segunda-feira, 16 de novembro de 2009

ingênuidade...

morar no meio do mato, com aquele cheiro de lenha queimando no fogão... acordar antes do sol e recolher os ovos das galinhas, tirar leite das vacas, lavar roupa na mão com sabão em pedra, comer pão caseiro com manteiga de garrafa e café recém moído, passado no coador de pano e servido no bule, tudo feito em casa... passar cera vermelha no chão, vassourão pra dar brilho e óleo de peróba nos móveis de mogno... ver o dia passar pela janela de uma casinha de madeira, com pintura meio desbotada do sol e uma marca de barro uns centímetro do chão feita pela chuva, muitas toalinhs de crochê, um quadro do nosso Senhor Jesus Cristo todo enfeitado na parede da sala, sala sem tv, sem computador, sem internet e o escambau... saber o que é telefone mesmo sem ter um, colocar uma saia gasta, uma camisetinha velha e um chinelo desbotado e ir pra horta, mexer na terra com as próprias mãos de unhas não feitas... plantar salsinha, cebolinha, cenouras, alfaces, um pequeno tomateiro, cuidar de uns pés de frutas e depois ir pra dentro fazer doces e compotas com açúcar cristal ou mascavo que serão entregues na cooperativa... usar panela de ferro e uma caldeirinha... nos fundos da casa um pilão pra socar milho e fazer quirera pros bichos e fubá pra nós... e lá mais adiante um paiol, com os grão guardados, pra poder trocar com os vizinhos, arroz por feijão, milho por amendoim, verduras por outras coisas, ovos por conversas, ter erva-doce pra colocar no bolo de fubá e tomar chá da tarde sentada na varanda... jogar conversa fora nos dias de domingo depois da missa na capela...
esperar o sol ir descansar, escutar as maritacas indo dormir nos pés de ingá... ligar o rádio e sintonizar na am, ouvir aquelas músicas antigas bem bregas, como " o tempo vai, o tempo vem, a vida passa e eu sem ninguém, cadê você, que nunca mais apareceu aqui...", escutar o rádio a pilhas passando uma pilha de roupas com cheiro de sol, enquanto a água do jantar ferve no fogão à lenha... colocar um frango no fogo, fazer polenta branca, arroz com urucum (bem amarelinho), feijão com cebola e alho fritos na banha, uma salada de almeirão e tomate, uma jarra de laranjada e uma ambrosia pra sobremesa... esperar o marido, que volta da lida com a marmita vazia e a barriga também, passando roupas e olhando pela janela... comer a janta na mesa de quatro lugares, ouvir o cochicho das galinhas, fazer uma oração antes de engolir, pegar a farinha de mandioca bem branquinha que esqueci de colocar na mesa e comer de colher... sentir o gato passeando pelas pernas embaixo da mesa e o cachorro latindo pros sapos do lado de fora... pegar uma Sabrina pra ler enquanto ele escuta a hora do Brasil... ligar o lampião quando a luz elétrica desligar e deixar a revista quando começar o meu programa musical favorito de sambas-canção...
escovar os dentes e tomar banho com sabão de coco, passar leite de rosas depois, prender os cabelos num coque e ir para a cama, fechar as janelas da sala e deixar as do quarto abertas, colocar o mosquiteiro sobre a cama... vestir camisola cor-de-rosa e penhoar da mesma cor, uns chinelos de pano... deitar na cama com lençol branco do enxoval que veio de Minas, sentir de novo o cheiro de sol... sentir a mão que passa pelo meu cabelo, sentir a boca que me dá um beijo na testa, alcançar o terço no criado mudo, sobre a pequena bíblia... rezar em agradecimento por mais um dia, pedir chuva ou sol para ajudar na plantação... cobrir-se com um lençol bem fino, ouvir as pererecas cantando debaixo da janela, talvez até Godofredo, o sapo velho e gordo... ouvir o silêncio e fechar os olhos bem de leve...deixar que venha outro dia...simplesmente deixar...

Nenhum comentário: