Me fez dormir tarde. Me fez esperar. Tatuou escritos no
braço esquerdo enquanto esperava para chegar a lua. Foi a lua calçando tênis. E
lá esperou o dia nascer. E lá esperou o mundo acabar. E lá espetou num palito o
amor.
E sentiu falta de não ter o que comer. E sentiu falta de não
ter o que fazer. E sentiu pela prima vez o que era sentir. E se debruçou na
janela e disse a quem quisesse ouvir. Estavam todos surdos as suas afirmações.
Vocês, que estão surdos as minhas afirmações. Já não lhes direi mais nada, como
isto que agora vos digo. Já não lhes direi.
E sentiu os pés formigarem como nos tempos em que. Como nos
tempos em que. E nada disse. Para que palavras, se não há mais quem possa ouvir?
Elas não podem ser desperdiçadas, jogadas a ouvidos decorativos, que são por
fim o que restou de uma civilização inteira. Que foi o que sobrou do amor. Que
foi.
O tijolo aparente, aparentemente segura a parede que se
resume a uma parede do que um dia foi um conjunto habitacional-racional. A
parede de tijolo aparentemente aparece vez por outra para nos visitar, jogamos
cartas de amor. Jogamos.
Goodbye my friend. Somos o que restou de uma não solução. De
uma não ocasião para se dizer. Somos distantes do restante de nós. Somos o que
dá. O que pode haver entre duas pessoas normais. Somos isso que somos.
Eu não vou implorar para ver o fim. Eu não vou implorar. Não
vou ajoelhar aos pés daquele monte, como costumávamos fazer nos tempos de
aflição. Hoje somos maiores do que o monte que nos criou. E não vou me ajoelhar,
a não ser para beijar seus lábios rachados de sol. A não ser para beijar seus
pés e implorar por seu amor.
Somos o que restou. O resto de tudo o que se foi. E que nem
era tão pouco assim. E que nem éramos tão poucos assim, como agora sou. E não
há nada mais ao redor. Acima de nós, o que há, não nos deixa partir.
Somente ir ate a lua e voltar. Somente ir ate a lua e
vomitar nossas dores derretidas pelo sol. E depois voltar. E depois o dia
depois de hojeninguém mais sabe. Hoje só o amanhã que virá. Não para nós. Mas
para cumprir o que deve ser feito. Somos. Não mais. Somos. Até que amanheça e
não haja.
- Você está de tênis.
- Sim.
- E o que faremos agora que tudo isso que havia dentro de
nós se espalhou e as letras de nossos nomes estão confusas.
- Caminharemos até a lua e faremos de lá.
- E o que faremos agora que as palavras que estavam por
dentro começam a brotar em nossa pele.
- Caminharemos até lá.
- Você está de tênis.
- Eu não sei mais o que fazer.
- Então aparentemente ele não virá nos salvar.
- Salvar de que?
- Sim. Salvar de que.