sexta-feira, 4 de março de 2011

pela janela. um sonho.

teve um sonho premonitório. acordou aos prantos. suando. repetia baixo, por entre os dentes, que não queria morrer, que não queria morrer. passou dias com dificuldade de aceitar. com dificuldade de digerir o que quer que fosse. passou dias perdida naquela premonição. teve grande dificuldade de aproximar-se dela. era a causa de seu desgosto, de sua tristeza, do fim de sua vida. perdia muito em não se aproximar, mas preferia. premonizara sem saber quando. premonizara apenas como. preferia nunca mais chegar perto, achava que poderia assim se livrar da desgraça que as unia. depois de dias, quase esqueceu. como tudo, aquele sonho passou. não que não se lembrasse mais do seu destino anunciado. mas conseguia pensar melhor, conseguia ser novamente a mesma pessoa. passou uns bons tempos sem se preocupar. e depois voltou a procurá-la. a observá-la de perto, encostada, debruçada. voltaram as boas. mas um dia, lendo o jornal, viu uma noticia que a deixou agoniada. uma moça havia sido empurrada da janela, do décimo terceiro andar, morreu espalhada pelo chão. lembrou-se de tudo. do pranto. da dor. do sonho. sentiu os ossos todos do corpo se quebrando. sentiu suas carnes espalhando-se pelo áspero asfalto. sentiu pena de si mesma. passou a noite seguinte acordada. tinha medo de um sonho ainda mais revelador. medo de sonhar confirmatóriamente. mais uma vez, percorreu o mesmo caminho. o da auto piedade. o do afastamento. a agonia latente. depois de não suportar mais, resolveu sentar á mesa e conversar consigo mesma. nunca havia feito isso, mas viu uma vez num filme e achou que funcionaria. e nesta conversa revelou-se a suposta verdade daquele sonho e de todos os seus entorces. não era a morte que temia. ela era certa. e certa não só para ela. o que a deixava dias sem poder sequer levantar da cama, congelada por uma força distante, era a espera. saber que ia morrer era dolorido, mas não saber quando era mais ainda. começou a forçar a mente, viver para relembrar aquele sonho. tentar extrair da memória qualquer informação que pudesse levá-la ao dia certo. errado. era duro rememorar a mão que a empurrava, as costas sendo levadas para frente, o quadril girando, as pernas flutuando, o vento no rosto, os cabelos tampando a visão, o baque surdo do corpo no solo e a dor rápida e enlouquecedora que tomava conta dela num segundo, para depois partir para o nada. era dolorido. mas preciso. não tanto quanto ela gostaria.
numa outra manhã dessas, teve a ideia que lhe acendeu a mente, tomou novo fôlego. foi até ela e olhou. olhou com toda firmeza que era possível. fechou os olhos na sua frente. tentando rever cada segundinho daquela visão do futuro. abria os olhos de supetão, chegava a sentir a mão que lhe tocava as costas. mas estava ali. ainda estava. fez isso todos os dias durante meses. se aproximava, encostava, fechava os olhos. num dia chegou a abrir os braços. e nada. o nada era rotina por aquelas bandas. degrigolou-se. os cabelos desgrenhados, as mesmas roupas de sempre, não comia quase nada, nem água bebia. tudo que fazia era se aproximar dela. tudo o que fazia era rememorar o irrememorável. sem perceber colocou seu sonho nas mãos e tomou posse dele como se fosse um lote de terra. sem perceber cumpriu seu sonho. sem perceber, não suportou mais a espera da morte que não chegava nunca. acordou como todo dia comum, foi até ela e impulsionou como se lembrava. teve que imaginar a mão, e de tanto que o fez chegou a dar uma leve olhada para trás e vê-la, empurrando suas costas. recordou com precisão que era tal qual havia sonhado. as costas se dobrando, o quadril girando, o desequilíbrio, os pés que procuram um chão não mais possível. era tudo perfeitamente como ela havia visto. somente uma coisa lhe foi revelada no último momento. um instante antes do nada previsto, conseguiu ver um ângulo que no sonho não era possível. olhou para ela de fora. e se viu emoldurada. com a mão ainda esticada, típica de quem empurra.

Um comentário:

Douglas Daronco disse...

Nana!!!!
Salvador tá fazendo muito bem a você. Eu acho que o melhor suco não sai nas primeiras espremidas.....
Abraços