quarta-feira, 18 de novembro de 2009

experimentação

eu ando pensando numa proposta, e quando a mesa estiver posta eu vou declamá-la em alto e bom som, talvez não seja de bom tom fazer essas declamações assim, com a mesa posta e no prato principal uma posta recheada de amarguras... ando pensando umas coisinhas, umas especificações, uma degradações, umas ões, ando pensando em voz alta pelas ruas da cidade inteira, ando ficando grudada nas paredes por onde passo, paço, liberdade, flores e ruas, ando andando por ai sozinha, com meus botões ou sem eles, ando... e quando chegar a hora não vou me recolher numa rádio amadora e falar por ondas, quando chegar a hora e ela certamente chegará, já que o tempo não para de nos rodear e nos perguntar as horas essa hora vai chegar e eu desta vez não me atrasarei, chegarei mais cedo pra me preparar para quando a hora chegar... estarei sobre o palanque, banhada de suor e maquiagem, estarei de figurino pronto ou quase pronto e pronto será chegada a minha hora de falar ao vivo e em muitas cores, falarei uma cor da cada vez, eu decorei as cores, sei decór... não virarei os olhos, não virarei de costas, não virarei outra coisa se não uma porção generosa de cores-aperitivo em dia de verão... ando percebendo os jeitos das coisas e das pessoas, como elas são e como na verdade não são nada mais do que umas coisas-pessoas-coisas... ando reparando no mundo com uma especial dedicação, fico horas só nisso, reparação... fico horas, como um creme para cabelos com pontas duplas e secos e quimicamente desgastados, fico horas só em reparação, grudada no mundo que é agora o meu cabelo mau tratado e também sou creme e touca térmica e cabeleireira e esteticista e secretária e o mundo todo sabe disso e se desfaz pra mim, pra que eu possa reparar, ele para e repara como eu reparo nele e age como se nada mais pudesse acontecer se não reparar o que já foi feito, o que já foi dito e escrito e fotografado e filmado e comido, um chopp em pleno verão, em praça pública, publicamente tomado, sugado até a última gota e no fundo um recado que não se pode ler já que está molhado e borrado pelo suor que só escorre em dias de verão...verão que sei do que falo, falo com a boca gozada, cheia de expressão, um prazer imenso que vos falo, falo, falo, falo... e a voz pica, fica picotada quando o telefone toca e estamos todos dentro de um túnel, este que nos colocamos para ligar uma coisa a outra, pra ligar e receber ligação e a frase fica picada pelos mosquitos da verdade que nunca mais apareceram por conta dos repelentes que temos nos bolsos de nossas calças sarouel, com o fundo do poço arrastando e nos deixando ainda mais profundo do que nunca somos, do que nunca chegamos tão fundo assim em nós... e o blábláblá continua até alta madrugada e quando para de falar escrevo bilhetes em pequenos caderninhos e entrego aos que passam rapidinho pela rua da minha vida, uma rua sem saída em que moro desde aquele dia em que nunca mais ouvi uma boa música e nunca mais comi uma boa comida e nunca mais nada por aqui, nada em piscina seca de lágrimas que poderiam ter sido e não foram, secas de lágrimas que poderiam ter corrido olho afora, mas agora olho e nada vejo e nada e morre na praia que se transformou de tanta areia que jogo nos meus olhos contra um vento que sopra nos meus ouvidos mais um samba-canção, tiro o calção, as meias, penduro as chuteiras e perduro a sensação de que o jogo ainda não acabou, penduro os quadros negros em meus buracos igualmente da mesma cor e decoro a fala da sala que tudo isso se transformou...

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