quarta-feira, 12 de maio de 2010

CIÚME, DE VOCÊ...

No rádio, "mais é ciúme, ciúme de você...", ela ouvia calada, não estava tão assim para cantar. 15 dias que ele não aparecia em casa. estava cansada. cansada de ter que subir na boleia pra poder passar horas junto. pra ter alguma coisa pra dividir. ter o assunto, ter o que contar e o que ouvir. de começo adorava, tudo era melhor, lembrava. o cheiro, o calor, a companhia, os assuntos, as novidades, as cotidianices. gostava de tudo o que estava dentro. se sentia parte do todo. depois ficou cansada. estresse, dizia. rotina estressante. excesso de cobrança, excesso de trabalho, falta de paciência, falta de infra estrutura. reclamações, uma atrás da outra. e mais delas, e outras. todas sempre parecendo a mesma. deixou de ir. gostava de estar ao lado, gostava do que fazia, mas deixou. voltou a rotina doméstica. casa, comida, roupas lavadas, pó dos móveis, roupa passada. voltava de pouco em pouco trocar as coisas da mala. despejava sobre a cama, de lençóis bem limpos e passados, nem ligava, depositava a roupa suja, fedida, poeira, suor, falta de banho. ela recolhia e colocava no cesto, tão simples. recheava com coisas limpas e bem passadas. não ligava. se colocasse esterco, de certo dava na mesma. mas ela elegera essa vida, fazia porque gostava. ela vivia entre o passado e o futuro. fazia planos, que se desfaziam com o presente. ausente. relembrava. quando começaram, ela botou até apelido nele. TIDINHO. gostava mesmo do cheiro, da textura, até o ronco. mas depois se afastou, já não tinha mais intimidade. era um estranho conhecido. dos 15 foram 2o, dos 20 para um mês fechado. depois a cada dois, cada três, quatro, subia de um por um. e depois dos cinco parou de contar. vinha de vez em quando. mas também já não fazia diferença. ela estava, impreterivelmente sozinha. e depois de tudo, como se já não bastasse, deu de fazer entrega meio perto. não dormia em casa quase nunca, mas vinha dias pro almoço, outros pro jantar, outro prum lanche, outro só para assistir ao jornal ou um jogo de futebol. o dinheiro estava entrando, dizia. chamavam a qualquer hora. e ele ia. satisfeito. seu trabalho, seu ofício. se sentia valorizado, de certo. virou um borrão na casa. cozinha, banheiro, quarto, cama, sofá, porta, porta, porta, porta. GARAGEM. lá era certo. estava quase sempre por lá. e a coisa foi indo, se arrastando. ela não fazia menção de briga ou qualquer tipo de reclamação. e o tempo. tempo e mais tempo. um dia o viu velho, gasto. ela não se via assim. ele passou a dormir na garagem. pensava que poderia ser chamado a qualquer momento. o serviço era eficiente e tão procurado porque era rápido. não queria ter que levantar, trocar de roupa, sair, fechar a porta, ligar o motor e só então sair. dormia dentro do veiculo. dali dava partida e se arrancava. começou a implicar com coisas que não faziam sentido. ela começou fazendo pouco caso. e aumento. dos dois lados. briga todo dia. na hora da novela. na hora do noticiário. briga por cima de briga, já não sabiam mais porque brigavam. chegou dia que não se suportavam. os vizinhos reclamavam, as brigas não tinham hora, incomdavam. ela sentou na mesa, sorveu um longo gole de café amargo e preto. procurou onde estava o conhecido. não encontrou, não tão rapidamente. molhou a boca novamente. tenho ciúme. ele na geladeira, fuçando. ci-ú-me. ele pegou copo, encheu de suco, sentou na mesa. entendo. antes era mais fácil, melhor, mais bonito, cheiro bom. depois a vida na estrada, pra lá e pra cá. sofrido, mais digno. depois só me lembro de ciúme. ciúme desses que torna as coisas impossíveis. ele coçou a cabeça, tomou gole. pensou bem na palavra, que não vinha. não queria que fosse desse jeito, tinha planos, futuro. tinha vontade de ficar, de ser como era pra ser, mas não tem jeito. deu suspiro, deram. é ciúme a minha doença. me corrompe. é o que tenho no momento. ele quase falou. ajeitou os cabelos que restavam no topo da cabeça. escolhi ficar com ele. pulou na mesa. susto, raiva, dor de barriga. ele? era o que restava aos que estava fora por muito tempo, um outro, o tal "ele". nem nome tinha, assim como já deveria ter esquecido o dele. quero que você vá embora, vou ficar com o tidinho. desentendimento. dos puros, dos breves. com o tidinho? é dele que tenho ciúme, meu filho postiço, meu amor, minha vida. quero estar na boleia todo dia, dormir ali dentro. nós, não faz mais sentido, pega a casa, o dinheiro no banco, compra outro. quero o tidinho. ele não soube se o tempo parou ali mesmo ou mais adiante. borrão. era tudo.

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