segunda-feira, 31 de maio de 2010

framboesas no jardim

tinha ele e tinha ela. ele do lado de dentro. ela do lado de fora. tinha ele e ela. do lado de dentro ele andava de um lado para o outro, tirava um mato daqui, uma erva daninha dali, mexia na terra, sujava as mãos, suava e entrava no fim de tarde. do lado de fora tinha ela, andava de um lado para o outro, trabalhava por perto, caminhava do ponto de ônibus até a empresa, voltava na hora do almoço, na hora de ir embora. se olhavam de canto de olho, nunca nos olhos, nunca mais do que alguns segundos. não sabiam porque não se olhavam, mas não olhavam e era o que bastava. o que encantava ele era a liberdade que ela tinha, solta, mundo à fora. à ela encantavam as framboesas, presas na planta, vermelha, apetitosas e alegres. desejava estar ali dentro. desejava estar ali fora. não se olhavam. o tempo alheio a tudo isso, passava. ela passou e não viu mais framboesas e muito menos ele. passou vários dias, olhando, cuidando, buscando aquele rabo de olho. nem nada. depois de dias passou a não olhar mais. num desses, chegou em casa, dormiu e sonhou. no sonhos estava ele, olhando nos olhos, desinibido, liberado. sentado num banco, na divisa entre o dentro e o fora. ela sentou ao lado. olhou para dentro e viu as framboesas, milhares delas, se aglomerando. não consegui tirar os olhos. depois de uma conversa que ela sequer conseguia escutar, tomou um fôlego de coragem e disse, não consigo entender como uma pessoa não come as framboesas do próprio jardim! ele, olhando ao redor, admirado, que jardim, que framboesas? todos os dias tenho que tirar essas milhares de erva daninhas que se acotovelam por ai. preferia a liberdade que você tem. espantada ela retruca, TRABALHO, minha prisão de todos os dias! eram janelas tão diversas, que seriam incompatíveis num mesmo mundo... numa mesma época...

Nenhum comentário: