segunda-feira, 8 de fevereiro de 2010

101 dias em são paulo

01. medo de morrer


na chegada as boas vindas são dadas por um mostro disforme e cinza-escuro que nos persegue com seus grandes braços e que nem mesmo Iãnsan conseguiria controlar. da minha pequena janela vejo a aproximação. a cabine clara da aeronave escurece. o monstro segue. o piloto avisa que dentro de instantes pousaremos no aeroporto internacional de guarulhos. a aeronave desce. mergulha de frente no monstro, como se quisesse e se pudesse enfrentá-lo. o aviso de atar cintos pisca. a aeronave vira aviãozinho de papel. chacoalha. treme. as bagagens caem do compartimento sobre nossas cabeças. me vejo num filme de ação. não quero morrer. tenho medo de morrer. temos todos. rezo. olho pela janela na esperança de ver não sei nem o que. tenho medo. as pessoas não se olham. não se olham para não ver o terror noutros olhos. não olham para não cofirmar o medo que sentem. rezo. penso nele. nele sem mim. neles sem mim. penso no meu medo de morrer, que talvez seja só um medo de deixá-los. penso nele voltando na mesma manhã do dia em que viajei e me devolvendo meus documentos. dizendo com um riso fraco que talvez fosse um sinal pra eu não ir. o destino. como driblar destino. rezo. suo frio, quente, morno. gelado. minhas mãos se unem num pedido de piedade. o piloto. como estariam eles. é pela cara dos comissários de bordo que se sabe a gravidade do acontecido. era grave. e os pilotos, experientes, prudentes, com medo? quase choro. quase grito. quase morro. quase desmaio. o piloto arremete. rezo. em pouco segundos estamos no céu. minhas mão grudadas. molhadas. "foi por medo de avião, que segurei pela primeira vez a sua mão", eu não tinha ninguém para me dar a mão. penso nele. sempre ele está por aqui, dentro dos meus pensamentos. vagamos sobre o monstro por alguns muitos minutos. tempo para o silêncio se instalar. aterrissagem autorizada. em baixa velocidade. pousamos em guarulhos. todos respiram enfim. coloco a mala nas costas e piso num chão firme, que há tempos não dava tanto valor. caminho pelo aeroporto lotado de gente de todos os lugares. vou ao banheiro. os indianos me olham com sorriso galantes. saio do aeroporto em direção ao transfer para congonhas. o rapaz me avisa que vai demorar. as duas estão paradas. guarulhos e são paulo. vai demorar. olho ao redor,as coisas andam lentamente. vai demorar. sento com meu livro da vez nas mãos. ele me espera. "101 dias em bagdá". vai demorar. sento e espero. me parece que tenho todo tempo do mundo. minha vida mudou, só não sei o que isso significa. ligo para minha amiga. "tá tudo alagado aqui, as marginais, tudo". vai demorar. demorou.

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