sábado, 9 de fevereiro de 2013

A DEDICATÓRIA



A DEDICATÓRIA



Entrou na loja com o único intuito de comprar um livro. Que seria trocado mais tarde por um ingresso para leitura beneficente. Não estava interessada em nenhum título em especifico, qualquer um serviria desde que o preço fosse atrativo. Um funcionário direcionou-se a ela, e perguntou: - Posso ajudá-la? E ela com as maçãs levemente rosadas, que aparentavam um sublime pudor, mas que na realidade eram reflexo da correria do dia, respondeu: - Boa tarde, gostaria de um livro, clássico, talvez até de teatro, porém com um preço acessível. O rapaz se mostrou solicito, encaminhando-a a uma estante repleta de bons clássicos. Fez-lhe a observação de que ficasse a vontade e que se precisasse de ajuda era só chamá-lo. Ela olhou por alguns minutos os pares de livros, e lembrou-se de que não tinha muito tempo para escolher. Viu então um clássico da historia do teatro francês e consultando o preço, que era mais do que atrativo, resolveu levá-lo. Chamou o atendente, que a encaminhou até o caixa, com a recomendação de que deveria voltar mais vezes. O que a deixou realmente corada. Pagou pelo Molière e saiu, certa de que já estava mais do que atrasada.
No caminho para o compromisso, que gerou a visita ao sebo, recebeu uma ligação que provocou em seu peito, um turbilhão de emoções. O dia havia sido tão cheio de compromissos, que esqueceu que havia prometido a sua mãe, buscar bolo, salgadinhos e afins para a festa de aniversário de seu pai. Respondeu a mãe que estava a caminho, dando disfarce ao seu esquecimento. Partiu para a panificadora, que para sua tristeza, era quase do outro lado da cidade. Chegou o mais rápido que pode. Quase gritou com uma atendente, que ficou falando ao telefone, ao invés de atendê-la. Quase gritou com todos os presentes, tamanha era sua urgência e necessidade de estar em dois ou mais lugares ao mesmo tempo. Desafiando as conhecidas leis da física. Conseguiu ela mesma, carregar as encomendas para o carro, e saiu apressada. Chegando a sua casa, foi logo dispondo o lanche na mesa e chamando a mãe, pai e convidados para cantar o “Parabéns”. Alguns até estranharam, outros atribuíram ao fervor e pressa típicas da tenra idade. Cantou junto aos pais, aguardou que o aniversariante apagasse as velas e por fim, jogou dois ou três salgadinhos na boca e despediu-se correndo. Não sabia se chegaria a tempo.
Entrou no carro e por alguns segundos parou, olhando com seriedade o livro. Lembrou do tempo, que por fim não pára, e saiu tão rápido quanto um fio de cabelo ao vento. Buzinou varias vezes durante o caminho, que parecia longo demais. O trânsito era lento, as pessoas pareciam sem pressa, e ela contando cada segundo ao relógio. Lembrou-se, não uma nem duas vezes, que dirigir, de fato, não era de suas habilidades, nem a melhor e muito menos a mais apreciada. Enfim, chegou ao local do evento cultural. Enfiou o carro em um estacionamento próximo e saiu em carreira disparada para o teatro. A alguns metros de distancia, procurava sinais de colegas e conhecidos, para ter a certeza de que o espetáculo ainda não havia começado. Eram 19 horas e 10 minutos cravados. Temia não poder mais efetuar a troca de ingressos, que já sabia, eram procuradíssimos.
Quando adentrou ao saguão, avistou colegas aglomerados em sofás e poltronas, junto a uma parede com a arte de Potty. Não teve ao menos tempo de apreciar àquela bela visão. Suas palavras saiam em meio profundas inspiradas e expiradas sôfregas. Estava exausta. Cumprimentou de maneira rápida e já se ateve a pergunta dos ingressos. – Escute, vocês já estão com seus ingressos? Será que ainda tem algum? Gente que correria! Ofegava. Poucos responderam que tinham. Os demais estavam na esperança de que a tutora da turma pudesse interceder por eles. Ficou ainda mais preocupada, porém com a certeza de que não estava sozinha, do lado de fora do espetáculo. Era uma moça ainda muito jovem, com cabelos negros e profundamente lisos, herança de seus ancestrais orientais. Orientalidade que lhe trazia lindos e vivos olhos puxados e uma pele clara como a neve, a face rosada pelo frio e pressa. Um sorriso repleto de dentes marfinosos. Sorriso largo e aberto, sorriso urgente. Mãos irrequietas, quase italianas. Expressavam-se muito mais as mãos, do que as palavras, em certos momentos. E a voz de flauta doce, aos ouvidos dos mortais. Sentou-se em um dos sofás, estava realmente cansada. Aguardava a chegada da tutora, para dar-lhes o parecer. Deixou-se levar pelos assuntos alheios que surgiram, quase querendo apenas ouvir, sem ter que falar.
Ouviu longe alguém, que não pode nem reconhecer, perguntar-lhe: - Nossa, será que vejo um clássico de Molière, passeando por aqui? Demorou alguns segundos para responder, localizou-se primeiro. Encontrou quem proferira a pergunta. – Sim, achei que seria mais conveniente num evento como este trazer um clássico. – Nossa, muito aplicada você. E ela: – Na verdade fiquei com receio de passar vergonha. Sei lá... Imagine se chego com um livro qualquer e sou repreendida na frente de todos. Sou cheia de manias. E sorriu largamente. O que fez os demais sorrirem também, ainda que não inseridos no contexto.
Nisso surge a tutora, quase irreconhecível, diante dos pupilos. Pararam quase de imediato, e os que não se acharam imóveis, ficaram perdidos, tentando achar o motivo para a paralisia dos demais. A tutora adentrou ao salão, tão cheia de vigor, que parecia caminhar numa marcha de vitória. Era trazida por um par de sapatos pretos, que pareciam ter sido tirados de uma boneca adulta, eram intensamente negros e brilhavam de lustro. As pernas delineadas eram cobertas por uma malha preta e elástica, que as faziam movimentar-se com certo bailado, apesar dos passos firmes. Um short, blusa rubra de lã quentinha e um cachecol, completavam o conjunto da obra. Os cabelos igualmente rubros, sedificavam tudo por onde passavam. Tinham as pontas em posição de sentido militar, todas viradas para fora. Os olhos eram vivos, com um brilho quase incomum, e a boca carmim. Cada qual olhava por seus próprios motivos de admiração, mas o que de fato não faltava, era admiração intensa. Logo surgiram os comentários pertinentes. – Nossa... – Fi-fiu...
– Nem reconheci... – Está linda... E assim seguiram-se, até que ela fez o comentário que estava sendo esperado por quase todos. Para reparo dos presentes e como não poderia deixar de ser, a fala começou com uma gargalhada daquelas. – Hahaha...Então, estão todos já com seus convites em mãos? Logo as palavras se atropelavam, queriam falar todos ao mesmo tempo. Outra gargalhada, boa, leve, suspirante. – Calma gente, eu não consigo escutar, muito menos entender. Perceberam, e por eliminação, de maneira imediata, um interlocutor, explicou a situação. – Quase ninguém tem convite, achamos que a troca de ingressos seria ás 19 horas. Mas informaram que começou ás 18 horas e trinta minutos depois já estavam esgotados. – Não acredito, que isso gente... Seu jeito de ficar nervosa era tão calmo, quanto sorridente, havia até uma gargalhada brava, quase não acreditávamos. – Vou resolver isso já, não se preocupem. Ficaram todos esperando e as lamurias eram gerais.
     Como nem só de reclamações se perfazem as conversas, uma nova observação e um pedido, em relação ao livro de Molière. – Será que posso dar uma olhadinha nesse clássico? E ela ainda longe: - Claro que pode. E esticou a mão com o livro, e parecia não ter a intenção de sequer olhar. Mas no momento em que sua mão foi ao encontro da solicitação, sentiu um aperto no peito, quase que se estivesse sendo separada de um ente querido. Parou a mão no caminho, olhou profundamente para o exemplar. Quis quase trazê-lo de encontro ao peito e apertá-lo forte. Não quis parecer insana. Entregou-o a contragosto. O receptor abriu-o com um enorme respeito e um também enorme cuidado, dedilhando as páginas com carinho e admiração. Folheou as primeiras e logo comentou. – Nossa, tem até dedicatória. Ela foi levada a olhar, ainda que estivesse com os pensamentos bem longe dali. O olhar que surgiu ao comentário foi tal qual tivessem chamando a menina pelo nome, em voz alta. Ela olhou com aflição para o livro e para a mão que o segurava. Num salto foi de encontro à mão e tomou-lhe o exemplar.
    Sentou-se novamente, e o rapaz que até então estava com o livro, olhou sem entender nada. Não teve cuidado e muito menos respeito pelas folhas que compunham a obra. Saiu folheando rápido para achar a tal dedicatória. Chegou ao local, onde estavam as palavras escritas em letras miúdas e manuscritas, com caneta azul esferográfica. Parecia que as letras brincavam de ciranda no papel. Estavam embaralhadas para suas vistas. Apertou ainda mais os olhos e respirou quase suspirando. Parou. Chegou a fechar os olhos e tornou a abri-los. As letras cessaram a brincadeira e tornaram-se legíveis. Ela leu uma vez em seus pensamentos e não se conteve, tornou a lê-la em voz alta e quase gritada. Os presentes, colegas e demais que estavam naquele saguão foram obrigados a fita-la, com certa surpresa. E ela em bom tom disse: - “Madeleine, que este livro seja o candelabro a iluminar seus caminhos artísticos e sua vida daqui para frente. Sei de sua ânsia pelas artes e suas vontades de atriz e diretora, logo, espero que Molière lhe ajude a trilhar o melhor caminho que puder. Com carinhos e muito amor, Clara Poquelin. Setembro de 1837”. Terminou com olhos rasos d’água e sentou-se como se estivesse em um transe. Todos pararam de olhar, alguns a julgando louca e outros apenas excêntrica, houve até os que pensaram que fazia parte do espetáculo, que começaria em alguns minutos. Ficou abraçada ao exemplar, até que a tutora apareceu e começou a recolher os livros para trocá-los pelas entradas. E ela ali, sentada e abraçada com o livro. Chegou sua vez de entregar o exemplar. Não cedeu, continuou abraçada as paginas amareladas. Vendo que a tutora insistia em recolhê-lo deu uma desculpa impensada. – Ah, estou com certa pena. Sei que não devemos nos apegar as coisas materiais. Mas na hora em que peguei o livro em minha biblioteca, não percebi que se tratava deste livro. Não gostaria de me desfazer dele. E a tutora, ainda mais delicada do que de costume. – Tudo bem, sei como são essas coisas. Tenho um exemplar sobrando, caso algum aluno esquecesse. Vou emprestá-lo a você. E ela não conteve um sorriso de salvação.
    Foram todos chamados a entrar na sala de apresentações e ela foi também. Braços cerrados em torno do livro, como se carregasse uma cria. Sentou-se em uma das cadeiras vagas, pôs o livro no colo e o acariciou, como se lembrando de alguém. O colega que presenciou tudo, a olhava, com certa inquietação. Não sabia o que pensar, de livro comprado ao acaso em sebo, transformou-se em exemplar de biblioteca particular, e tantas caricias ao pedaço de papel. Acreditou que nunca saberá o que se passa pela cabeça das pessoas. Nunca irá entendê-las. E ela passou o espetáculo todo, com o dito no colo, sendo acariciado incessavelmente, e ele passou o espetáculo todo, observando a cena e tentando dar desfecho ao caso.
   Ao termino da peça, saiu correndo do teatro, sem despedir-se de ninguém. Foi observada por mais de um dos presentes. Entrou em seu carro e colocou o livro, com o máximo de cuidado em cima do banco do passageiro, olhou por longos minutos, sorriu sozinha, não disse uma palavra sequer. Seguiu para sua casa, ao entrar, não deu importância a ninguém. Subiu para seu quarto, com o livro nos braços. Chegando ao quarto rosa, colocou o livro em cima de sua cama e olhou mais de uma vez. Ligou o rádio, escolheu a música favorita, sorriu para si mesma e para o livro, dançou para os dois. Pegou-o novamente e dançou com ele, rodopiou pelo quarto, como se estivesse abraçada ao seu par ideal. Dava gargalhadas, sorria, cantava, tudo com o livro em evidência. Sua mãe ouviu ao longe as risadas e foi participar da alegria da filha. Viu-a rodopiante com um livro nas mãos, não quis interromper, encostou novamente a porta do quarto e saiu, e ela permaneceu lá, feliz. Por várias vezes se jogava na cama, elevava o livro, balbuciava algumas palavras para ele e tornava a dançar. Passou algumas grandes horas nesse estado. Esqueceu quem era nesse estado. Fez um mundo para ela e o livro. Adormeceu com o livro ao seu lado, um sorriso nos lábios e seu mundo ao redor, rodando. Sua mãe foi até lá para vê-la, esticou por cima de seu corpo um cobertor, beijou-lhe a face e a viu dormir feliz.
    Acordou no dia seguinte e por outros tantos sem vontade de sair do quarto. Estava feliz. Tinha sua música, seu livro, sua dedicatória, sua vida. Estava feliz. Sua mãe e seu pai se preocupavam, estava sempre na rua, com amigos e vizinhos, tinha sua vida. Estava agora há dias em seu quarto, com um livro que a acompanhava em tudo. Estava sempre a ouvir as mesmas músicas, dançava insanamente, quase nada comia. Dormia tarde, acordava quase ao meio-dia. Parecia feliz, dizia estar feliz. A família com pensamentos funestos. Ela com pensamentos desconhecidos. A preocupação aumentando, a visita de um médico da família. O diagnóstico, saudável, não aparentava doença alguma, pediu exames de rotina, solicitou uma visita de um psiquiatra, apesar de feliz, não aparentava depressão, coisas da idade, dizia ele. A mãe a levou ao laboratório, com o livro a tira-colo, fez os exames necessários, voltou para casa. Ligou sua música, dançou e sorriu, riu a tarde toda, em conversas cochichadas com o livro. Volta e meia abria-o na página em que havia uma dedicatória, sorria e chorava ao mesmo tempo. Beija a página, repetidas vezes. Dançava. Deitava-se na cama, de barriga ao vento e com os braços no ar, o livro sendo admirado pela milésima vez. A mãe sentia um aperto no peito e chorava na porta do quarto rosa. Ela sequer notava a presença da mãe. Estava feliz.
    O psiquiatra recomendado pelo médico da família veio visitá-la, foi recebido no quarto da garota. Fez inúmeras perguntas, que foram respondidas com total displicência. A mãe já havia comentado sobre o livro, o psiquiatra pediu para vê-lo, ela mostrou de longe, não permitiu que tocasse. Tentou observar sinais de depressão ou o uso de drogas, foi tirada do quarto, e o médico investigou cada canto do rosa. Nada encontrou. Não era depressiva, não usava drogas, estava feliz. O médico sugeriu uma doença rara, que poderia ser genética e que causaria demência nos pacientes. Os pais não aceitaram, era muito jovem e de família muito saudável. Choraram abraçados, sofreram junto, e ela em seu quarto, feliz como nunca.
    Abandonou a faculdade de Direito, já estava quase por se formar. Esqueceu todas as atividades que se passavam do lado de fora daquele quarto rosa. Largou as aulas de teatro que tanto elogiava, nunca mais foi vista pelos colegas de lá, e não se importava, tinha seu livro, sua dedicatória. A tutora por vezes comentava sua desistência, ao fazer a chamada recordava seu rosto e comentava aos demais. Jean Paulo, seu colega que presenciara o episódio do dia do teatro ficou com certa impressão e resolveu procurá-la. 
    Descobriu endereço e telefone, ia sem avisar, mas achou melhor certificar-se. Ligou e ouviu sua voz um pouco envelhecida, parecia de fato a colega, uns anos mais madura. Descobriu por fim que era sua mãe, explicou que a conhecia da turma de teatro e que estavam todos sentindo sua falta. Marcou uma visita no fim da tarde. Era terça-feira, era calor. Saiu de seu trabalho e foi ao endereço que tinha em mãos. Ao chegar tocou a campainha e foi recebido por uma jovem senhora, muito parecida com sua colega. Disse à mulher que gostaria de visitar Julie. Ela sorriu, sabia de quem se tratava, convidou-o para entrar e não perdeu tempo em chamar a filha para a sala. Sabia que ela não sairia de seu mundo rosa. Encaminhou o colega até o quarto da filha e ficou na porta observando a cena. Ela não o viu entrar, estava ouvindo a mesma música de sempre, rodopiava como sempre, parecia bem feliz. Ele entrou, sentou-se a penteadeira e apenas fitou-a. Depois de algum tempo ele interferiu em seus rodopios, chamou-a de Madeleine. Ela de pronto atendeu-o, sua mãe, na porta do quarto espantou-se. Jean Paulo a olhou e ela retribuiu o olhar. Aproximou-se a passos lentos e sorriu ainda mais. Chamou-o não de Jean Paulo, e sim de Clara Poquelin, sorriu novamente. Correu para seus braços, abraço-o e beijou-o com fervor apaixonado. Dançou, brincou, balbuciou outras palavras, que nem ao menos Jean entendia. Gargalhava e dizia-se muito feliz. Por fim largou o livro e rodopiou com Jean por todo o quarto, a música já havia acabado. Estava feliz.
Jean já havia ouvido falar no livro de Molière que tinha sido enfeitiçado há mais de um século, não pode acreditar. Muitos anos atrás uma pobre bruxa ficou enfeitiçada pelos encantos de uma garota branca como a neve, com um sorriso tão largo que poderia alcançar as duas pontas do mundo. Viu-a dançar rodopiante em uma festa. Encantou-se de tal maneira que desejou ser a própria garota e ter sua beleza para si. Tentou por dias se fazer linda e sorridente como a jovem, sem sucesso. Era velha e feia, dominada pela carga de suas magias, envelhecida pelos seus feitos de maldade. Não era uma bruxa de contos de fadas, dessas que tem um caldeirão e uma verruga na ponta de um nariz obtuso. Era apenas uma mulher comum, com a face marcada por inúmeras rugas e tristezas. Sua magia baseava-se em frases ditas em momentos de loucura e inveja, desejava possuir o que era alheio. Perseguiu a menina por tempos, até que cansada de tanta perseguição a menina lhe trouxe um espelho e uma flor. Disse-lhe que a beleza vem de onde não podemos ver e entregou-lhe o espelho e a flor. Ela não pode entender a pretensão da menina, olhou a flor, que de imediato murchou em suas mãos e olho-se no espelho que rachou em milhares de pedaços. Ficou inundada de ódio, escreveu com palavras doces em um livro muito apreciado pela menina, uma dedicatória enfeitiçada. Colocou novamente em suas coisas e esperou. Depois de algum tempo correu o boato na cidade, de que a linda menina que vivia dançando nas festas com alegria e satisfação jazia louca em seu quarto, abraçada a um livro. Ela em voz mais do que alta exclamou a todos: - Ficará até o fim dos seus dias presa a sua beleza e alegria em seu quarto rosa, que será seu mundo. Gargalhou maldosamente e saiu. Nunca mais foi vista. A menina enlouqueceu cada dia mais, apesar da visita quase diária de médicos, curandeiros e amigos. Deitou-se um dia para dormir abraçada com seu livro e nunca mais despertou. Não envelhecia, não acordava, não morria. Um dia sua mãe tentando acordá-la retirou de seus braços o livro e jogou-o contra a parede. Sua filha envelheceu 100 anos em alguns minutos e pereceu. A mãe se achando culpada pela morte da filha, fugiu de casa e da cidade, tentando se esconder do mundo. O feitiço se manteve naquele livro e se reavivaria a cada menina alegre e bela que o tocasse e lesse sua dedicatória com o coração.
Jean tinha certeza, Julie estava enfeitiçada. Continuou bailando com ela e murmurou a sua mãe para que lhe trouxesse uma bacia, álcool e fósforos. Em poucos instantes, tinham no meio do quarto rosa, um clássico se transformando em uma grande fogueira. Julie se aproximou com os olhos chorosos da fogueira, como que se despedindo e direcionou-se a cama. Caiu em um sono profundo. A mãe, desesperada, achando que a filha havia morrido, correu para acudi-la. Jean Paulo conteve as lágrimas da mãe e saiu, fechando a porta do quarto, com a menina dentro. Recomendou a mãe que não a incomodasse, o tempo vai passar, explicou ele. O tempo estava passando, dias penosos em que a mãe via a filha em sono pesado no quarto rosa.
    Após 30 dias de sono profundo, em uma manhã fria de inverno, desce a escadaria, se junta à família no café, a menina. Para na escada por alguns momentos, olha para a família, suspira alto. Desce degrau por degrau, sorri largo, cantarola, boceja. A mãe olha com ternura e lágrimas que lhe inundam a face. Os demais demonstram alegria e fé. Ela comenta: - Esta noite dormi como uma criança. Papai me desculpe por não ter participado mais de sua festa ontem. O dia foi exaustivo. E vejam se não me deixam dormir até tarde amanhã. Tenho afazeres fora desta casa. Riu com toda a sua jovialidade. Sentou-se a mesa e comeu com apetite voraz. A mãe se levantou, lhe beijou a face rosada e se dirigiu ao telefone. – Sim ,Jean, agora está tudo bem. Ela enfim acordou. E ele admirado, pois ainda não podia acreditar. 

– E ela parece saudável?    

– Parece feliz...

Um comentário:

Víctor Hugo Barrientos disse...

Que belo conto, fazia tempo que não lia algo tão saboroso de se lér, uma narrativa muito dinâmica porem muito detalhista criando um gosto integral do que se descreve. Obrigado por compartilhar, Parabéns!! F. Víctor H.B.