quinta-feira, 22 de abril de 2010

VOA QUEM PODE VOAR

ELA sempre ficava intrigada com uma porção de coisas. um dia cismou com os assentos flutuantes do avião. passou boa parte do vôo imaginando o que faria deles "flutuantes". depois de vários momentos observando e apalpando o assento, em busca de explicações, sentiu a necessidade de saber como funcionava. sabia que não poderia mais viver com a dúvida, e esse não era um dos mistérios com o qual queria conviver.
desde pequena, a história que mais gostava era de ìcaro, o que queria voar. ela, apesar do medo congelante que sempre teve encalcado em si, também desejava, no fundo, voar como um pássaro. logo pensou, se voa o avião inteiro, não há dúvidas de que flutua o assento. articulou um plano. mediu delicadamente todos os detalhes. abriu a grande sacola que havia trazido, retirou tudo de dentro e colocou sob seu banco. esperou a aterrisagem. esperou o desembarque da maioria dos passageiros. olhou cuidadosamente para ver se não havia nenhum comissário de bordo próximo. colocou a bolsa no ombro, arrancou o assento flutuante e colocou dentro da sacola em apenas um movimento. correu para fora do avião o mais rápido que pode. saiu do aeroporto à passos de gigante. não quis ir direto para casa. tinha planos melhores. foi até o centro da cidade. subiu no edifício de 40 andares. olhou tudo lá de cima. a mão dormente com o peso da sacola. abriu a porta do terraço. deixou a bolsa e a sacola no chão. vestiu óculos escuros. sorriu. saudou ìcaro. amarrou o assento flutuante no ventre com seu cinto. num gritinho pulou lá de cima com os braços bem abertos. sentiu o vento forte no rosto. sorriu de novo, agora com todos os dentes expostos pelo excesso de ar. bateu asas. lá embaixo juntou um povinho pra ver o que estava acontecendo. viu o chão cada vez mais perto. procurou em vão, em seu assento flutuante, um botão que a levasse novamente ao alto. o chão estava em frente. voltou a abrir os braços, desafivelou o cinto. sabia que os vôos não duram para sempre, logo estaria ao lado de ícaro.

Um comentário:

Bel disse...

Eu amei esse teu texto, sabias?
Essa inocência lúdica suicida. Essa curiosidade foraz.
Esses pensamento corriqueiros que se transformam em arte.
Tua técnica vem se lapidando e tuas jóias já reluzem, Aline.

Um beijo,
Bel.