sexta-feira, 1 de fevereiro de 2013

Quem bate.

Você sabe quem bate a sua porta? Sabe quando alguém realmente importante vai bater? E se bater, você atende? Trata bem? Oferece a sua comida? Sua cama? O seu amor?
Amor não é para todos... Há os que sabem dar e aqueles que só sabem receber. E esses que só recebem, são os que mais querem. Sempre mais.






Hoje de manhã a primeira coisa em que pensei é que alguma coisa boa "vai" me acontecer. Não por querer programar o universo, nem por querer espalhar bons fluidos por aí. Pensei porque foi o que me ocorreu logo cedo, mais como uma inspiração do que como aspiração. E então postei isso numa das tantas redes sociais.

E na hora do café, para meu pequeno espanto, escutei um gato miando em algum lugar não muito distante. Mas eu moro no 19º andar. Continue comendo e o miado não parou. Precisei abrir a porta para garantir que não estava ficando louca. Confesso que abri com aquele medo de não haver gato nenhum.

Mas para minha grata surpresa, havia sim, um filhote. Desses filhotes malhados, com cinza, preto, caramelo e branco, que mais parecem um filhote de tigre. E assim que eu abri a porta, como uma visita infantil, ele entrou se nem pestanejar. E já foi olhando tudo, cheirando tudo, iluminando tudo.

Meu olhos só conseguiram refletir aquele brilho. Um gato. Um filhote. No meu apartamento em Salvador, no penúltimo andar. Compreende?

E então, como minha mãe, já fiz aparecer um bom potinho com leite fresco. Sim. Na minha casa os gatos sempre tomaram leite e nunca morreram por isso, senão de felicidade. E já começamos a nos entender. E ele começou se trançando pelas minhas pernas e depois indo de cômodo em cômodo, sem causar nenhum incomodo. Ao menos não para mim.

Ele estava procurando alguma coisa. Cheirando as coisas, querendo sair pelo espelho do corredor, olhando pela janela. Não, ele não estava perdido, estava procurando. Mas procurando o que? Posso até chutar, mas não acredito que algum dia poderei saber. Então conversamos um pouco e eu tentei bater algumas fotos e ele tomou um pouco de leite e deu alguns miados bastante sofisticados para um filhote.

Ele era alguém. Alguém que estava visitando um outro alguém. Alguém que queria dizer alguma coisa que eu não consegui, ou consegui e não percebi. E foi mágico. Uns minutos e nada mais, como a vida costuma ser.

E então eu abri a porta para que ele tivesse a possibilidade de escolher ir ou ficar. Então meu marido reclamou do barulho, a alegria, do pelo, ou sabe-se lá de que. E eu, prolongando cada segundo, continuei conversando, observando e tentando ver o que esta oculto. Um amigo oculto. Daqueles que nos deixam numa curiosidade enorme e ao mesmo tempo numa alegria arrebatadora de querer e não querer saber.

E então ele parou no capacho, olhou para mim, ficou um tempo me testando e entrou de volta, com a porta aberta. E continuou sua investigaçãozinha que me fazia rir. E depois que tudo estava assim-assim entre nós, mais um reclamo, mais um, e resolvi que ele tinha que ir. Era um menino.

Peguei ele no colo e ele imediatamente ronronou para mim. E só quem já teve um gato em sua vida sabe o que um mero ronronar significa. (Ronronar é o EU TE AMO dos gatos... Só que melhor) E se deixou levar sem reclamar de seu destino de mimimi.

E assim que soltei ele no corredor, ele voltou e me pareceu que eu o vi sorrir. Que bobagem, não é, os gatos não sorriem. Nós, seres humanos conscientes do que é felicidade é que sorrimos! E então com o coração não menos partido do que quando eu parti, o peguei de novo e me pus a descer a escadaria e o coloquei no chão num dos últimos degraus. Ele me olhou, se jogou no chão aos meus pés e com a barriga para cima pediu um adeus, que eu não pude deixar em branco.

E o tigrinho foi descendo as escadas da vida dele e eu subindo as da minha vida. E a impressão que ficou é que quanto mais eu subia, mais baixa me via. E não contive o choro ao ver que ele ia, assim como uma criança que você deixa na porta da escola lá pela segunda semana de aula e que já sabe, mesmo na sua pequenez de tamanho, o que tem que fazer.

E fechei a porta implorando para ouvir seu miado de volta, mas ele não voltou. E se voltou não miou. E joguei fora potinho de leite ainda fresco e ainda cheio. E fui chorar na cozinha, não por ele, por mim. Ele é livre.

E sentei no sofá intrigada com o aparecimento de uma visita tão inusitada, numa manhã de sexta, num apartamento solitário do decimo nono andar, de uma cidade que não é de ninguém.



Esses dias eu postei numa dessas tantas redes sociais que um dia eu iria ter um gato, mas só não sabia que dia ia ser esse. Eu ainda não sei. Alias, sei menos do que sabia ainda ontem.


P.S. Depois de vinte minutos chorando, resolvi vê-lo novamente, para saber se estava na escada, se estava na garagem. Desci os dezenove andares de escada e mais do quatro de garagem. Ele não estava em lugar nenhum. E se eu o encontrar de novo, será muito divertido. Mas se não encontrar, ficara na memória um dia de pequenos milagres, que eu ainda não consigo compreender.


Amém.