domingo, 12 de julho de 2009

A CARTA

SARAH pensava no passado, viva por lá... em seus sonhos revia tudo sempre muito colorido, sempre tão vivo que podia respirá-lo, senti-lo por perto mesmo em seus sonhos... tinha a velha mania de escrever um diário, tinha a velha mania de sonhar com coisas que haviam acontecido a muito tempo atrás... SARAH era uma mulher sonhadora em sua essência, era discreta e levemente colorida, tomava chá toda tarde, comia biscoitos de vento e usava batom rosa bem claro... seu perfume tinha notas de jasmim e baunilha, nada que se pudesse sentir a quilômetros, nada que se pudesse esquecer com o tempo... suas roupas eram claras e bem passadas e exalavam cheiro de sol puro... SARAH foi criança por um bom tempo, inclusive na adolescencia tão moderna de hoje era ainda uma menina, sabia o valor de uma boa brincadeira, de uma corrida na chuva, de um domingo de sol, de uns doces e das flores, soube disso por muito tempo... SARAH era uma apaixonada pela vida que certo dia se apaixonou por ela, era certo que algo assim iria acontecer... por vezes sentia sua vida atribulada demais, ia até a colina que dava para a rua sem saída e sentava sobre a pedra-banco e ficava ali por alguns minutos, suficiente para voltar ao passado e se renovar... o velho lhe renovava... as pessoas não entendiam suas manias, não sabiam o que ela guardava dentro do peito, não sabiam nada sobre aquela mulher tão frágil que parecia que poderia quebrar a qualquer momento... ela viva sozinha em sua casa, um delicado chalé que tinha coisas delicadas e de cores fracas, mas que lhe traziam a tranquilidade que sempre desejou ter... cada coisa em seu lugar tinha um significado, cada coisa lhe trazia uma lembrança, cada lembrança uma volta ao passado...
era um dia ensolarado, as blusas de lã deveriam ir para o sol, SARAH abriu o armário cheia de ímpeto, estava animada como um dia de sol... suas roupas foram retirada uma a uma do armário, colocou cada uma delas no varal e olhou aquela suavidade de cores invadir o quintal... estava lá mais uma vez, no passado que as blusas lhe traziam... se renovou... voltou para dentro com um pano de pó, queria arrumar o armário para receber todo aquele sol armazenado... subiu no banco, deixou no chão os chinelinhos cor de pêssego com plumas que faziam cócegas, ao subir se escorou nas prateleiras, era um armário muito alto... e na ponta dos pés seu olhar delicado observou pacientemente a caixa no fundo do armário, guardada, ela que tanto visitava o passado tinha passado daquela estação sem descer por muito tempo, não se lembrava mais nem quando havia colocado a caixa lá... retirou-a da prateleira, desceu cuidadosamente do banco, os pés automaticamente encontraram o caminho para dentro das pluminhas, as cócegas nem se fizeram notar, estava absorta pela caixa... não fazia a mínima idéia do que encontraria ao abri-la... foi até a sala, sentou no sofá creme perolado, colocou a caixa nos joelhos e por algum tempo observou somente a caixa, seus desenhos de madeira formando diversos outros desenhos, olho e sentiu a textura, só isso já seria o suficiente, mas havia algo ali dentro, ela já não se lembrava mais, era preciso voltar aquele passado pelas mãos do conteúdo da caixa, era precioso voltar para lá...
os dedos correram a borda da caixa até encontrar a fechadura delicadamente colocada no centro, não era necessário chave, era uma fechadura simples, uma das mãos segurando a caixa e a outra abrindo...era como a descoberta de um tesouro, era como ter ido ao fundo do mar e voltar a superficíe, não para respirar mas para abrir o baú e ver que tesouro seria merecedor de tal guarda... ao abri-la se deparou com mais desenhos no verso da tampa, olhou-os rapidamente, já não era possível esperar... uma folha de seda azul celeste cobria o conteúdo, depois da folha vinham um maço de cartas sutilmente amarradas com uma fita vermelha, algumas fotos preto e branco e uma flor seca, parecia ser um lírio... a memória não retornou, nem com os pertences na mão SARAH não se recordou do passado que ali continha... observou a flor seca, cuidadosamente embrulhada em um lenço de linho branco que estava agora amarelado, observou as fotos e olhou atrás para ver se havia alguma dedicatória... não havia sequer data... lá estava ela com um passado apagado, se reconhecia nas fotos, mas não sabia porque resolveu guardá-las naquela caixa... reconhecia fotos que tinha outras idênticas guardadas em albuns, olhou as cartas, desatou o laço e viu o remetente, seus olhos brilharam, lágrimas adornavam os cantos e teimavam em escorrer, o destino das lágrimas era certo, o coração em tons pastéis de SARAH...
desamarrou todas as cartas ali contidas da fita de cetim vermelha, colocou todas elas sobre a mesinha de vidro da sala, naquele momento ela certamente era muito mais frágil do que aquela mesa se arremessada do 10º andar... naquele momento ela teve um dejavú que pouco lhe esclarecia... estava triste e seus olhos produziam e desprezavam lágrimas segundo a segundo... ao todo eram 10 cartas, uma para cada ano... ao todo eram milhares de lágrimas colecionadas, o passado a esta altura já estava ali, havia retornado com a força de uma tempestade...SARAH foi invadida por sentimentos que estavam em sua caixa de pandora, lembrou-se num relâmpago que jamais deveria ter revisitado aquela caixa, ela continha todas as lágrimas e dores de sua vida... não era desgraça a noticia que recebia naquelas cartas, mas ao olha-las sua tristeza aumentava... não queria tê-las visto novamente, se perguntava porque ainda estavam ali, porque não havia tido a sensatez de jogá-las fora quando tudo acabou...
depois de inundar dois mundos e meio, depois de recordar o que há tempos tentava esquecer, SARAH pegou a primeira das cartas...

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