segunda-feira, 21 de janeiro de 2013

RE-COMEÇO





RE-COMEÇO



Tinham o mesmo trauma. E por mais estranho que pudesse parecer, tinham se traumatizado no mesmo momento. No começo não havia nada disso. Era uma alegria latente, uma felicidade simples que os fazia muito bem. Faziam coisas juntos porque gostavam. Estavam juntos e o tempo não era necessário. Nem o dele e nem o dela. Mas independente da vontade dos dois, o tempo passava largo.
E quando viram, o que foi já não era mais. Tinham uma pressa na vida. As coisas para fazer eram tantas e o tempo agora era o que mais faltava na vida deles. Mal se viam. Mal se falavam. E quando dava para um pouco mais, estavam mortos, de tédio, de cansaço, de todas as outras coisas que não eram amor.
Não sabiam se havia algo errado com eles. Ou se com todos era assim. O tempo passando de poro em poro e causando pequenos estragos imperceptíveis. Que depois de tanto ir de lá pra cá e de cá para lá, acabavam por comprometer toda a estrutura.
E quanto mais o tempo passava, menos se suportavam. Aquelas palavras todas estavam amareladas e já não refletiam aqueles sentimentos que ficaram sentados em um banco qualquer. Já não viam o de antigamente no outro. Já nem viam um ao outro. Era só o passar dos dias e nada mais.
O desgaste se tornou tamanho que já não era mais possível a máquina funcionar. E o estrago se deu dos dois lados. Tanto que não foi penoso para nenhum dos dois deixar tudo para trás. Dividiram meio a meio as fotografias e as coisas da casinha e foram cada um para um lado. Preferencialmente oposto. Para não ter que cruzar a linha que separava a liberdade dos dois.
E como sempre acontece. Para eles não foi melhor nem pior. Foi igual. Sentiram saudade. Choraram vendo filmes ou ouvindo músicas. Desabafaram com os amigos no bar. Desabafaram com as amigas na confeitaria. Pensaram nas mesmas coisas. Molharam as fotografias e quiseram juntar o mesmo álbum que sempre tiveram.
E depois de um tempo que nem souberam mensurar, voltaram. Estavam de volta! A casa era outra, mas eles eram os mesmos de sempre. Voltaram a esquecer do tempo. A fazer todas as coisas juntos. A sentir amor um pelo outro. A felicidade tinha vindo para ficar, sentada no sofá da sala.
Mas depois de um tempo. De novo ele. A comida começou a se repetir no cardápio. E as coisas estavam todas de volta ao mesmo lugar. A felicidade escorregou pela lateral do sofá, como um anel na mão de uma criança, estava perdida. As marcas no chão eram fundas demais. Seus pés já não tinham a capacidade de pisar, sem ser no mesmo lugar.
Mas desta vez uma coisa foi diferente. Eles não sabiam o que fazer. Sabiam que nada do que fizessem poderia dar certo. Sabiam que já não adiantava mais nem ir, nem ficar. Foram deixando a água escorrer. Eram a mesma coisa, o dia inteiro, a noite inteira. Faziam o que tinham que fazer e sabiam que isso era pouco, mas já não eram capazes de mais nada.
E num dia que ele já não sabia mais o que era e o que fazer dali pra frente, fez as malas no meio da tarde e saiu. Foi para um lugar que nem ele sabia onde ficava. Não deixou bilhete, não deixou nada. Jogou fora todas as fotografias e coisinhas que pudessem lembrar os dois. Apagou os rastros de um amor que já não era mais.
E quando ela chegou do trabalho, parecia que nem era a mesma casa. Já não havia nem rastro do amor desgastado dos dois. Alias, não havia rastro de que algum dia, naquela casa, haviam dois. Era só uma casa desprovida de afeto. Um imóvel.
Começou chorando e depois de recobrar o juízo, começou a procurar. Por todos os lugares possíveis e por fim os impossíveis. Ligou para todos. Policia, hospitais, fez o que sabia fazer, o de sempre. E depois de tudo, começou a duvidar da sanidade presente em sua cabeça e aceitar que ele nunca existiu.
E depois de dias e noite vazias, já não sentia mais nada. Nem de bom, nem de ruim. Ficou sozinha, já que achava que não sobreviveria a mais uma. Estava ficando mais e mais velha, e se via cada vez mais perto da solução. Ficar em paz e sozinha. Como todos os outros costumam ficar.
E quando dobrou um dessas esquinas que fazem as coisas parecerem maiores do que realmente são, deu de cara com um cara, que tinha uns olhos maiores do que o que há no mundo para se ver. Ficou com aqueles olhos grudados nos dela durante o dia todo. E quando se viu estava virando a esquina todos os dias, na esperança tola de reencontrá-lo.
E tanto fez que conseguiu. E os olhos dele entraram dentro dos dela. Ela os sentia passeando por lugares constrangedores. Mais ao invés de se sentir constrangida, sentia-se cada vez mais leve. E agora que já tinha lhe tirado os olhos, queria tirar-lhe um pouco mais.
E quando nem viu, já estavam namorando. Passando as mãos pelo rosto um do outro. E sentindo aquelas belezuras que ela nem sabia mais. E lá pelas tantas se deu conta do que estava fazendo. E as pegadas eram cada vez mais fundas.
Sentou na beirada da cama e decidiu que deveria dizer para ele. Terminar tudo. Contar tudo o que tinha vivido, do tempo que havia levado para voltar a ser quem sempre foi, e como infelizmente sabia o que seria dali por diante. Melhor assim, pensou antes de chorar duas ou três lagrimas.
Esperou sentada na sala onde ainda cheirava felicidade fresca. Ficou sentada tempo demais. Nem num dia, nem noutro. Ele não veio mais. Deve ter pressentido tudo. Deve ter sentido o mesmo que ela sentia. E voltou a ser sozinha. Por sorte não tiveram tempo para fotografias, um trabalho a menos.
E ele saiu de cena para fazer o que já sabia. Mudar cabelo. Mudar roupa. Mudar as feições que ela já havia decorado. Esperar o relógio correr, pra poder voltar, numa esquina ou numa reta. Os olhos, com lente verde ou cinza, eram os mesmos, esses não era possível mudar. E sabia que lá no fundo da alma dela jazia aquele amor deles, que só precisava recomeçar. E de novo. E mais uma vez. E até conseguir terminar com o tempo. Ele iria voltar.


(fonte foto: http://www.fredcunhanews.com/2012/03/fotos-antigas-os-casais-parte-1.html)

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