quinta-feira, 17 de janeiro de 2013

COMO AMOR





COMO AMOR

Era bem saudável. Procurava seguir todos os bons conselhos de alimentação que via pela frente. Devorava as informações de revistas, programas de televisão, alias, nos poucos momentos em que assistia televisão, ia a consultórios médicos, folhetos, tudo o que pudesse alimentar aquela sua sede de saúde.
E se diziam que era bom andar, andava. Se diziam que agora o melhor era correr, corria. E se dissessem o que quer que dissessem, fazia. E a maioria não entendia porque perseguia tanto uma vida saudável, já que era uma pessoa de aparência extremamente salutar.
E a mania que tinha não deixava tempo para mais nada. Tinha alguns amigos, mas não eram tantos, mais os da academia, as secretárias dos médicos que visitava e assim por diante. Até que se apaixonou.
Agora não era preciso mais pensar. Era uma felicidade que alimentava o corpo e a alma. Era uma porção de coisas que deixavam a sua vida repleta de afazeres. Era um prato cheio para ser para sempre saudável.
E pelo tempo que o amor durou, não foi vista na academia, e sim nos parques, de mãos dadas. Nos consultórios nunca mais se ouviu falar dela, que agora frequentava salas de cinema. Sua preocupação era amar. O que fazia com o mesmo afinco das dietas de outrora.
A única coisa que a tirava do prumo era um certo sonho desprovido de imagens que tinha de vez em quando. Sonhava somente com uma voz, que não podia identificar de quem era e muito menos de onde vinha, dizendo “Tudo que é bom, dura pouco!” e nada mais.
Acordava suada, com a sensação do fim da sua sobriedade saudável. E tentava de todas as maneiras diagnosticar sobre o que se tratava aquele sonho. Mas nada acontecia. Não sabia, ainda que seu coração já intuísse, o que era.
E noutra noite, depois que o namorado a deixou em casa, sentiu-se agoniada. Dormiu estranha, mais ao contrario do que imaginou, não sonhou nada. Somente um aperto no peito, uma dor que parecia vir das entranhas.
Foi batata. No dia seguinte, recebeu a ligação do namorado, terminando tudo. Ele não prolongou a conversa. Disse que não queria. Disse que não dava. E deu ponto final desligando na sua cara.
Ela não fez outra coisa do que alimentar o rosto com lágrimas e mais lágrimas. E dia depois de dia, não fez outra coisa do que definhar, ficar seca de tanto chorar e de tanto não comer nada.
Era uma dor que ela sabia de onde vinha, mas não sabia como fazer parar. Mas que aos poucos foi ficando mais fundinha. E desse fundinho, era só de vez em quando que doía até chegar a superfície da pele.
Mas o medo que pegou de amar de novo foi o que mais forte ficou. Não queria de jeito ou maneira se entregar. Pois sabia que nada mais dura para sempre. Nem a eternidade. E o tempo passou tanto, que nem viu. E num momento que não se sabe qual foi, mas que temos certeza de que foi depois daquele amor, passou a assistir televisão compulsivamente. Viva nas telas o amor que deveria ser vivido fora delas. Sofria com elas, mas sabia que era só desligar o aparelho para se desligar da dor.
Assistia as novelas das seis, sete, nove, dez e as antigas que passavam na reprise das onze. Comprava revistas sobre novelas. Falava sobre novelas pela internet. Vivia naquele mundo da tele-visão.
Mas sabe quando depois de um tempo, uma certa coisa já não te satisfaz? Sabe quando você passa a mentir que esta tudo bem e na verdade não está? Era assim. Passava horas na frente da televisão, não comia direito, não saia de casa, era só grudada na tela. Definhando.
E então veio o estalo, num dos intervalos comerciais. Compreendeu tudo o que até agora não tinha entrado goela abaixo. A solução para todos os seus problemas. Na querida televisão, veio justo no chato intervalo comercial, a resposta que tanto queria.
E agora, ao assistir as suas novelinhas, tinha uma boa companhia para sua dor cristalizada. As duas no sofá, vivendo um sonho daqueles. E por mais que os outros reprovassem o seu comportamento. Por mais que dissessem que aquilo não era saudável, tanto fazia. Ela se sentia bem. Estava procurando e sabia que logo encontraria.
E como os dias passavam logo com aquela programação. As duas na frente da televisão. As duas vendo as novelinhas. As duas procurando o amor. É claro que não dava tempo de fazer muitas outras coisas. Mas as outras coisas poderiam esperar.
E quanto mais o tempo passava, mais redonda ficava. Ali, plantada naquele sofá. Que já tinha tomado o formato do corpo. Parecia até um abraço. Já eram quase um trio. Um quadril enorme. O dia todo sem se mexer.
A mãe gritava para ir um pouco na rua, no mercado, na feira, pra sair da frente da televisão. Mas ela negava. Queria ficar ali, aconchegada na procura do amor. Estavam todos da família preocupados. Tinha ganhado mais peso do que um bebê em começo de vida. Numa procura que só ela entendia.
E mais um dia. E mais comida. E mais uma procura vazia pelo amor. Era lua crescente, pronta para explodir. Mais ainda acreditava, sabia que chegaria o dia que encontraria, num desses pratos de comida, feitos com aquele tempero especial da propaganda, o tal do amor.

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