quarta-feira, 11 de maio de 2011

a ligação...

Minha irmã mais nova liga pra minha irmã mais velha. Minha irmã mais velha liga pro meu único irmão. Meu irmão liga pra minha mãe. Que liga pra minha avó. Que liga pra minha tia que é solteira. Que liga por meu pai. Na minha família, todo mundo se liga. Eu também estou ligada á eles. E é assim que a história toda começa.
Eu tenho dois apartamentos. Moro um pouco aqui e outro pouco a uns 2500 km daqui. A chave do apartamento daqui fica com a minha irmã mais nova. Ela recebe as minhas correspondências, molha as plantas, abre as janelas. Ela mexe nas minhas coisas, pra passar o tempo, por saudade ou curiosidade. Eu só descobri isso depois de ligar muitas coisas.
Eu estava lá e recebi uma ligação daqui. Era minha irmã mais nova querendo saber, com ar de preocupada, quando eu estaria de volta. Eu não sabia ainda ao certo quando voltaria, mas sabia que seria logo. Liguei em seguida pros meus pais. Ela não tinha dito nada, mas todas as vezes que me ligava preocupada, eu ficava preocupada com os meus pais. Depois liguei pra minha avó, já que tinha certeza que se alguma coisa acontecesse com ela, eles me negariam a ligação pra contar o problema. Estava  supostamente tudo bem, com todos.
Dias depois desembarquei por aqui. Cansada de tanto ficar fazendo a ligação entre aqueles 2500 km. Minha irmã mais velha foi me buscar no aeroporto, estava sem graça com alguma coisa, mas eu não consegui me ligar no que. Cheguei em casa e as coisas estava todas nos seus devidos lugares, mas a sensação de que alguns dedos hábeis haviam passado por ali, persistia. Estava cansada. No dia seguinte começou a minha peregrinação pelas inúmeras casas pela quais deveria passar num curto período de tempo. Em todas elas, ligadas pelo parentesco, havia um desconforto. Pensei que fosse o fato de eu ser uma carta fora do baralho. Estava redondamente enganada.
Sempre havia alguém que me perguntava alguma coisa sem sentido e logo depois os olhares se ligavam uns aos outros ao redor de uma mesa de jantar, de uma sala de TV, de uma sala de conversas, de um jardim. Chegou uma hora que eu me liguei. Eles querem me dizer alguma coisa muito grave, mas não tem coragem.
No domingo, depois de tudo, perguntei. Eles se ligaram de que eu sabia de alguma coisa, que eles não sabiam que eu sabia e que eles sabiam alguma coisa que eu sabia que eles sabiam, mas não sabia o que era. E depois de limparem todas as gargantas ao mesmo tempo, minha mãe falou. Minha irmã mais nova descobriu e ligou pra minha irmã mais velha pra se aconselhar, minha irmã mais velha horrorizada teve que pedir penico pro meu irmão, que teve que contar pra minha mãe, que pra minha avó, que pra minha tia, que por fim pro meu pai. E o motivo de todas aquelas ligações, era um toco de cigarro ilegal, escondido numa caixa velha de óculos no fundo de uma gaveta. Ilegalidade. Focinho de porco é tomada?
Depois de todo constrangimento de explicar , sem ninguém acreditar, que era uma experiencia com camomila, que relaxava, que tinha sido uma vez, que tinha passado mal, que tinha sido uma amiga, que tinha sido, que nem foi, acabou tudo em “cala-te boca”.
Semanas depois, estava nos 2500 km de lá e meu telefone tocando sem parar. Ligação atrás de ligação. Minha irmã mais nova, a mais velha, meu irmão, minha avó, meu pai na surdina, minha mãe e até a tia solteira. Que amiga mesmo era aquela? Porque diziam que pra certas doenças até era bom. Porque eu nunca tive um contato seguro. Porque eu tinha medo de virar. Porque eu, porque ele, porque todos tinham a mesma curiosidade. Porque no fim das contas, até mesmo as telefônicas, temos todos a mesma ligação, estamos todos ligados!

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