RE-COMEÇO
Tinham
o mesmo trauma. E por mais estranho que pudesse parecer, tinham se traumatizado
no mesmo momento. No começo não havia nada disso. Era uma alegria latente, uma
felicidade simples que os fazia muito bem. Faziam coisas juntos porque gostavam.
Estavam juntos e o tempo não era necessário. Nem o dele e nem o dela. Mas
independente da vontade dos dois, o tempo passava largo.
E
quando viram, o que foi já não era mais. Tinham uma pressa na vida. As coisas
para fazer eram tantas e o tempo agora era o que mais faltava na vida deles.
Mal se viam. Mal se falavam. E quando dava para um pouco mais, estavam mortos,
de tédio, de cansaço, de todas as outras coisas que não eram amor.
Não
sabiam se havia algo errado com eles. Ou se com todos era assim. O tempo
passando de poro em poro e causando pequenos estragos imperceptíveis. Que
depois de tanto ir de lá pra cá e de cá para lá, acabavam por comprometer toda
a estrutura.
E
quanto mais o tempo passava, menos se suportavam. Aquelas palavras todas
estavam amareladas e já não refletiam aqueles sentimentos que ficaram sentados
em um banco qualquer. Já não viam o de antigamente no outro. Já nem viam um ao
outro. Era só o passar dos dias e nada mais.
O
desgaste se tornou tamanho que já não era mais possível a máquina funcionar. E
o estrago se deu dos dois lados. Tanto que não foi penoso para nenhum dos dois
deixar tudo para trás. Dividiram meio a meio as fotografias e as coisas da
casinha e foram cada um para um lado. Preferencialmente oposto. Para não ter
que cruzar a linha que separava a liberdade dos dois.
E
como sempre acontece. Para eles não foi melhor nem pior. Foi igual. Sentiram
saudade. Choraram vendo filmes ou ouvindo músicas. Desabafaram com os amigos no
bar. Desabafaram com as amigas na confeitaria. Pensaram nas mesmas coisas.
Molharam as fotografias e quiseram juntar o mesmo álbum que sempre tiveram.
E
depois de um tempo que nem souberam mensurar, voltaram. Estavam de volta! A
casa era outra, mas eles eram os mesmos de sempre. Voltaram a esquecer do tempo.
A fazer todas as coisas juntos. A sentir amor um pelo outro. A felicidade tinha
vindo para ficar, sentada no sofá da sala.
Mas
depois de um tempo. De novo ele. A comida começou a se repetir no cardápio. E
as coisas estavam todas de volta ao mesmo lugar. A felicidade escorregou pela
lateral do sofá, como um anel na mão de uma criança, estava perdida. As marcas
no chão eram fundas demais. Seus pés já não tinham a capacidade de pisar, sem
ser no mesmo lugar.
Mas
desta vez uma coisa foi diferente. Eles não sabiam o que fazer. Sabiam que nada
do que fizessem poderia dar certo. Sabiam que já não adiantava mais nem ir, nem
ficar. Foram deixando a água escorrer. Eram a mesma coisa, o dia inteiro, a
noite inteira. Faziam o que tinham que fazer e sabiam que isso era pouco, mas
já não eram capazes de mais nada.
E
num dia que ele já não sabia mais o que era e o que fazer dali pra frente, fez
as malas no meio da tarde e saiu. Foi para um lugar que nem ele sabia onde
ficava. Não deixou bilhete, não deixou nada. Jogou fora todas as fotografias e
coisinhas que pudessem lembrar os dois. Apagou os rastros de um amor que já não
era mais.
E
quando ela chegou do trabalho, parecia que nem era a mesma casa. Já não havia
nem rastro do amor desgastado dos dois. Alias, não havia rastro de que algum
dia, naquela casa, haviam dois. Era só uma casa desprovida de afeto. Um imóvel.
Começou
chorando e depois de recobrar o juízo, começou a procurar. Por todos os lugares
possíveis e por fim os impossíveis. Ligou para todos. Policia, hospitais, fez o
que sabia fazer, o de sempre. E depois de tudo, começou a duvidar da sanidade
presente em sua cabeça e aceitar que ele nunca existiu.
E
depois de dias e noite vazias, já não sentia mais nada. Nem de bom, nem de
ruim. Ficou sozinha, já que achava que não sobreviveria a mais uma. Estava
ficando mais e mais velha, e se via cada vez mais perto da solução. Ficar em
paz e sozinha. Como todos os outros costumam ficar.
E
quando dobrou um dessas esquinas que fazem as coisas parecerem maiores do que
realmente são, deu de cara com um cara, que tinha uns olhos maiores do que o
que há no mundo para se ver. Ficou com aqueles olhos grudados nos dela durante
o dia todo. E quando se viu estava virando a esquina todos os dias, na
esperança tola de reencontrá-lo.
E
tanto fez que conseguiu. E os olhos dele entraram dentro dos dela. Ela os
sentia passeando por lugares constrangedores. Mais ao invés de se sentir
constrangida, sentia-se cada vez mais leve. E agora que já tinha lhe tirado os
olhos, queria tirar-lhe um pouco mais.
E
quando nem viu, já estavam namorando. Passando as mãos pelo rosto um do outro.
E sentindo aquelas belezuras que ela nem sabia mais. E lá pelas tantas se deu
conta do que estava fazendo. E as pegadas eram cada vez mais fundas.
Sentou
na beirada da cama e decidiu que deveria dizer para ele. Terminar tudo. Contar
tudo o que tinha vivido, do tempo que havia levado para voltar a ser quem
sempre foi, e como infelizmente sabia o que seria dali por diante. Melhor
assim, pensou antes de chorar duas ou três lagrimas.
Esperou
sentada na sala onde ainda cheirava felicidade fresca. Ficou sentada tempo
demais. Nem num dia, nem noutro. Ele não veio mais. Deve ter pressentido tudo.
Deve ter sentido o mesmo que ela sentia. E voltou a ser sozinha. Por sorte não
tiveram tempo para fotografias, um trabalho a menos.
E
ele saiu de cena para fazer o que já sabia. Mudar cabelo. Mudar roupa. Mudar as
feições que ela já havia decorado. Esperar o relógio correr, pra poder voltar,
numa esquina ou numa reta. Os olhos, com lente verde ou cinza, eram os mesmos,
esses não era possível mudar. E sabia que lá no fundo da alma dela jazia aquele
amor deles, que só precisava recomeçar. E de novo. E mais uma vez. E até
conseguir terminar com o tempo. Ele iria voltar.
(fonte foto: http://www.fredcunhanews.com/2012/03/fotos-antigas-os-casais-parte-1.html)
Nenhum comentário:
Postar um comentário