. Disposta a sentar em bancos de praça e comprar, seja qual seja, com o preço que for, memórias alheias. E encher de coisas não suas, aquelas caixas vazias. E quem sabe poder seguir, como quem compra um par de tênis novo, porque decidiu começar a correr. Sem saber que preferia dançar.

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