segunda-feira, 7 de junho de 2010

era um convite para trabalhar em um restaurante ou uma nave espacial ou não fazer nada...

ele me veio com o convite, pra trabalhar em um restaurante. lavava todos os dias, de frio ou de calor, nos dias mornos, nos gelados, lavava, uma beleza, ele me viu, pela janela, passou de helicóptero, bem perto, rasante, me viu, lavava a louça de manhã bem cedo, todo os dias, jogou uma carta que era na verdade um convite, solene, letras douradas ou prateadas, dependia de onde se olhava, no convite dizia que eu estava sendo convidada pra lavar louças no seu luxuoso restaurante de uma comida caseira requentada, muito requintada. era chegar e lavar, sem afobação, sem drama, sem nada, nem detergente, nem esponja, sem nada. eu lavava a louça de casa, lavava todos os dias, de graça, sem graça, mas lavava. com convite, com letras brancas ou esverdeadas, papel fechado, selado. e acabei a lavação das que estavam na pia lá de casa, olhei no fundo, a água parada, não descia, não escoava pelo ralo onde me disseram um dia que era lugar de água escoada. tinha restos de comida e sonhos, os de nata. tinha restos de comida acumulada no fundo e não escoava. tenho nojo, eu respondi em papel timbrado. pena ter nascido tão pobre, não tem direito a nojo, não tem direito à nada, nasceu pobre ele me disse, não deveria ter nojo de comida restada. eu disse pra ela, menina pobre, pobre menina, não pode ter nojo, não de resto de comida e água. não podia ter nascido tão pobre, ele me disse. enriqueci numa sentada, da noite pro dia ganhei uma bolada e fiquei rica. continuei com o nojo, de comida, resto dele e água, caso precisasse sair dali depressa, caso precisasse de uma desculpa para largar aquele emprego e aceitar um que me fizesse rica da noite pro dia, caso precisasse aceitar emprego de lavadora de louças em restaurante ou cafézinho. cafézinho eu disse, prefiro trabalhar lavando louça em um cafézinho, tem pouca comida, quase nada. e lavei pratinho e colherinha e xicrinha e o resto de comida era tão pouco que era farelo, comidinha. terminava rápido, não que fosse esperta, não que os clientes fossem poucos, não que fosse rápida em lavar coisinhas, mas acabava rápido porque as naves da redondeza da praça quadrada eram apressadas, tinham seus horários, e eu, eu tinha que voltar pra casa. aceitei o convite pra trabalhar em uma nave espacial, todo dia, tinha que ser bem precisa, tinha que ter disciplina, mas eu tinha, tinha tudo, não precisava de mais nada. fiquei em casa, olhando o helicóptero que se aproximava e lançava tiros contra a minha janela e me acertava no peito e eu não respondia que sim e nem que não, ficava em casa. louça na pia esperando pra ser lavada, eu ficava em casa.

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